quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

BONSAI (11) - KUROMATSU ou PINHEIRO-NEGRO-JAPONÊS


(Pinus thunbergii)

O pinheiro-negro-japonês é uma das árvores mais clássicas no universo do bonsai. São longevas e inspiram grande respeito. Veneráveis, desde tempos muito antigos! Pinus de duas agulhas (pares), possui crescimento robusto. Seu calendário de cuidados (metsumi, mekiri, mekaki, hanuki etc.) deve ser, ao longo do ano, rigorosamente obedecido pelo bonsaísta, pois um kuromatsu não tolera erro ou arbítrio. Daí que nunca seja indicado para iniciantes.


Este pequenino pinheiro-negro-japonês tem quase a minha idade. É pequena a diferença de anos entre o meu nascimento e o dele. Trata-se de um dos pinheiros-negros do lendário mestre Hidaka. Hidaka tinha especial predileção por tais árvores, que lhe recordavam o Japão. A elas dedicou-se, magistralmente, até o fim de sua vida.

Osamu Hidaka

Osamu Hidaka (Japão, 1935 – Brasil, 2014) foi o maior nome e creio que o último representante de uma geração antiga de imigrantes japoneses dedicada ao bonsai, geração que marcou época, importantíssima para a história e o desenvolvimento da arte do bonsai no Brasil! Pode-se saber mais sobre ele, através do livro de Mário A. G. Leal: OSAMU HIDAKA – A história de um homem e seus pinheiros-negros.
O meu pinheiro-negro foi cultivado pelo mestre Hidaka desde que era semente, ou seja, através do método misho. Na época as sementes vinham do Japão. Em seguida, o mestre passou a importá-las dos Estados Unidos. Este kuromatsu permaneceu com ele por mais de uma década em Atibaia-SP.



Posteriormente, passou à coleção de Wilson Fracassi, experiente bonsaísta de Jaú-SP, com quem permaneceu por quase duas décadas. Adquiri-o dele, por meio de Luiz Yassuo Nakamura. Registro meu agradecimento ao amigo Wilson Fracassi, que tanto me ensina!


Meu kuromatsu tem o estilo HAN-KENGAI – queda parcial, meia-cascata ou semicascata. Tal estilo retrata árvores que nascem em penhascos, em lugares inóspitos.



Uma curiosidade: a tradição chinesa de bonsai refere-se ao mesmo estilo como "olhando a água", visto que árvores dotadas desta característica, na natureza selvagem, encontram-se, quase sempre, junto das margens dos rios ou lagos, espelhando-se neles. Para os chineses, a característica destas árvores dá, ainda, a impressão de uma pessoa debruçada sobre a água. (Cf. esta informação em BONSAI: the art of growing and keeping miniature trees de Peter Chan).

O atual vaso, Onodera, foi feito exclusivamente para meu pinheiro-negro. Aliás, não é o único Onodera em minha coleção, como devem ter notado, ao lado dos vasos assinados pelo mestre Shugo Izumi. Sergio Onodera – consagrado ceramista e artista de altíssimo prestígio no mundo do bonsai – levou alguns meses trabalhando-o artesanalmente. Sua arte é feita em cerâmica de alta temperatura, algo para durar séculos.



Este kuromatsu, pelo seu tamanho, poderia ser posto em um vaso menor, se eu quisesse ser mais ortodoxo ou se eu fosse levá-lo a uma exposição. Aliás, o vaso anterior, além de redondo era menor, como podem ver nas fotos velhas. Mas eu o encomendei e quis assim. Nele, o pinheirinho permanecerá por alguns anos. Vou estimular seu crescimento, acentuar a queda e aperfeiçoar seu ápice. 



Transplantei-o de um jeito a tornar possível escolher, simultaneamente, duas frentes principais: o vaso posto de quina ou com os dois pés em realce. Dependendo de como se veja, enfatiza-se mais ou menos a força do vaso ou da árvore, elementos constitutivos do bonsai. Mas, em nenhuma das posições, a meu ver, rivalizam-se; antes, complementam-se.

Estimo muitíssimo este bonsai. Com ele faço um humilde tributo à memória de meu pai.





