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terça-feira, 4 de março de 2025

Affonso Romano de Sant'Anna (1937-2025)

 

Reprodução


DONA MORTE

 

Dona Morte

a Senhora está aprontando demais

na minha porta

– sem falar no estrago intempestivo o mês passado

devastando minha horta.

 

Como reverter tamanha intromissão?

 

Sei que tem lá seus misteres

sei que é tarde, já escurece.

Espere um pouco, Dona Morte

eu queria apenas

jogar só mais um pouco

com os três amigos que me restam.

 

Affonso Romano de Sant’Anna 

Sísifo desce a montanha, Rio de Janeiro: Rocco, 2011.

 

domingo, 29 de julho de 2012

OLHA SÓ...


Folha de S. Paulo, domingo 29 de julho de 2012 – ilustrada E5: Affonso Romano de Sant’Anna, o autor que ajudou a definir os principais movimentos literários do século XX no Brasil, celebra 50 anos de produção literária. Nem o poeta havia se dado conta disso... Ilustra a matéria, a foto de um evento literário realizado no Rio de Janeiro, em 1973, onde aparecem: Affonso, Gilberto Gil, João Cabral de Mello Neto e Chico Buarque, dentre outros.

domingo, 6 de novembro de 2011

domingo, 2 de outubro de 2011

AFFONSO ROMANO DE SANT’ANNA – entrevistado por Antonio Fabiano




ANTONIO FABIANO: Muitos gênios se encontram no mesmo Affonso Romano de Sant’Anna: o jornalista influente, o teórico, o crítico, o ensaísta, o articulador cultural, o professor, o militante político, o cronista, o poeta etc. No mesmo escritor, a prodigiosa capacidade de ser muito bom em cada uma dessas coisas. Seu público é vastíssimo, no Brasil e também no exterior. Pergunto: na constelação de homens que é o nosso mesmo Affonso Romano de Sant’Anna, qual lugar ocupa o ‘exclusivamente poeta’?

ARS: Tirando suas amabilidades, a poesia pervaza tudo o que faço. Está na estrutura de alguns ensaios, está nas crônicas. Ser poeta é uma forma verbal de articular o real e a fantasia. Aliás, já disse várias vezes que o real é apenas a parte mais visível da fantasia.
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ANTONIO FABIANO: Roberto Drummond chegou a dizer em entrevista, certa vez, que o poeta que há em Affonso Romano de Sant’Anna deveria assassinar os outros criadores que coexistem nele, para o poeta prevalecer e nos dar a expressão máxima da melhor poesia de que é herdeiro. Ele considerou imperdoável seu desperdiçar-se nos outros criadores. O que acha disso?

ARS: Ele sacou as coisas. Acho até que foi por causa dele que levei QUE PAÍS E ESTE? para ser publicado pelo Jornal do Brasil em 1980. Claro que eu me expandi em outros gêneros. Por necessidade, compulsão também. A poesia é devoradora . Às vezes ela até mete medo. É possessiva. Aliás, toda forma de arte é possessiva. É como o amor. Ou então, é como o domador que tem que ficar na jaula com o chicote e o banquinho manobrando a fera sem se deixar devorar por ela.
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ANTONIO FABIANO: Seu grande livro de poesia, “Que país é este?” (1980), lançado ainda durante a ditadura militar, foi reeditado há pouco pela Rocco, no ensejo da celebração dos trinta anos de sua impactante primeira publicação. Não é comum vermos tanta agitação em torno de uma obra que nasceu antes mesmo da maioria de seus atuais leitores. E, no entanto, o público jovem saudou e leu isso com o entusiasmo e o espanto dos que o leram há trinta anos. A que se deve a perturbadora atualidade de “Que país é este?”, e o que nos diz pessoalmente o pai da obra, três décadas depois?

