quarta-feira, 27 de agosto de 2025

MARIA LÚCIA DAL FARRA


Divulgação


SOBREVIDA


Matéria ardente que o fogo

arrebata para si

assim a mariposa.


Venho clamar por clemência:


por que deve fenecer

quem se acumula de luz?


Canto

(portanto)


às escuras.



MORADA


Nesta casa incerta

os dias são longos, abandonados pelo

tempo

que desistiu e desertou dos seus.


Crescer ou morrer já é igual:

ambos tocados pelo mesmo fogo do que não se sabe

tangidos por sílabas frias

nos ecos corridos da minha voz.


Abrir as torneiras para ver fluir

o que não se retém.

Olhar no espelho para conferir os pontos

cegos.


Erigir aqui o mausoléu.



O GALO


Me confundo

supondo se este galo é o mesmo

daquela madrugada –

o do canto repetido, o da crista abrolhada do sangue

de Cristo.

O mesmo que canta no vizinho

e que ilustra (aos sonolentos) sua grande solidão.

O que bica escorpiões e limpa os quintais – 

ofício que lhe depura ainda mais a plumagem

as notas

a amplidão.


Galo feito a golpes na madeira silenciosa

– só o canivete esculpe-lhe o pé forcado.


Por causa do ambíguo parentesco 

não sei se o escultor o sangra

ou se lhe bota asas de 

Mercúrio.


Carteiro dos altos

envia mensagens a quem repousa

e muito traduz

(aos de insone feitio)

do quanto retalha a noite


cada cacarejo seu.


Maria Lúcia Dal Farra


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