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segunda-feira, 14 de maio de 2018

ARAGEM - Por Silvério da Costa

Imagem disponível na Web

Jornal SulBrasil
CHAPECÓ, Quinta-feira, 26 de Abril de 2018
ANO 24 Edição 7.135

OPINIÃO
Fronte Cultural

ARAGEM!
Por Silvério da Costa

“ARAGEM” é o livro vencedor do “Prêmio Matsuo Bashô de Poesia Haicai-2017”. O seu autor é o poeta Antonio Fabiano, cujo nome haicaístico é SEISHIN. Recebi este livro e o li e reli como uma espécie de lenitivo para o espírito.
O haicai, para quem não sabe, é um poema muito popular, que prima pela síntese. Tem apenas dezessete sílabas poéticas, distribuídas pelos três versos (o primeiro e o terceiro com cinco sílabas cada um, e o segundo com sete sílabas) que o constitui. O seu mestre-mor é/foi Matsuo Bashô, mas o haicai é um gênero de poema exercitado por quase todos os grandes poetas do mundo e, claro, não poderia faltar Antonio Fabiano, que parece morar dentro desse espaço chamado Haicai.
E de lá nos fala da natureza vegetal, vinculada às quatro estações do ano, mas também da fauna, da vida como um todo e de outras nuances haicaianas. O poeta domina a técnica do haicai, soberanamente, e, por isso, venceu, com todos os méritos, o referido concurso! Eis aí a prova...

estalido brusco —
entre as folhas do jardim
uma rã em fuga

na sombra da noite
o vulto de um velho monge —
pinheiro solitário

um tanque de guerra
avança em tempo de paz —
o escaravelho

velha e estreita rua
para a zona do prostíbulo —
a dama-da-noite

quaresmeira em flor —
austeridade e leveza
da casa em ruínas

um fado suave —
nas ruelas de Coimbra
a cor deste outono

um pedinte cego
na escadaria do templo —
a noite estrelada

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

CARTA AO POETA FERREIRA GULLAR


Gullar em inesquecível fotografia de Murillo Meirelles

Em dezembro do ano passado fomos surpreendidos pela triste notícia do falecimento de Ferreira Gullar. Este ano, mexendo em alguns papeis, encontrei a cópia desta carta que dividirei com vocês. Trata-se de algo escrito em 2012, quando eu ainda morava em Minas Gerais.
Todos sabem que Gullar escreveu e publicou um primeiro livro, posteriormente descartado por ele que não quis, sequer, que este aparecesse em sua obra reunida. Eu havia reclamado o fato de não encontrar o livro em lugar algum, pois tinha curiosidade de lê-lo, apesar do autor não considerá-lo. Eis que o poeta, dias depois, me manda seu único exemplar, do acervo pessoal, emprestado. A carta exprime, além de gratidão, impressões do momento. Enviei-a com o livro, na devolução. É engraçado reler isto, anos depois.
Certa vez disse-lhe o quanto considerava ruim determinado poema de outro livro seu, um poema bem pouco conhecido. Ele, com bom humor, releu o poema para lembrar e explicou-me a circunstância da composição, a volta do exílio, concordando em parte comigo, em parte não. Como, talvez, neste caso:


Belo Horizonte - MG
16 de julho de 2012


Meu querido Gullar!