ARS: Esse livro tem me surpreendido muito. Nessa reedição pelos 30 anos encontrei pessoas que, nascidas depois da ditadura se debruçavam sobre os versos. Alguns amigos me disseram que esse poema teve um papel importante no processo de abertura. A poesia tem esses mistérios. Esse poema está em várias antologias e foi traduzido para várias línguas. Na semana passada no interior do Paraná, um grupo de atores/estudantes apresentou o poema antes de minha conferência. Uma das atrizes me confessou que cresceu com o poema, que o falava desde a adolescência. No mais, a questão QUE PAÍS É ESTE? é universal.
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ANTONIO FABIANO: Um livro que exige fôlego é o teu notável e também ousado “O Enigma Vazio” (2008). É denso e faz uma interessantíssima análise dos impasses da arte e da crítica de nosso tempo, através de posições firmes e bem fundamentadas, vasto conhecimento de causa etc. Como sintetizaria o fenômeno das artes na modernidade e na chamada pós-modernidade?

ARS: Se você ler o livro de poemas que acabou de sair SÍSIFO DESCE A MONTANHA vai encontrar a reverberação de certas ponderações lá. Ter vivido muitas experiências, ter ido a todos os museus importantes do mundo, ter convivido com artistas, ter participado dos movimentos de vanguarda e deles tomado uma distância tática, me deu a tranquilidade para escrever aquele livro. O interessante é que não apareceu ninguém para rebater minhas teses. Sei que dá trabalho ler algo assim. Passei a vida inteira atormentado com isso que atormenta tanta gente e parece que equacionei a questão dentro de uma ótica transdisciplinar. A arte contemporânea só pode ser entendida amplamente por instrumentos transdisciplinares. A estética só, não dá conta.
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ANTONIO FABIANO: Também a literatura vem sofrendo grandes transformações. Uma delas é o que se dá por meio da revolução tecnológica, que nem sempre é vista com bons olhos pela maioria dos escritores. Há uma banalização das letras em nosso tempo? A boa literatura está ameaçada?

ARS: São as duas coisas. Todo mundo pode ser autor, mas nem todo mundo quer ser leitor. Aí complica. Foi boa a democratização da internet, dos blogs, etc. Mas nem todo mundo que escreve é escritor, alguns são redatores, outros apenas expõem suas emoções. Literatura vai além da emoção.
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ANTONIO FABIANO: Em que mais diferem as atuais gerações de escritores, das gerações passadas? Que vantagens e desvantagens têm os escritores de hoje, em relação aqueles que já são clássicos?

ARS: Pertenço à geração dos escritores viajantes, aqueles que a partir dos anos 70 vararam o Brasil de ponta a ponta enquanto as gerações anteriores eram sedentárias. Já porque não havia meios de transporte, o país era outro, já porque eram funcionários públicos que ficavam no fim do dia nas portas das livrarias papeando. E sobre o advento do Ipad, computadores tenho escrito várias coisas, sobretudo o ensaio: O LEITOR, CADÊ O LEITOR? Que o Estadão deve publicar.
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ANTONIO FABIANO: Em sua opinião há atualmente o despontar de nomes promissores, das novas gerações, que de fato permanecerão? Pode-se pensar ainda em um cânon sagrado da nossa literatura? Ou as novas leis do mercado editorial já não nos dão certeza disso?

ARS: Você já reparou que nunca perguntam a um médico, quais são os novos médicos promissores, quais os novos engenheiros, dentistas? Seria interessante saber porque aos artistas se faz essa pergunta. Para responder eu teria que fazer uma longa pesquisa. Recebo dezenas, centenas de livros, hoje centenas de blogs. Há uma disseminação, dispersão, o que torna ainda mais difícil lhe responder. E as respostas restritivas correm sempre o risco de acabar formando uma “panelinha”: em alguns casos, existe por aí, algo que tenho até mencionado, que se parece com formação de “quadrilha” – grupinho defendendo seus interesses criminosamente.
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ANTONIO FABIANO: É difícil ser escritor ‘brasileiro’? Há incentivo de divulgação da nossa literatura, alguma política de difusão da mesma?

ARS: Hoje há mecanismos de incentivo. Na Biblioteca Nacional criamos bolsas para tradutores e para autores jovens. Hoje há oficinas literárias no país, algumas até pela internet. Os escritores estão viajando mais pelo país. Há muitas feiras do livro. Claro que há instituições como a Fagga, que organiza feiras e insiste em não pagar aos autores (eu não participo de coisas deles, já denunciei essa exploração). Mas a coisa mais importante é o surgimento dos “mediadores” ou “agentes de leitura” sobre o que tenho escrito constantemente.
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ANTONIO FABIANO: Poderia falar a respeito da sua experiência à frente da Biblioteca Nacional, um dos mais importantes acervos do mundo? Como vê os atuais programas de leitura em nosso país?