O Brasil, hoje, conta com ótimos bonsaístas em quase todas as regiões; pessoas que vêm desenvolvendo um trabalho sério nesta área, obtendo sucesso em espécies nativas, além de cultivar com impecável maestria as já muito clássicas, aclimatadas. O interesse é realmente crescente, por parte dos compatriotas. Basta ver quantos textos e vídeos há sobre o assunto na internet, feitos por brasileiros, e o número de acessos que têm, além do aparecimento cada vez maior de produtos especializados. Há lojas e viveiros exclusivos de bonsai, bem como pessoas comuns que em suas casas dedicam-se paciente e amorosamente a esta arte. O nosso bom gosto e capacidade têm surpreendido bonsaístas de fora, colocando muitos de nossos artistas em pé de igualdade com os de outras partes do mundo, onde a vivência desta tradição é mais antiga. Claro que ainda não podemos comparar nossos jovens bonsais a certos exemplares do Japão, cujo cultivo atravessou gerações e alguém pode ter em casa uma dessas maravilhosas árvores de séculos. Mas todo magnífico bonsai foi um dia uma semente ou galhinho, e de nada valeria ter uma obra-prima sem entender o caminho. A arvorezinha que repousa em nossa mão, não é menos importante que a mais importante de um famoso bonsaísta. Ambas respiram, bebem água, precisam de cuidados e estão sob o sol que ilumina os seres. É, antes de tudo, um convite à humildade e à gratidão. Pois em qual delas é menor ou maior o milagre da vida?

 Antonio Fabiano
seridoano@gmail.com


* Todas as fotos são de meu bonsai e foram feitas por mim. A foto do mestre Osamu Hidaka foi encontrada na Web sem menção de autoria.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

TRIBUNA DE PETRÓPOLIS - CANCIONEIRO DA TERRA por FERNANDO PY



TRIBUNA DE PETRÓPOLIS
Sexta-feira, 1 de julho de 2016

LITERATURA

FERNANDO PY

CANCIONEIRO DA TERRA

Cancioneiro da terra, de Antonio Fabiano (Mossoró: Sarau das Letras, 2014). Terceiro livro de poesia do autor, celebra, principalmente, a terra em que nasceu (Paraíba) e aquela em que cresceu e vive (Rio Grande do Norte). O livro se divide em sete partes, nas quais o poeta demonstra notável domínio do verso e da arte poética. A parte inicial (em línguas de pedra e fogo ou em línguas de anjos) é toda erguida em sonetos decassílabos, alguns de esplêndida fatura, como “Alma Poti”, “Senhora da manhã” e “Alma do vaqueiro”. Pode parecer ao leitor que o poeta se contente com seus versos metrificados, porém esta impressão é errônea, não só pelos versos livres bem construídos, mas também por um belo exemplo de poema fixo, o canto real, ao fim da sexta parte. A segunda parte (Em línguas de rios) é composta apenas de dois poemas: “Águas do Potengi” e “Acauã”. Potengi e Acauã são rios que pertencem ao Rio Grande do Norte, e o poeta os revive com amor e saudade, em versos basicamente de redondilha menor. Os doze poemas da terceira parte (em línguas de asas ou aves de arribação) são escritos em versos livres. É interessante observar que, em geral, os poemas de Fabiano se reportam ao passado, mas um passado cuja recriação traz ao conjunto do cancioneiro um travo de melancolia, visto que, além de serem cântico de exaltação à terra, marcam fundamente as recordações do poeta, sobretudo em tom saudoso. Nas quatro partes finais do cancioneiro podemos enxergar com clareza esse tom melancólico. Tentando recompor as tradições dos antepassados, o poeta percebe que ele próprio é um desterrado, conforme se vê nos poemas da última parte (Em línguas avoengas), especialmente em “Rito ancestral” e “Talvez os mortos voltem”. E o poeta realiza enfim seu cancioneiro apoiando-se em outra tradição, a tradição poética, por exemplo, quando intertextualiza Drummond no primeiro verso de “Perfeição”: “A lembrança de minha terra dói”. Pelo que podemos avaliar, este Cancioneiro da terra indica um poeta de obra cada vez mais importante, uma obra poética que há de ocupar uma posição de destaque na literatura brasileira contemporânea.
Recebemos e agradecemos: Jornal da ANE Brasília, ano XI, nº 69, abril 2016; ano XI, nº 70, maio 2016.

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FERNANDO PY
Poeta, colunista e crítico literário, redator e tradutor brasileiro. Traduziu, dentre outros títulos importantes, a monumental obra proustiana “Em Busca do Tempo Perdido”.

domingo, 4 de dezembro de 2016