Devo, antes de tudo, agradecer pela confiança de me emprestar seu exemplar pessoal e raríssimo... Eu não ousaria nunca pedir tanto, mas esta não é a primeira vez que sua generosidade me surpreende! Obrigado!
Li com muita atenção o “descartado” livro de 1949, “Um pouco acima do chão”. Confesso que, depois da primeira leitura, por não ter compreendido muito bem a razão de tal “descarte”, obriguei-me a lê-lo outra vez... Continuo não compreendendo!
Eu entendo que o poeta tenha mudado bastante e crescido para além dos mundos de São Luís do Maranhão; eu entendo que às vezes um gigante possa ignorar que tenha sido menor, ainda que nunca pequeno; e entendo até que as velhas águias em seus mais altos voos se esqueçam de que alguma vez possam ter estado apenas “um pouco acima do chão”. Mas isso de considerar esta primeira poesia “descartável”, a ponto de nem mesmo fazê-la constar em sua Obra Completa, pareceu-me um equívoco e dos grandes. O país e seus leitores de todo o mundo não merecem tamanha punição! Por que privá-los destes versos?
“Um pouco acima do chão” é, a meu ver, absolutamente imprescindível para se entender toda a poesia de depois. Se for verdade que o poeta é a antena de sua raça, ao falar por, e dar voz a seu povo, não sei de ninguém que pudesse escrever algo mais sublime, naquele ano de 1949 e tempo pretérito, nas mesmas circunstâncias de sua história, biografia, cultura e meio. Pouco importa se depois de 22 já desconjuntavam versos ou comia-se antropofagicamente em quase todo o país! Cada poeta de verdade é um acontecimento, no sentido pleno e irrepetível da palavra, tem seu tempo e modo de romper com os paradigmas seculares. Alguns não cabem mesmo em padrão algum, escola, movimento... Fazem seu próprio tempo, estilo, via... São inclassificáveis, no melhor dos sentidos. Ou classificáveis, mas só por alguns instantes... Depois esgotam as possibilidades da hora e vão além.
É bem verdade que a sensação que se tem, ao sorver partes desse livro, é a de que estamos a ler um pré-modernista ou coisa de semelhante natureza. Mas quem disse que a boa poesia pode ser refém de cronologias ou vítima de anacronismos? O livro testemunha, sim, a imensa transformação pela qual passou Gullar. E quem o leu, naquele ano de 1949, dificilmente poderia imaginar o que viria depois... Mas não estamos falando de uma poesia ruim e de outra boa! O que se dá depois é uma mudança de estilo, mudança paradigmática, certamente ideológica, mas não exatamente de qualidade, ainda que tenha vindo com os anos o incontestável aperfeiçoamento do poeta, a progressão da consciência do seu fazer artístico, a maturidade intelectual, de engajamento e de sensibilidade etc. Seria engraçado pensar no “velho” Gullar escrevendo um livro desses! Mas seria igualmente engraçado e até absurdo pensar no Gullar de 49 a escrever, por exemplo, o que escreveu depois até “Em alguma parte alguma”. Quando eu abri o livro, pensei apenas que estava a ler um menino de São Luís do Maranhão, perdido em algum rincão do mundo, num longínquo ano, mas tão genial que conquistaria – como conquistou – o mundo. Como exigir que este menino fosse já o Gullar desesperado do “Poema Sujo”, o de depois? O mesmo gênio estava lá, mas as circunstâncias eram outras.
De “Um pouco acima do chão” posso dizer: não há poeta deste país – barroco, árcade, romântico ou parnasiano – diante do qual você não pudesse se assentar para dialogar de poeta para poeta, tendo nas mãos tal livro e tais versos, sem corar ou gaguejar. Digo-o com tranquilidade, por já ter lido tudo de antes e depois, por não ser um leitor medíocre, por saber muito bem fazer escolhas e por saber pôr cada coisa em seu lugar. Em “Um pouco acima do chão” há poemas tão superiores a tantos que vieram depois!... Não vejo nada que o envergonhe nestes versos! Vejo, sim, um elo necessário para que se compreenda a grandeza posterior, a marcha do poeta em crescente, a ponte necessária para que muitos leitores possam chegar ao Gullar de hoje, sem pararem no meio do caminho ou começarem o caminho pelo meio. Porque há muitos que, não gostando da sua poesia atual, aprenderiam a amá-la ou a entenderiam melhor por estes versos singelos, nunca medíocres. Ali está, em rimas modestas e quase imperceptíveis tropeços de metros (absolutamente remediáveis na recitação com boa dicção e conhecimento de poética e licenças poéticas), a monstruosa força e a crise nascente de um poeta que já começa a romper a camisa de força das formas. O livro é um testamento histórico! Um lirismo suave, alguma vez ingênuo, mas tão cheio de força, pureza e verdade, que comove! Comove porque é obra de arte. É um livro que sem data e assinatura sobreviveria igualmente. Mas nele já está o poeta inteiro, mesmo quando delira e diz que é Deus. Aliás, dizer-se um novo Cristo não é a mesma coisa de externar ou encarnar o sonho messiânico de uma raça? Isso não já se disse e se fez na história e nas literaturas, tantas vezes? Os versos de “Um pouco acima do chão” são límpidos, não possuem graves redundâncias, não têm afetação, nem mesmo em seu viés mais romântico, utópico... Fazer versos para Cabral pode ser coisa que agora iniba o bom e velho poeta. Mas quem disse que não era legítimo esse esboço de patriotismo no imaginário coletivo de uma época e de gerações inteiras? Para quem viveu depois exílio e ditaduras é dose engolir isso e outros “issos” do livro, como o ufanismo da formação das gentes brasileiras etc. Mas são versos autênticos! Expressam um tipo de verdade!
Gullar adolescente, no sentido estético da palavra, é, já, muito bom e respeitável. Mostra a que veio... E a poesia de “Um pouco acima do chão” não fica devedora a Toda Poesia, levando-se em conta a cronologia e o percurso de maturação do poeta. Não sei mesmo que birra teve o poeta com esse livro, pois é um encanto! O livro foi uma grande surpresa para mim, porque se mostrou melhor do que eu imaginava. Pelo que me disse antes, imaginava-o um desastre, ainda mais para que fosse castigado pelo poeta a ponto de nem figurar em sua Obra magna! Mas, não. É um livro autêntico, original. Tem força e luz própria. Tem pureza, tem beleza. Tem a sua verdade. Tem o sentimento de um tempo. Se eu tivesse escrito algo assim no meu passado, e se eu depois tivesse ido tão mais longe, sentiria imenso orgulho dessa trajetória e quereria que todos vissem o dom primevo e o caminho, do começo ao fim.

Fabiano

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

AUTORES & LIVROS

Nhesu Ha
Nhesu, tendotá Guarani, oñorãiróva pe i hente, hekó
ha ijyvy rehe hápe, petei tenondeté ojokó vaekue pytã kuera pe
pe ymã XVII Sa pe, ko ágã pea Ojapova kuera rendá - RS
_______________

Autores & Livros
Inês Hoffmann e Nelson Hoffmann

Antonio Fabiano é uma revelação. Poética. Para nós. Recebemos Cancioneiro da terra, poemas. Lemos, guardamos, tornamos a ler. Pouco depois, ainda degustando o livro, recebemos Nas pontas dos pés, novos poemas. Este com o aval de Ferreira Gullar. Da leitura de ambos, ficamos com uma estranha inquietude de ligação Terra-Céu, num mundo estranho de calcinação e sofrimento. Até William Blake, com seu The marriage of heaven and hell, nos passou pela cabeça. Antonio Fabiano é poeta de essência, o acidente é invólucro. Atente-se, de verdade, para esse nome. Quem tiver um mínimo de chance de ler algum poema dele, não perca a chance, leia, medite, releia.

Nhesu Ha / O Nheçuano

Ano 6 - Número 27 - Roque Golzales, RS - Agosto/Setembro 2015  

quinta-feira, 5 de março de 2015

101 LIVROS DO RN por Thiago Gonzaga

101 Livros do RN (que você precisa ler).
Três anos divulgando a literatura potiguar na Web!


Livro do mês.*


Surpreendeu-me positivamente a leitura da obra “Cancioneiro da Terra” do escritor Antonio Fabiano. Acredito que é um dos melhores livros de poemas publicados nesses últimos anos em terras potiguares. Nos poemas, o autor demonstra sensibilidade e muita inspiração aliada à composição e ao trabalho com a arte das palavras.
A poesia de Antonio Fabiano tem gosto de chão, tem apelo, sentimento telúrico. De anseio e cuidado pela arte poética. Em “Alma Poti” o poeta canta a sua missão; em “Encanto”, surpreende-se com as maravilhas da natureza; em “Alma do Vaqueiro”, ele canta a solidão e o sofrimento do vaqueiro. Detalhe: na grande maioria, os poemas, foram feitos em uma forma clássica, ou seja, o soneto.
Todavia, variando as formas, Antonio Fabiano expressa suas ideias, emoções e inquietações, constituindo um rico acervo poético. E consegue interagir com outras pessoas, pela linguagem que utiliza.
O seu trabalho está recheado de plurissignificações; os poemas carregam em sua essência sensações e valores do eu lírico, e o significado de que tudo vai sendo construído de modo a provocar, despertar o leitor. Sua preocupação com a feitura dos poemas, com a organização do texto, evidencia a função poética da linguagem, e deixa clara a intenção estética do trabalho.
O jovem poeta começa sua trajetória literária com bastante eficiência e muito valor.