ARS: Sugiro a leitura de LER O MUNDO. Ali conto o que foi essa experiência, narro coisas para se entender a luta de uma geração pela leitura e pelo livro. No programa VIVA LEITURA (veja no Google), há mais de 10 mil projetos de leitura. Agora enquanto respondo suas perguntas, estou num avião, vindo de Natal onde falei para centenas de professores do programa Prazer de Ler, acabo de ler no jornal O Povo uma matéria sobre os agentes de leitura no Ceará. As coisas estão se mexendo.
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ANTONIO FABIANO: O que pensa do fenômeno da influência na obra de todo grande escritor?

ARS: Haroldo Bloom escreve sobre a “ansiedade da influência”. Todo autor é um comensal de autores anteriores. Alguns são parasitas puros. A pós-modernidade vive de parasitagem fazendo apologia do plágio, da copia, etc. Outros tentam inventar a roda. Dizia Valery: o leão é a soma dos cordeiros assimilados.
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ANTONIO FABIANO: Quem te instigou a ser poeta? Como descobriu que o fenômeno da poesia não era apenas uma coisa da adolescência? Alguém particularmente te inspirou? De quem Affonso Romano de Sant’Anna recebeu as mais marcantes influências?

ARS: Acho que tudo começou pelo fascínio da linguagem poética da Bíblia. Minha família era metodista, eu era predestinado a ser pastor, cheguei a pregar em vários lugares, mesmo adolescente. Numa crônica de LER O MUNDO falo sobre o valor/sentido dessa linguagem poética dentro das religiões e da literatura.
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ANTONIO FABIANO: Alguma vez pensou em desistir? Já experimentou o fracasso como escritor?

ARS: Todo escritor, todo artista às vezes acha que a fonte secou, há momentos de (aparente) esterilidade. É quando alguma coisa nova pode estar se armando. Clarice [Lispector] dizia que a estória de todo homem é a estória de seu fracasso, fracasso através do qual... E trato disto em SÍSIFO DESCE A MONTANHA, por isto, aliás, a epígrafe de Clarice quando ela diz que nossa verdadeira tarefa é “deseroizar-se”.
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ANTONIO FABIANO: Qual a grande convicção do amigo Affonso Romano de Sant’Anna?

ARS: Convicção? Não sei. Estou sempre tentando ver as coisas por vários lados ao mesmo tempo, assim você tem que variar seus pontos de vista, suas convicções, caso contrário perderá o fenômeno em sua totalidade, ficará com experiência muito parcial.
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ANTONIO FABIANO: Como Affonso Romano de Sant’Anna regeria o seu “Ministério dos Sonhos”?

ARS: Na verdade vivo dentro desse Ministério. É preciso sonhar para que o real se realize. Até os animais sonham. Como disse num poema, existe uma engenharia dos sonhos, uma arte de sonhar. Mas há que domar as alucinações, tirar delas o lado positivo. Há que saber a diferença entre o neurótico e o psicótico.
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ANTONIO FABIANO: O poeta considera-se uma pessoa feliz?

ARS: Tem aquele poema de Maiakovsky em que considera que em algum lugar do mundo, no Brasil, certamente, existe um homem feliz. Felicidade é uma palavra perigosa. Você sabia que em várias universidades existe curso de “felicidade”? Economistas estão escrevendo sobre isto. Alguns países querem medir a cota de felicidade dos cidadãos. O que existe, ao contrário, é a busca. Somos movidos pelo desejo, e o desejo exige novas conquistas e realizações.
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ANTONIO FABIANO: Poderia nos dizer algo mais de seu novíssimo livro de poemas “Sísifo desce a montanha” (2011)?

