SOBREVIDA
Matéria ardente que o fogo
arrebata para si
assim a mariposa.
Venho clamar por clemência:
por que deve fenecer
quem se acumula de luz?
Canto
(portanto)
às escuras.
MORADA
Nesta casa incerta
os dias são longos, abandonados pelo
tempo
que desistiu e desertou dos seus.
Crescer ou morrer já é igual:
ambos tocados pelo mesmo fogo do que não se sabe
tangidos por sílabas frias
nos ecos corridos da minha voz.
Abrir as torneiras para ver fluir
o que não se retém.
Olhar no espelho para conferir os pontos
cegos.
Erigir aqui o mausoléu.
O GALO
Me confundo
supondo se este galo é o mesmo
daquela madrugada –
o do canto repetido, o da crista abrolhada do sangue
de Cristo.
O mesmo que canta no vizinho
e que ilustra (aos sonolentos) sua grande solidão.
O que bica escorpiões e limpa os quintais –
ofício que lhe depura ainda mais a plumagem
as notas
a amplidão.
Galo feito a golpes na madeira silenciosa
– só o canivete esculpe-lhe o pé forcado.
Por causa do ambíguo parentesco
não sei se o escultor o sangra
ou se lhe bota asas de
Mercúrio.
Carteiro dos altos
envia mensagens a quem repousa
e muito traduz
(aos de insone feitio)
do quanto retalha a noite
cada cacarejo seu.
Maria Lúcia Dal Farra
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