*Thiago Gonzaga é pesquisador, especialista em literatura potiguar pela UFRN.

Fonte: http://101livrosdorn.blogspot.com.br/2015/02/livro-do-mes.html
Publicado na quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

sexta-feira, 1 de junho de 2012

CLÁUDIA AHIMSA: lúcida, lírica, insone...


Gullar e Cláudia Ahimsa (Rogério Reis/Instituto Moreira Salles)


Pequena seleção de poemas de
“NOITE SEM DORMIR: poemas timorenses” (2000).
São versos de Cláudia Ahimsa,
amiga tão dileta e alma irmã da minha, “musa do planeta Terra” nos dizeres de seu apaixonado companheiro Ferreira Gullar.
O referido livro – de uma tiragem de cem exemplares numerados e assinados pela autora – possui um PREFÁCIO PARA SER LIDO (mas não é prefácio!): das coisas mais impressionantes que já li em poesia. A obra é dedicada aos guerrilheiros das FALINTIL – vivos e mortos por Timor Leste. Cláudia Ahimsa, amo.


[1º]
Para evitar o amargo da casca
a lagarta em ziguezague vai:
ponto doce... ponto doce... depois volta
longínqua e macia pela via da doçura
que para si mesma traçou...
..........................................................
.....................pela árvore a lagarta vai.
Árvore planeta com tudo que ali habita.
Ampla nos hemisférios de folha e fundo
                        espectral e sobretudo
de uma paz territorial com que se sonha...

Cada flor em suas próprias pétalas
cada copa com raízes próprias
“cada macaco no seu galho”.

Ah, fantástico arquipélago... de tempestades invisíveis.
Estado celular de substâncias coabitantes...
E mesmo em seus limites –


uma gavinha
que noutro galho se entrance.
E mesmo as enxertias... e plantas que parasitam –
ajudam a puxar água

ajudam a respirar – coexistem.

Encosto a testa no desenho da casca
no visco luminoso deixado pela lagarta...
............................................e não posso
desviar do ponto amargo.
Amargo essa mágoa de ilha
ligada ao ladrão pelo mar...
Sem perder o gosto e a luta
Pelo doce dos caminhos –

Direito que até lagarta tem.


                                     Direito à doçura

Cláudia Ahimsa


[3º]
O cão procura e não acha.
O fogo deixou sequelas no faro.
Sabia voltar a casa...
E ao dobrar a esquina rente ao muro...
Que casa? qual nada!
Uma fumaça aqui... outra fumaça ali...
Talvez reconheça nisso
um eco de voz que resiste.
Escutou na sala do seu dono
nas ruas do abandono
tantas vezes as mesmas palavras:
                                       pátria
          ou
morte
Não sei qual é a capacidade vocabular
de um bichinho
assim ferido em seu faro cidadão...
Mas ainda mais triste que um cão sozinho
perambulando pela cidade fantasma –

É esse fumo que fica ali saindo
que fica ali saindo...
dos destroços de tudo que se amou.


Terra queimada

Cláudia Ahimsa


[6º]
Capaz de ver motivo
de fé
numa âncora:
vigio a navisfera
sob aquele céu
obscuro
dos primitivos.


Os tótens?
Excessivamente pintalgados de sangue:
A caixa dos socorros.
Os mapas das fronteiras com o inferno.
Ah, culto faraônico contra a morte...
Ah, meu nome de paz escrito num tanque
como o de Maiakovski.
Vão, missionários! cingidos
de fuzil e capacete 
vão, que é tarde!
Ó vida marinha! monstros teus 
octopus, cachalotes – Pacífico
ajuda a empurrar
pressiona o casco
arrasta a minha prece
não como fita e flor
das leves oferendas
que vão de barquinho
entre as espumas...
Toda a minha fé agora
é uma fragata e mais outra 
o destróier.


                                         Tropas de paz


Cláudia Ahimsa


[7º]
Dorme-não-dorme a cidade marítima.
Serão morcegos?
Atonalidades da noite...
Ou são filhotes das arraias?
Angústias insones...
Ou será fragrância?
Música do sândalo
das tuas montanhas –
o que ouço
desse muro de jasmim...
Confusão!
Sei apenas que a brisa
é noctâmbula também.
E sopra números
nos meus ouvidos...
Do zero às estrelas
que contavas
em lugar delas
344 mil e 580 pontos
para a Independência.
Ouço...
Contas-me
para os sonhos...
Tua história de bravos
teu regresso a ti...
Enfim... a boa notícia.
Mais que política – espiritual.

Basta uma noite sem dormir
para merecer uma alegria diurna.
E o mar não para
de revirar suas conchas
e acordar perigos.

Basta uma noite no mar
para entender
o que é desterro.


Domicílio da noite

Cláudia Ahimsa


[8º]
Talvez... eu pudesse puxar o lençol
até o supercílio
até a aurora...

Encontrar entre silêncios – um
em que se possa adormecer.
Deixar que se desfaça ao longe
a imagem
e Vênus no céu – de fora.
Mas o que há do rosto longínquo
no meu
não se encobre com lençol.

Do leste da ilha
detrás do mato
me olha
por olhos vermelhos.

Lágrimas de sangue
virão comer os pássaros
se durmo de janela aberta.
Se apago a lâmpada
o escuro esconderá
cavas olheiras
junto a buracos no universo.
Amanhã... não choro.


                                        Regresso

Cláudia Ahimsa


[10º]
O rosto desfigurado
não será esquecido.
Demora... não importa.
Faremos as cabeças extirpadas
uma a uma
célula e célula
neurônio a neurônio –
Todos de volta!
As mulheres violadas
serão de novo amadas.
Faremos amor e filhos.
Faremos os braços
as pernas arrancadas
par a par outra vez.
Carne nova para os lábios!
E a face do nosso povo
continuará
a sorrir sobre a Terra.


Avante! pois.

Cláudia Ahimsa

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O direito exclusivo de todos os poemas é reservado a Cláudia Ahimsa.

“Cláudia Ahimsa é uma poetisa que poderia ser timorense porque nela vive a alma e palpita o coração timorenses, o espírito forte de liberdade e independência, mas também de muita sensibilidade e generosidade.
Li os poemas. Mas que coisa mais linda.”