ARS: Prefiro que outros o digam, habitem por mim esses textos.
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ANTONIO FABIANO: A esta altura da vida, com sucesso e reconhecimento, com uma carreira literária bem delineada e seu grande nome escrito no cânon das melhores letras de nossa língua, como o poeta maduro – ao olhar para trás e vislumbrando ainda um futuro – vê seu próprio itinerário?

ARS: Estou como Sísifo, descendo a montanha, só que do outro lado. Já subi o que me foi dado subir, agora é descer com a pedra no ombro. E essa pedra até me parece leve... É estranho, mas é assim.
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ANTONIO FABIANO: Sobre o que pretende escrever, que ainda não escreveu?

ARS: Tenho vários livros engatilhados.
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ANTONIO FABIANO: Que palavra daria a este mendigo que o interpela e tanto admira?

ARS: Você é um mendigo rico, porque é generoso, sempre aberto à vida e à poesia. Que a poesia te abençoe!
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ANTONIO FABIANO: Pode deixar aos leitores do blog um dos novos versos? Esta é a pérola com que encerramos a conversa...


ARS: "ERGUER A CABEÇA ACIMA DO REBANHO"

Erguer a cabeça acima do rebanho
é um risco
que alguns insolentes correm.

Mais fácil e costumeiro
seria olhar para as gramíneas
como a habitudinária manada.

Mas alguns erguem a cabeça
olham em torno
e percebem de onde vem o lobo.

O rebanho depende de um olhar.


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AFFONSO ROMANO DE SANT’ANNA & ANTONIO FABIANO
Outubro de 2011
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com

terça-feira, 13 de setembro de 2011

XIX CONGRESSO BRASILEIRO DE POESIA HOMENAGEIA O POETA AFFONSO ROMANO DE SANT’ANNA


Como já é tradição em todo o início de outubro, mais uma vez a cidade gaúcha de Bento Gonçalves, a Capital Brasileira da Uva e do Vinho, abrirá suas portas para a caravana de poetas que irão participar – entre os dias 03 e 08 daquele mês – da décima-nona edição do Congresso Brasileiro de Poesia, um dos maiores encontros de poetas das três Américas.
Tendo como tema “A Poesia Vivida”, em homenagem ao poeta mineiro Affonso Romano de Sant’Anna, aproximadamente cem poetas dos mais diversos estados brasileiros e de alguns países latino-americanos já confirmaram presença, e irão protagonizar uma programação diversificada, composta por muitos recitais, performances, rodas de poesia, espetáculo teatral, palestras nas escolas e debates sobre as diversas formas do fazer poético. (...)
Promovido pela Prefeitura Municipal de Bento Gonçalves, através da Secretaria Municipal de Cultura, o Congresso é realizado pelo Proyecto Cultural Sur/Brasil, com apoio da Câmara Municipal de Vereadores e Sindilojas.

(Cartaz e parte do texto divulgado pela coordenadoria do Evento.
Ademir Antonio Bacca é o Coordenador Geral do Evento.
Maiores informações: adebach@gmail.com)

terça-feira, 22 de março de 2011

OBAMA, VENHA COMIGO A CARTAGO



Está aí um VIDEOPOEMA do AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA, dirigido por Samir Abujamra.
Versões também em inglês, francês, espanhol e brevemente em árabe, no YouTube.

quinta-feira, 3 de março de 2011

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA - ARTE CONTEMPORÂNEA

Programa Diálogos - Arte Contemporânea - Parte 1
http://www.youtube.com/watch?v=wtIgBFm17R0

Programa Diálogos - Arte Contemporânea - Parte 2
http://www.youtube.com/watch?v=PdDotBgHzmk

Há vídeos muito interessantes com o Affonso, na Internet. Procurem, por exemplo, sua entrevista no Programa do Jô Soares. Os links aí sugeridos são de uma conversa mais recente, bem interessante...

