Daniel Faria
Observei-te
sabendo já que eras um homem – a cabeça
De
pelicano dobrado
O bico
que te rasgava para fora
Adoeci
como lâmpada que se funde
A coroa
de espinhos sobre mim – a lembrança
Dobrei-me
nas tuas asas
Nas
chagas ainda quentes
No voo
como gota de sangue no peito
Que vive.
No coração
Que
partes e distribuis com as mãos
*
Todas as
minhas fontes vêm de ti
As
nascentes
E amo-te
com a constância do moribundo que respira
Já sem
saber de que lado o visita a morte
Procuro a
ligação entre ti e a luz muito
[miudinha depois dos
temporais
Entre a
luz e os estilhaços nas ruas bombardeadas
Desconheço
o colar onde unes tudo
Procuro
entender como é que moldas
Os meus
pés ao equilíbrio que os desloca no chão
Sei que
és tu que me levantas
Que
remendas o meu corpo cada dia
Em ti
encontro a pulsação
Que
rebenta – uma artéria como nunca
Tinha
jorrado. Cratera onde durmo
Recluso,
árvore à chuva
Em
dificuldade extrema
De
respiração
Ponho a
cabeça entre os ramos, lanço
[os braços para
fora
Como um
pássaro entre um bando
De
disparos
Tu moves
as agulhas, tu unes de novo
As minhas
asas à curva do céu
*
E desço à
verdura das tuas mãos
Como as
manadas que buscam as minas
Faltam-me
apenas os pés feridos dos que
[peregrinam
Faltam-me
no chão duro das promessas
Os
joelhos
Queria
tanto andar em redor, rodear-te,
[se soubesses como
Queria
amar-te tanto
O que sei
da unidade é a túnica
Tirada à
sorte. O que sei da morte e da vida
É o livro
escrito por dentro e por fora
Silêncio
escrito por dentro
Palavra
escrita a toda a volta da história
O que sei
do céu
É a mão
com que sossegas os ventos
Desço à
escritura como os veados aos salmos
FARIA, Daniel – POESIA – Edição Vera Vouga. Publicado em Portugal
por Assírio & Alvim. Porto
Editora, Ltda. 1ª edição: maio de 2012.