José Ramos - Horta
Nobel da Paz


“Gosto dos seus poemas,
todos feitos de amor, sonho
e fantasia. Dos protestos
que surgem, que a miséria e
a opressão tanto justificam.
Todos a revelar uma
generosidade admirável.”

Oscar Niemeyer

quinta-feira, 19 de abril de 2012

COM LICENÇA, POÉTICA!


COM LICENÇA, POÉTICA!

Com licença, poética!
Também quero ser poeta.
Acho que antes dos quarenta
Até publico o meu livro...

Gullar tem cabelos longos
E uma fúria aguçada
De jovem, jovem, muito jovem...
Mesmo depois dos oitenta!

Haverá lugar pra mais
Nesse trem de além de além?

Ai, meu Deus!
O tempo está se acabando!
Rugi, rugi, o tempo rugi...
Esse leão é feroz!

Eu estou ficando velho.
Chego aos cento e vinte anos?
A testa está se alargando...
Mas isso pouco interessa!

Fios do Gullar à parte,
O Drummond era careca.

(FABIANO, Antonio. “Sazonadas”, Rio de Janeiro: Taba Cultural, 2012).

O poema de abertura do livro “Sazonadas” de Antonio Fabiano, intitula-se “Com licença, poética!”. É quase uma brincadeira que o poeta faz com alguns de seus principais interlocutores literários. Em primeiro lugar, o título quer explicitamente lembrar outro poema, aquele com o qual Adélia Prado em 1976 estreou em poesia e abriu o seu livro “Bagagem”. Mas em Adélia lemos “Com licença poética”, ao passo que em Antonio Fabiano é a própria poética que é interpelada de modo irreverente: “Com licença, poética!”. Curioso é que o poema de Adélia Prado refere-se, intertextualmente, ao “Poema de Sete Faces” de Carlos Drummond de Andrade, publicado por sua vez em seu primeiro livro de poesia “Alguma Poesia” (1930). Em Antonio Fabiano esta reconstituição é importante. Longe de dissimular as influências que recebeu e muito menos querer negar a poesia que veio antes da sua, filia-se a uma tradição de poetas bons, orgulha-se dessa linhagem, sem se tornar refém dela, como se verá no todo do livro e no próprio teor espirituoso dos já referidos versos. Ora, o poema escolhido para abrir seu livro é quase um poema-piada (especialmente se o compararmos aos demais do livro, de altíssimo nível e de um lirismo que toca o absoluto!), mas não tem nada de ingênuo ou casual. Funciona como importante chave de leitura para o mais. Talvez nele o poeta queira dizer que a sua obra tem vínculo real com o tempo presente e com outras vozes da literatura, que sua poesia também aprendeu dos grandes mestres das letras de seu país, e nasce já consciente da difícil tarefa que é dialogar em nível de excelência com os mesmos: “Haverá lugar pra mais / Nesse trem de além de além?”. Trem, aqui, tanto pode ser sinônimo de “coisa”, em relação à fala e aos poetas mineiros, como pode referir-se ao célebre “Poema Sujo” de Ferreira Gullar, poeta citado. O livro possui muitos pontos de verdadeira erudição, sob véus de simplicidade. Em certo sentido é preciso ter relativa cultura (histórica, literária, inclusive bíblica), para entendê-lo bem e fruí-lo. Mas a beleza, esta linguagem universal, é um de seus fortes atributos.
Gullar octogenário, com “cabelos longos” e “fúria aguçada / De jovem, jovem, muito jovem...”, contrasta com a insinuação de calvície (“Eu estou ficando velho / (...) / A testa está se alargando...”) do então jovem poeta, acomia esta que é acima de tudo indício de que ele se demorou no livro, o qual, no entanto, em via de fato, chega antes dos seus quarenta, ainda que inevitavelmente marcado pelo tempo. Talvez daí até se pudesse dizer que o título, “Sazonadas”, tenha querido sugerir uma poesia já amadurecida. Mas isso, ao que perece, está muito longe da pretensão do poeta, ou seja, é uma ideia estranha à intencionalidade do conjunto do livro, ainda que sejam, sim, versos muito bons e maduros. O poeta quis, antes, pelo que se pode inferir, referir-se com “Sazonadas” ao pomar de estrelas, que aparecerá adiante, de onde parece ter extraído o título do livro sem mais. São muitos os poemas líricos, como já se disse, e o livro consegue ser doce (como uma fruta madura), mas sem qualquer afetação. Está aí um livro de delicadeza, como reclamaria outro grande poeta, Affonso Romano de Sant’Anna, este com quem Antonio parece ter frequente relação e de quem recebe, se não na poesia, seguramente na mais ampla esfera intelectual uma notável influência.
Razão e sentimento parecem estar bem integrados no livro. Talvez valesse lembrar que seu autor é um homem da clausura, na vida real (carmelita descalço); por isso, não são estranhas à obra algumas imagens bíblicas e elementos religiosos do seu cotidiano, tanto quanto a contemplação e o silêncio que é fundamental no Carmelo. Será que poderíamos falar de alguma mística nestes poemas, ao menos como herança cultural, já que os carmelitas têm há séculos tradição de místicos?
O tempo não urge para Antonio Fabiano no poema de abertura, para ele o tempo rugi: é um leão feroz. Mas será que o tempo pode tanto assim? Não será ele, de alguma forma, domado pelo poeta? No poema, o autor diz: “O tempo está se acabando!”; isto parece ambíguo, se quisermos entender que o poeta, maliciosamente, insinua aí o fim do tempo (não o fim dele próprio!), proclamando sua vitória sobre o tempo ou seu ingresso na atemporalidade.
À medida que avançam as estrofes, dobra-se e triplica-se o primeiro e simbólico número (“quarenta”... “oitenta”... “cento e vinte anos”...), sinalizando ciclos de alguma coisa, bem como desejo de superação: “Chego aos cento e vinte anos?”. O tempo, aqui prenunciado, marcará o livro em outras partes, com progressiva reflexão existencial, ao lado de elementos como a noite, o vento etc.
O desfecho do poema é realmente surpreendente: em face de um ícone da poesia, que é o grande e jovial Gullar de oitenta anos (representado na superabundância de seus fios de “cabelos longos”), o nosso outro poeta, em sua suposta modéstia e risível presságio de velhice (coisa que na poesia de Antonio Fabiano é sempre positiva, qual marca de ouro do tempo), inesperadamente evoca, de modo analógico, o poeta maior (a exorcizar Gullar?) saindo-se justificado: “Eu estou ficando velho. / Chego aos cento e vinte anos? / A testa está se alargando... / Mas isso pouco interessa! // Fios do Gullar à parte, / O Drummond era careca.”