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

UMA CRÔNICA PARA AFFONSO


Antonio Fabiano e o poeta Affonso Romano de Sant'Anna

Ocupei toda a parte da manhã de ontem – depois e antes das orações que um carmelita faz ao longo do dia, além de estudos – no meio do claustro do nosso convento. Estive entretido no ofício de arrancar matinhos, estas ervas daninhas que nunca desistem de crescer e rivalizam com a grama verde. Mas por que digo “grama verde”, se toda grama que eu conheço é verde? Há grama azul? No meio do claustro temos uma fonte. E peixes coloridos. Nossa casa é bonita, dela admiram-se muitos. Temos voto de pobreza, beleza não é pecado! Sim, eu falava de arrancar matos, no ordinário do meu dia. Os outros frades, espalhados pelo quintal, também trabalham. A vida de um carmelita é feita de silêncio e pequenas coisas como essas. É feita de muitas outras coisas também, claro. Ontem eu arrancava ervas daninhas na primeira parte do dia, ficando com as mãos bem encardidas, estas mesmas que escrevem poemas e a crônica que se lê. Hoje eu farei a mesma coisa... O que pode ser mais ordinário do que isso? No entanto eu preferi viver assim, não troco esta felicidade, ordinária, por nenhuma outra das muitas que tive, pude e posso escolher.
Todo esse rodeio é para falar da parte não ordinária do meu dia de ontem, que de repente se engrandeceu! A vida também é feita de excepcionalidades... Veio a Belo Horizonte o meu querido amigo e irmão Affonso Romano de Sant’Anna. Talvez devesse dizer “mestre”. Com ele aprendemos muito e sempre. Não é apenas o grande poeta nacional, homem de belas palavras. Affonso é um articulador do bem, da cultura do seu país. Alguém que – para além dos belos versos que escreve – tem ação. Digo ação em prol das nossas gentes e em todos os demais sentidos. Nunca para. Recentemente esteve na Colômbia, dizendo seus poemas, conversando com o povo, encantando aquela gente em grandes eventos. Quando menos se espera, já está em outra parte do mundo, fazendo outra coisa relacionada à literatura. E vai... E vem... E faz o bem. E faz bem tudo o que faz. Não é, como eu já disse, só um escritor nato, nem tampouco daqueles autores que se enclausuram em castelos de marfim e vivem abismados em sua glória às vezes ilusória... Ele é um homem de grande erudição, olhos voltados para o futuro e mente aberta, um homem de inteligência cuja vastidão pode ser comparada às areias da praia do mar. E quando inteligência e bondade se aliam, pode-se até tocar os pés do infinito, de tão alto e longe que se vai!
Affonso já fez muito, ao longo desses anos, como quando esteve à frente da Biblioteca Nacional, que é uma das maiores do mundo, e desenvolveu projetos importantes de expansão da leitura. Desta vez veio a Belo Horizonte e vai passar por outras cidades mineiras ainda esta semana, na esteira de um projeto que visa levar a leitura para todos, especialmente àqueles menos favorecidos culturalmente. É uma causa que ele abraçou há tempos. Falo do programa Grandes Escritores, que há quase dez anos foi idealizado por Marcelo Andrade e agora associa-se a um outro projeto, Livro para Voar, o qual propõe que as pessoas deixem seus livros em lugares públicos para que outros leitores – especialmente quem não pode comprar livros – tenham acesso às obras. No evento de ontem foram doados livros para mais de dez cidades de Minas. O programa já contemplou outros Estados do Brasil. Iniciativas como esta merecem nossa atenção e aplausos. Falar do bem faz bem! Fazer o bem, melhor ainda!...
Mas com pressa, visto que um carmelita tem horas, a vida volta ao seu ordinário. Ordinários deveriam ser os livros, porque todos têm direito à leitura. As políticas educacionais e de incentivo à cultura em nosso país geralmente recebem pouco encorajamento, baixas verbas, quase nenhum apoio. Talvez precisassem entender o que alguém já disse e Affonso nos repete à exaustão: se acham que é cara a Educação, então experimentem a ignorância e vejam quão mais cara ela é além de estúpida! Acreditamos que uma boa leitura tem o poder de transformar o mundo. Isso não é utopia, é fato comprovado tantas vezes ao longo da história. Enquanto não acontece plenamente o dia dessa ventura, fazemos o que podemos, arrancamos ervas daninhas...

Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 1º de dezembro de 2010.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com
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Leia de Affonso Romano de Sant’Anna:
“A Sedução da Palavra”, pela editora Letraviva.
“Que País é Este?”, reeditado pela Rocco.