T. Araújo
Natal - RN

sábado, 18 de fevereiro de 2012

SÁBADO DE CARNAVAL

"Proibir a alegria em nome da paz social é operação ideológica. A tristeza é sempre de direita."
João Paulo
"Política no meio da rua"
Estado de Minas//Pensar (sábado, 18 de fevereiro de 2012)

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

FALAR MAL DO PAPA...

Papa Bento XVI – imagem disponível na Web.

Falar mal do papa é tão chique! É quase sinônimo de ser descolado, pra frente, ter a mente aberta. Tudo isso é o contrário de ser retrógrado, anacrônico, antiquado, o que ninguém quer ser e só o papa é, para alívio das nossas consciências limpas como roupa no varal. Ah, também é muito chique dizer que o papa é conservador! Já ouvimos isso um milhão de vezes. Antigamente dizíamos que o papa era pop e até tinha levado um tiro a queima roupa. Mas o papa de antigamente era mesmo muito pop, então ficou sem graça dizer tal coisa, porque além de óbvio não escandalizava ninguém.
Vira e mexe sai alguma notícia sobre o papa. Afinal, o papa é o papa e precisamos falar mal de alguém – tal como culpamos o sistema, execramos a corrupção, metemos a língua nessa cambada de políticos ladrões que desgovernam o país, e em seguida roubamos nós também as vassouras postas para o protesto de varrição da sujeira em Brasília. Mas não é dessa corja que eu quero falar hoje, nem dos nossos pequenos delitos de cada dia, é do papa. Só o papa pode ser culpado de tudo!
Para minha surpresa, as últimas notas da imprensa não têm sido muito hostis, ainda que haja escândalos na Igreja e tenhamos o dever de denunciá-los sempre. Há jornalistas muito sérios e cônscios de sua função, que levam em conta a ética, coisa meio fora de moda hoje, mas ainda válida para alguns. O problema começa quando não se sabe o que se diz, ou quando o que se diz é infundado e até absurdo. Digo isto porque, outro dia, me surpreendi lendo comentários de internautas a uma dessas notícias imparciais. Certamente os comentários partiam de pessoas que nem tinham lido a pequena nota da imprensa (até muito simpática), talvez só o título ou nem isso. (Muitos infelizmente têm preguiça de ler, ou leem e não entendem, porque também está em baixa o exercício da reflexão.) Talvez só tenham visto a foto – do papa com cara de bravo, é claro! – e pronto: deu-se aquela enxurrada de vitupérios contra o velhinho de branco. E, como não podia deixar de ser, ataques à Igreja, logo associada à Inquisição, coisa deveras vergonhosa e horrível, mas superchique de se dizer, coisa que deixa o falante superintelectual perante um determinado público, ainda que quem o diga só tenha visto alguns filmes de bruxas sendo queimadas, e nunca tenha estudado o assunto a fundo, como um fenômeno histórico muito mais complexo e amplo do que se pensa. Atenção: se alguém quer ser realmente superintelectual e engajado deve também mencionar os horrendos casos de pedofilia na Igreja, pois esta é uma de suas feridas mais vergonhosas e latentes na atualidade.
O fato é que alguém ou alguma instituição precisa ser culpado pelas mazelas de todo o mundo. Este alguém, de vez em quando, é o papa e a sua Igreja. Mas quais são os valores que ele defende? E por que os defende? Recentemente, uma famosa atriz de Hollywood afirmou na imprensa – com quase total certeza a partir do que ela leu em tabloides e jornais que orquestravam uma campanha difamatória contra o papa, especialmente na Europa – que “este papa alemão é um nazista”(!). Ignorava-se sua biografia, o fato de que é reconhecido até por seus adversários páreos como um dos homens mais sensatos e inteligentes da contemporaneidade, ignorava-se seus pronunciamentos de magistério e suas relações já bastante sólidas e antigas com os judeus etc. Mas nem mesmo entre os católicos, com dignas exceções, se lê o que o papa escreve ou se ouve o que ele diz. Quando muito se lê o que a imprensa diz do papa, garimpando uma ou duas pequenas frases suas descontextualizadas, mas frases que possam dar margem para se comprovar que o papa é mesmo muito antiquado e está contra tudo e contra todos.
Para encerrar esta conversa – pois estou deveras prolixo e digressivo! – voltemos ao negócio dos comentários que li na Internet. O que me espantou não foram essas bobagens medianas, repetidas há séculos sem nenhuma criatividade. Também não me espantou a incapacidade que a maioria tem de escrever uma única frase na própria língua e expressar com clareza seu pensamento, se há algum. Nem mesmo me espantou a legítima indignação de quem protesta contra os abusos cometidos por pessoas da Igreja que, afinal, deveriam dar bom exemplo e testemunho de retidão. Tampouco, a total irresponsabilidade de algumas acusações e ataques em massa à integridade do líder e da instituição bimilenar que possui centenas de milhares de pessoas idôneas em todo o mundo, a fazer caridade e um trabalho reconhecidamente sério, de assistência não só espiritual, mas na maioria das vezes simplesmente social, longe dos holofotes, aonde nunca foi sequer um desses militantes que alardeiam a revolução que mudará o mundo. O que efetivamente me espantou foi o ranger de dentes e o ódio profundo manifestado contra um único homem e o que ele representa, este que as pessoas que o odeiam mal conhecem e sequer sabem o que ele pensa e diz, e que ainda assim é posto como bode expiatório de todos os erros do orbe, orbe que nem se considera mais cristão. Se o papa e a Igreja são tão inúteis para os tempos de hoje, por que gastam tanto tempo falando dele? E se ele já não pode nada, ou o que ele diz pouco interessa, por que tudo que pronuncia tem tanta repercussão como em nenhum outro caso de liderança mundial?

Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 7 de novembro de 2011.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

ANIKI BÓBÓ (1942) - Manoel de Oliveira

Está aí uma das obras primas do cinema português: ANIKI BÓBÓ (1942) de Manoel de Oliveira. Esta é a sua primeira longa metragem de ficção. Manoel de Oliveira (nascido no Porto, em 11 de dezembro de 1908) é considerado um dos maiores cineastas do mundo e, atualmente, o mais velho em atividade. Sua lucidez é inacreditável. Ele tem quase a idade da sétima arte e é para muitos, como para mim, uma verdadeira lenda! É um de meus diretores prediletos em língua vernácula. Admiro-o muito, com verdadeira paixão; vi dezenas de seus filmes (infelizmente a maior parte de sua produção é rara por aqui). Alguém de requintado gosto – um cinéfilo português, amante da democratização da boa cultura – pôs em seu canal esta maravilha que não é apenas patrimônio luso, mas de toda a humanidade. Eu gostaria muito de ter o DVD original, mas ainda não o encontrei aqui no Brasil. Espero que vejam e gostem! Um bom filme põe-nos em estado de graça!...



Arquivo pessoal: MANOEL DE OLIVEIRA e Antonio Fabiano em 26 de novembro de 2009.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

POR UMA VIDA MELHOR?

Vivemos num tempo de oximoros aberrantes. O certo é também errado, ou o errado é certo e tanto faz. Cada dia eu me sinto mais imbecil e ignorante. Agora, também, analfabeto. Ou não, já que tanto faz. O MEC acaba de lançar um livro em que diz que não precisamos necessariamente seguir as regras da gramática para falar de forma correta. Uma das autoras explica que a intenção é substituir o conceito de correto e incorreto (certo e errado) pela ideia de uso adequado ou inadequado. Não digo que quem procede assim está agindo de má fé. Até creio que há boa intenção nisso tudo, mas parte-se de um princípio equivocado – insustentável se posto à prova lógica, de um raciocínio mais acurado – que em longo prazo nos fará pagar um preço altíssimo.
Em nosso tempo nada pode ser “errado”, pautamo-nos pelas ideologias vigentes ou da moda dos últimos decênios, optamos por seguir a lei do menor esforço ou a não-lei. Não podemos dizer não, é proibido proibir (sentença esta que traz em si mesma a própria negação), cada um é sua lei, seu deus e juiz absoluto. O relativismo que já foi entronizado na moral, na ética de nossa sociedade, na filosofia, na política, em quase todas as ciências, bem como na estética, nas artes – confira os impasses artísticos e a crítica contemporânea, e note que a quase toda “coisa” produzida nos últimos tempos é não poucas vezes conferido o status de arte com louvor – não poderia deixar de entrar também na língua. Na língua dos brasileiros, obviamente. Assim, algo horrível como a gramática normativa (a que estabelece normas, o padrão linguístico, a sua sistematização), não haveria de passar impunemente por toda essa borrasca, sendo antes tida como caso intolerável ao nosso gosto subjetivista e à nossa preguiça de aprender ou ensinar, isto é, de dar educação de qualidade, um direito de todos. A transgressão presente em diversos níveis da sociedade e até encorajada por instituições outrora norteadoras (neste mesmo mundo onde a futilidade é ovacionada e valores são copernicanamente invertidos), levada às últimas consequências, acabaria por também legitimar coisas execráveis para nós como a impunidade e a violência. Mas não se percebe isso com facilidade, nem é o que queremos ver, ainda quando adotamos atos incongruentes, cujas consequências até somos incapazes de mensurar. Não está na moda pensar, mas de quem fala por e sobre muitos, exigimos o dever da responsabilidade.
O livro referido pertence à coleção Viver, Aprender... e intitula-se “Por uma vida melhor”. Assim seja. Mas, curiosamente, isso se difundiu e se difundirá em escolas da rede pública. E não creio que em algum concurso ou vestibular tal falácia vá ser levada a sério.
Sabemos que em qualquer língua ou cultura do mundo há discrepâncias entre a oralidade e sua escrita, isso é comum e até viável. Mas reconhecer que há diferentes formas de falar, e ter em relação a tal fato a devida flexibilidade, inclusive abolindo todo preconceito e buscando compreender os mais variados fenômenos linguísticos, não nos dá o direito de endossar a institucionalização do que é visível deficiência educacional – esta, sim, injusta – tão patente em nosso país, onde governos se vangloriam do crescimento estatístico da escolarização e progressiva erradicação do analfabetismo, e nos deparamos mesmo no ensino superior com pessoas que sequer sabem conjugar os verbos mais elementares ou escrever um texto legível em sua própria língua.
É sofístico acreditar que está certo falar uma língua de qualquer jeito, desde que a comunicação se torne possível, e que proceder dessa forma é promover a inclusão social etc. Esse critério absurdo, além de ameaçar a unidade linguística de um povo de dimensão continental que miraculosamente fala o mesmo idioma (com sotaques e expressões próprias, o que é enriquecedor, natural e bonito), promove o que já chamaram de “apartheid” no campo semântico. Diminuir as diferenças sociais, abolir preconceitos, não se faz pelo caminho da irresponsabilidade de quem tem o dever de dar escola e educação de qualidade a todos. Não sei de nenhum lugar do mundo onde tenha ocorrido algo semelhante a essa procedência tristemente abonada pelo MEC.
A veiculação deste livrinho poderia parecer irrelevante, e a fúria de alguns intelectuais desproporcional. Não. Seu conteúdo demagógico – também denunciado pela Academia Brasileira de Letras – quer de fato validar o erro, como se dissesse que para ricos e bem formados três vezes três é nove, mas para pobres tanto faz. O desdobramento de tal relativização nos afronta e fere a própria razão de ser do idioma. Mas é um bom álibi para justificar nossa incompetência educacional, o fracasso da Educação em diversas instâncias, sobretudo no ensino da língua pátria onde, atualmente, se aprende mais a odiar clássicos da literatura, através de mutilados textos, que propriamente gramática.

Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 23 de maio de 2011.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com

domingo, 1 de maio de 2011

CLAUDIO PASTRO, UMA VERDADEIRA EPIFANIA...