Para ver mais sobre Affonso Romano de Sant’Anna neste blog: clique no marcador com o nome do poeta, abaixo da postagem.

Saiba mais a respeito do projeto Livro para Voar: www.livroparavoar.com.br

sábado, 18 de setembro de 2010

MUITO BOM! VALE A PENA LER DE NOVO!


Todo intelectual que visitou ou viveu o Brasil das últimas três décadas, leu ou pelo menos ouviu falar deste livro do Affonso Romano de Sant'Anna: “Que País É Este?” (1980). Reeditado pela Rocco neste ano de 2010, conta com bonito projeto gráfico, editoração e capa de Fatima Agra. Infelizmente a foto digital não permite ver os delicados relevos da capa... Fica aí mais uma SUGESTÃO de leitura! Quem não leu, leia! Quem já leu, vale a pena ler de novo! Fragmento (desconfigurado) do poema Que País É Este? : “Deveria derribar aflitos mapas sobre a praça / em busca da especiosa raiz? ou deveria / parar de ler jornais / e ler anais / como anal / animal / hiena patética / na merda nacional?” (Affonso Romano de Sant’Anna). Publicado em plena ditadura militar!!! Há mais sobre o poeta e seu livro em postagens antigas deste Blog.

sábado, 7 de agosto de 2010

O NOME DO POETA


Montagem em Bradley Hand ITC de Antonio Fabiano.

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA

Affonso Romano de Sant’Anna, 1937, é um dos maiores nomes das letras do nosso país. Do nosso país e do mundo. Esse mineiro de Belo Horizonte, que reside oficialmente no Rio de Janeiro, mas que pode estar a qualquer momento em qualquer lugar, é incansável arauto da poesia. Só da poesia? Não. Embora, em seu caso, ser só poeta já nos bastasse. Ele é jornalista. Foi considerado um dos dez que mais influenciam a opinião pública. Exímio cronista, teve a árdua tarefa – mais que honra, grandíssima responsabilidade! – de substituir o amigo Carlos Drummond de Andrade, em 1984, no Jornal do Brasil. Professor em várias universidades nacionais, trabalhou também em outras do exterior. Na ditadura militar, fora proibido de sair do país. Mas saiu. Lecionando nos Estados Unidos aumentava a nota de muitos dos seus alunos, para impedir que estes fossem mandados à guerra do Vietnã. É conferencista, mundial, de altíssimo nível. Escritor versátil, ensaísta e crítico de reconhecida cultura. Aliás, é admirável esta sua capacidade extraordinária de dialogar com as mais diversas culturas e gerações. Homem que fala e é entendido pelo povo, mesmo quando tem sob perfeito domínio as línguas de fogo quase ininteligíveis da academia. Recebeu incontáveis prêmios. Sua tese de doutoramento, transformada em livro – Carlos Drummond de Andrade, o poeta ‘gauche’ no tempo – mereceu nada menos de quatro prêmios nacionais. Quem já leu essa obra intuirá que dificilmente alguma coisa pode ter sido escrita sobre o poeta de Itabira, naquela ocasião, em mais alto nível e tão perfeita qualidade. Affonso fez e continua a fazer muito pela cultura do Brasil. Ele já presidiu a Biblioteca Nacional – a oitava maior do mundo – e foi, entre os anos de 1990/1996, o mentor da modernização tecnológica dessa instituição. Nesse período lançou programas de projeção nacional e internacional. Por isso, quando ele hoje critica ou insiste em determinados aspectos dos métodos de Educação (leitura, por exemplo), ele o faz com a autoridade de quem sabe o que diz, porque já experimentou meios bem sucedidos aí, tanto quanto na sua vasta experiência profissional em diversas partes do mundo.
Mas fixemo-nos um pouco mais no poeta, porque isso ele o é em tempo integral. Além de marido da Marina Colasanti, também escritora, e pai de duas lindas filhas. Seu primeiro livro de poesia é de 1965, "Canto e Palavra". Seu nome, entretanto, já era conhecido em publicações culturais do país desde 1956. Participou dos movimentos de vanguarda que agitaram a poesia brasileira dos anos 1960. Só a poesia? Não, embora em seu caso bastasse. Ele quis atuar, também, nos movimentos políticos e sociais de então. Foi, por exemplo, em perigosos tempos de ditadura que veio a lume o desconcertante “Que País É Este?” (1980). Com poesia fez revolução, seus versos invadiram jornais e lugares até então pouco usuais a coisas de poeta. Nas barbas do ditador, todo mundo ousou não apenas perguntar, mas também responder, com a lira feérica do Affonso.
Outros livros de poesia: “Poesia Sobre Poesia” (1975), “A Grande Fala Do Índio Guarani” (1978), “Política E Paixão” (1984), “A Catedral De Colônia” (1985), “O Lado Esquerdo Do Meu Peito” (1992), “Textamentos” (1999). Quis aqui apenas ressaltar o poeta, mas não nos esqueçamos que é bem mais ampla a sua bibliografia em prosa: ensaios, livros de crônica, etc.
Affonso foi amigo de pessoas muito especiais, como Clarice Lispector. Sempre esteve próximo das maiores expressões literárias do seu tempo, do seu país e de todo o mundo (como Octavio Paz, Elizabeth Bishop, Saramago e muitos outros). Trouxe, inclusive, o filósofo francês Michel Foucault ao Brasil. Mas nunca perdeu a simplicidade, não se distanciou daqueles que o admiram e veneram. Sendo tão grande, faz-se às vezes pequeno para estar mais próximo dos que dele muito aprendem. E não é apenas um grande poeta, mas uma grande pessoa. Está aí um homem que se deixou seduzir pela palavra, e pela mesma palavra nos seduz. Quis ser poeta e não sossegou enquanto a poesia não baixou de vez, para além dos lençóis adolescentes, nos seus versos todos. Explico. Quando ele era adolescente, uma vez procurou Manuel Bandeira. Este era considerado então o maior poeta do país. O rapazinho mineiro não se intimidou, juntou seus versos e foi levá-los pessoalmente ao “poetão” nacional. Bandeira o recebeu, prometeu que leria e escreveria dizendo o que achou. Um dia chegou a carta, que começava assim: “Achei muito ruins os teus versos”... Mas logo Manuel citou três poemas “melhores” e os derradeiros versos do Poema aos poemas que ainda não foram escritos. Affonso, que sempre amou a verdade, ficou feliz com a crítica sincera. Concluiu, nesse dia, que a poesia era possível. E, como já sabemos, ela aconteceu.

Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 07 de agosto de 2010.
Blog: http://www.antoniofabiano.blogspot.com/
E-mail: seridoano@gmail.com

"QUE PAÍS É ESTE?", O CASO.

Em 1980, Affonso Romano de Sant’Anna publicou o livro “Que País É Este?”. Ousado livro, tendo em vista que o país interpelado era o da ditadura militar. A obra tornou-se célebre. Seus versos de abertura foram publicados com destaque no Jornal do Brasil. E, logo ganharam o mundo. Sim, o livro é atrevido. E neste ano faz aniversário, com direito até a reedição pela Rocco.
Evidentemente falar de ditadura está na moda. Multiplicam-se livros com esse tema. Filmes, então, nem se fala!... Mas, embora esse detalhe ajude a propagar o livro e qualquer outra coisa que queiramos vender na pós-repressão ditatorial, a obra não é boa (só) por isso. Com ditador ou sem ditador – para quem, avante, já desfilamos de tênis, ingenuamente –, o livro do Sant’Anna é autônomo e se impõe do mesmo jeito. Sim, é bom de qualquer jeito!
Quem já cantou com a Legião Urbana de Renato Russo essa atualíssima pergunta (mesmo quem é jovem e nunca passou por uma ditadura), se não leu tem agora renovada oportunidade de aventurar-se nas páginas de “Que País É Este?”, do poeta Affonso Romano de Sant’Anna. Talvez finde o livro sem qualquer resposta, mas crescerá no espírito.
Porque nesse interessante caso, não é o livro que precisa do país, mas o país que precisa do livro.

Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 07 de agosto de 2010.
Blog: http://www.antoniofabiano.blogspot.com/
E-mail: seridoano@gmail.com