Talvez cem anos sejam necessários para que nos demos conta da grandeza, mais que a já presumível, do artista Claudio Pastro. E por estar tão à frente do nosso tempo no que diz respeito à sua originalíssima arte, vamos precisar ainda de mais um século (quero que as minhas contas estejam erradas!) para que a sua mensagem, sua obra, invada o imaginário das gentes e se apodere de vez da consciência do povo.
Mas se alego uma originalidade criativa na obra de Claudio Pastro, o que é bem verdade, não quero com isso afirmar que ela esteja desvinculada das tradições precedentes. Muito pelo contrário, permanece imbuída do mais puro espírito de beleza que se exprimiu em dois milênios de cristianismo, berço do artista, e em todas as tradições do mundo que pelo belo fazem vir aos homens desde sempre o supremo inominável.
Claudio Pastro cativa pela força de uma invenção que vai muito além dele mesmo e do tempo. Sua obra encanta porque nos recorda a memória do mundo no que ele tem de mais feliz e sagrado. Claudio nos salva do caos e nos traz a misteriosa alegria, a profunda esperança de um real sentido de vida. Isso é possível porque ele alcançou uma admirável maturidade em seu agir artístico.
Sua criação refunda o espaço e rompe os limites do tempo, em qualquer das direções possíveis, como consequência lógica de ter atingido o centro mesmo do mistério – seu Cristo total.
Quem se perder em qualquer dos matizes pastrianos, quem ousar seguir os traços mais fundos e nada ingênuos que sua mão delineou, vai se enredar no arcano da própria fonte da Vida.
Há quem diga que com seu monumental trabalho em curso no Santuário Nacional de Aparecida, Claudio Pastro marcha de vez para a consagração. Sim, pouca vez se viu escolha tão feliz e adequada; mas não é somente Aparecida que engrandece o artista de Deus (realmente digno de empreender tal tarefa, pela magnitude e seriedade de seu trabalho e pelo que põe de verdade no que faz, visto ser homem à altura do projeto e talvez o único absolutamente capaz de levar a cabo com brilhantismo o que ali se começou a fazer); é, por certo e principalmente, o artista que pelo milagre de sua arte engrandece e dignifica até à altura dos céus a casa da Mãe e Senhora do povo brasileiro e dos peregrinos de todo o mundo. É como se, pela efetuação desse projeto, o Santuário ficasse duplamente maior e centuplicasse o seu valor sacro, artístico, teológico e cultural. Tal ventura é de fato um desses bem-aventurados acontecimentos da história, de acerto inaudito pela adequação de um dos maiores templos do mundo às igualmente gigantescas mãos de um profissional competente e cheio de fé. E não faltou quem o comparasse em sorte e grandeza a Michelangelo! A comparação aparentemente exagerada é oportuna. Aparecida parece mesmo o corolário da carreira desse artista, seu melhor momento e também o maior dom que ele lega ao povo brasileiro, à Igreja e à humanidade. São milhares de milhões os que pelos séculos futuros passarão ante suas obras ali manifestas, e que lerão o milagre dessa verdadeira epifania.
Mas se da obra de Michelangelo podemos evocar aquele “Fiat” [“Faça-se!”] de Deus, a explosão da luz primeva, a ostentação do poder do Criador e da criatura sob os matizes renascentistas; com mais razão pode-se contemplar, no trabalho de Claudio Pastro, o surto de um cristianismo puro, das origens, o rasgo sem precedência e desconcertante do humilde e para sempre revolucionário “Et Verbum caro factum est et habitavit in nobis”... [“E o Verbo se fez carne e habitou entre nós!”]. Por meio dele podemos dizer que realmente Deus visitou seu povo e vimos sua estarrecedora glória!

Antonio Fabiano
Belo Horizonte, Páscoa de 2011.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

QUIXOTE - Livraria e Café



A melhor leitura com requinte. Ótimo atendimento! QUIXOTE Livraria e Café. Fica aqui pertinho da praça da PUC do Coração Eucarístico em BH. Eu gosto! Por isso sugiro aos amigos do blog.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

JE VOUS SALUE, GODARD


Jean-Luc Godard (Foto Divulgação)

Atenção, cinéfilos! A Folha de S. Paulo hoje traz opiniões sobre a filmografia de Jean-Luc Godard. Neste dia Godard celebra 80 anos, e estreia no Brasil seu mais recente longa, Film Socialisme. Um crítico, irado, sugere que Godard em Film Socialisme aliena o público, passa de cúmplice deste a adversário. Godard é mesmo implicante, mas genial. Vamos ver...
FILM SOCIALISME
Diração: Jean-Luc Godard
Produção: França/Suíça, 2010
Com: Catherine Tanvier, Jean Marc Stehlé e Patti Smith
Classificação: 14 anos
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Outros filmes de Godard, considerados muito bons:
Acossado (1959)
Uma Mulher é Uma Mulher (1961)
O Desprezo (1963)
O Demônio das Onze Horas (1965)
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Curiosidade: Em 1985 seu filme “Je vous Salue, Marie” foi considerado herético pela Igreja e teve sua exibição censurada no Brasil.
Eu não tenho culpa!

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

MÁRIO DE ANDRADE E O CINEMA

A Folha de S. Paulo de hoje, em seu caderno de cultura – E12 ilustrada – traz uma notícia deveras interessante para os que amam pari passu o cinema e a literatura. Trata-se de uma obra intitulada “No Cinema”, a qual chegará às livrarias no mês de dezembro próximo, com 19 críticas escritas por Mário de Andrade (1893-1945), todas publicadas esparsamente, referentes a cinematografia. Só agora foram reunidas, a facilitar uma leitura organizada, por iniciativa do pesquisador Paulo José da Silva Cunha e da editora Nova Fronteira. Dessas críticas, apenas um texto de 1934 é inédito. Como lembra Alcino Leite Neto, editor da Publifolha, tais textos integram em seu conjunto uma das reflexões mais importantes da primeira metade do século XX no Brasil, a respeito da arte cinematográfica. Cabe lembrar que aquele era um tempo em que ainda se discutia a validade artística da nova linguagem, a que se chamaria definitivamente “sétima arte”. Para Mário de Andrade o cinema já era, indiscutivelmente, Arte.

– NO CINEMA –
AUTOR: Mário de Andrade
EDITORA: Nova Fronteira
PREÇO: não definido
AVALIAÇÃO (Folha de S. Paulo): ótimo

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

EM TEMPO: UMA PRECIOSIDADE...



Olá, pessoal! Já falei desta preciosidade aqui em nosso blog (revejam as publicações de setembro). A DURAÇÃO DO DIA é o mais recente livro de Adélia Prado e saiu este ano mesmo pela EDITORA RECORD. Resolvi hoje postar a capa (divulgação), para encorajá-los a adquirirem a obra. A concepção da capa é da própria Adélia Prado. Em dezembro o blog trará mais novidades sobre a autora...

sábado, 18 de setembro de 2010

MUITO BOM! VALE A PENA LER DE NOVO!


Todo intelectual que visitou ou viveu o Brasil das últimas três décadas, leu ou pelo menos ouviu falar deste livro do Affonso Romano de Sant'Anna: “Que País É Este?” (1980). Reeditado pela Rocco neste ano de 2010, conta com bonito projeto gráfico, editoração e capa de Fatima Agra. Infelizmente a foto digital não permite ver os delicados relevos da capa... Fica aí mais uma SUGESTÃO de leitura! Quem não leu, leia! Quem já leu, vale a pena ler de novo! Fragmento (desconfigurado) do poema Que País É Este? : “Deveria derribar aflitos mapas sobre a praça / em busca da especiosa raiz? ou deveria / parar de ler jornais / e ler anais / como anal / animal / hiena patética / na merda nacional?” (Affonso Romano de Sant’Anna). Publicado em plena ditadura militar!!! Há mais sobre o poeta e seu livro em postagens antigas deste Blog.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

LEIAMOUÇAMVEJAM - com "M" de cabeça para baixo!

Olá, pessoal, revisitem os tópicos deste Blog referentes a WILMAR SILVA. Estão muito interessantes e eu sei que muitos de vocês apreciaram as matérias. Obrigado! Além dos e-mails postem mais comentários, por favor, mesmo que sejam anônimos, não tem problema! Wilmar Silva é um artista sério, faz promoção de boa cultura e a viabiliza para todos. Gosto disso! Apresento-lhes um breve “inventário” de sua Obra. Acho que todos gostarão de conhecê-la integralmente, não pelo que eu disse ou digo, mas pelo que ele (Wilmar) ou ela (a Obra) diz. Tirem suas próprias conclusões... Caso alguém se interesse por esse trabalho, pode buscar mais informações (não mais comigo) e adquirir os seus livros etc. pelo e-mail wilmarsilva@wilmarsilva.com.br Leiam ouçam vejam e algo mais::: ANU (Confraria do Vento, RJ); SILVAREDO (Anome Livros, BH); ESTILHAÇOS NO LAGO DE PÚRPURA / LÁGRIMAS EN EL LAGO DE PÚRPURA (PORTUGUÊS/ESPANHOL, Tropofonia Editorial/AR); YGUARANI (Cosmorama Edições, Portugal); NEONÃO (CD Poesia Biosonora c/ Wilmar Silva e Francesco Napoli); MUSICACHA CACHAPREGO (CD c/ Wilmar Silva e Gilberto Mauro); PORTUGUESIA (LIVRODVD c/ 101 Poetas de Portugal, Guiné-Bissau, Cabo Verde e Minas Gerais, Livro 512 páginas, DVD 2hs videopoesia).

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

FERREIRA GULLAR - 80 ANOS


Hoje o poeta FERREIRA GULLAR faz 80 anos. É um dos escritores mais respeitados da atualidade. Em maio deste ano foi contemplado com o Prêmio Camões, o mais importante da língua portuguesa, instituído pelos governos do Brasil e de Portugal. Ferreira Gullar (José Ribamar Ferreira) nasceu em São Luiz do Maranhão. Escreveu, dentre outras coisas, o seu POEMA SUJO (1975), um dos maiores acontecimentos da língua vernácula na segunda metade do século passado. Opinião. Recentemente o encontrei nos jardins internos do Palácio das Artes, aqui em BH. Está mais afiado do que nunca!

sábado, 7 de agosto de 2010

"QUE PAÍS É ESTE?", O CASO.

Em 1980, Affonso Romano de Sant’Anna publicou o livro “Que País É Este?”. Ousado livro, tendo em vista que o país interpelado era o da ditadura militar. A obra tornou-se célebre. Seus versos de abertura foram publicados com destaque no Jornal do Brasil. E, logo ganharam o mundo. Sim, o livro é atrevido. E neste ano faz aniversário, com direito até a reedição pela Rocco.
Evidentemente falar de ditadura está na moda. Multiplicam-se livros com esse tema. Filmes, então, nem se fala!... Mas, embora esse detalhe ajude a propagar o livro e qualquer outra coisa que queiramos vender na pós-repressão ditatorial, a obra não é boa (só) por isso. Com ditador ou sem ditador – para quem, avante, já desfilamos de tênis, ingenuamente –, o livro do Sant’Anna é autônomo e se impõe do mesmo jeito. Sim, é bom de qualquer jeito!
Quem já cantou com a Legião Urbana de Renato Russo essa atualíssima pergunta (mesmo quem é jovem e nunca passou por uma ditadura), se não leu tem agora renovada oportunidade de aventurar-se nas páginas de “Que País É Este?”, do poeta Affonso Romano de Sant’Anna. Talvez finde o livro sem qualquer resposta, mas crescerá no espírito.
Porque nesse interessante caso, não é o livro que precisa do país, mas o país que precisa do livro.

Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 07 de agosto de 2010.
Blog: http://www.antoniofabiano.blogspot.com/
E-mail: seridoano@gmail.com

quinta-feira, 29 de julho de 2010

PARA PENSAR...

Octavio Paz, em seu livro EL ARCO Y LA LIRA (em português “O Arco e a Lira” – Ed. Nova Fronteira), nos diz num monumental epílogo, dentre outras coisas, que ao abolir a noção de divindade o racionalismo reduziu cabalmente o ser humano. Assim, segundo o autor, ao libertarmo-nos de Deus fomos condenados a um sistema mais férreo e a imaginação humilhada se vingou. Como? Fez nascer do “cadáver de Deus” um sem número de fetiches! Na Rússia, por exemplo, divinizou-se o chefe, deificou-se o partido, etc. Entre nós, erigiu-se a idolatria do eu, e esse mal nos levou ao fanatismo da propriedade, posse. Conclui o autor, sobriamente, que o legítimo Deus da sociedade ocidental cristã tem por nome o domínio de uns sobre os demais. Isto é aquilo que também chamamos de opressão e outros nomes feios...
“O Arco e a Lira” de Octavio Paz, que não se ocupa propriamente desse tema acidental, é um grande livro! Traz reflexões desse consagradíssimo escritor sobre o fenômeno poético. Para ele, “poesia não é opinião nem interpretação da existência humana. É revelação de nossa condição original”. Leitura obrigatória para quem gosta da coisa! Fica aí essa modesta sugestão...