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quarta-feira, 27 de agosto de 2025

MARIA LÚCIA DAL FARRA


Divulgação


SOBREVIDA


Matéria ardente que o fogo

arrebata para si

assim a mariposa.


Venho clamar por clemência:


por que deve fenecer

quem se acumula de luz?


Canto

(portanto)


às escuras.


Maria Lúcia Dal Farra


sexta-feira, 14 de outubro de 2011

MARIA LÚCIA DAL FARRA

“eu, mulher plena, prenhe de plurais”...
“mulher de extremos”...

Maria Lúcia Dal Farra

Trechos de poemas do Livro de Auras, Iluminuras, 1994.
Fotografia disponível em álbuns da Web.
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MARIA LÚCIA DAL FARRA é uma das vozes mais límpidas, sublimes da atual poesia brasileira. Paulista de Botucatu, nascida em 14 de outubro de 1944, estudou em sua terra natal, em São Paulo, Lisboa, Paris. Lecionou e deu conferências em diversas outras partes do mundo. Integrou a equipe de Antonio Candido, responsável pela fundação do Departamento de Teoria Literária, em 1975. Daí ausentou-se apenas quando passou a morar no Nordeste do Brasil. É casada com o escritor Francisco Dantas. No recanto do Sergipe onde atualmente vive, tem infinitos gatos e um piano incrível. Maria Lúcia Dal Farra publicou muitas obras sobre narrativa e poesia, aqui e no exterior. É exímia crítica literária. Publicou alguns dos melhores trabalhos e edições críticas que há no mundo sobre a poetisa portuguesa Florbela Espanca. É musicista, “mulher plena, prenhe de plurais”, “mulher de extremos”... e muito mais.

CASA – Maria Lúcia Dal Farra

Redonda, uma mesa cogita
sua memória de árvore
enquanto o nó central se amplia
pela luz vertical que a retira
da morte.

Esse arbusto cresce
e engole a lâmpada elétrica:
os galhos já resplandecem
filtrados de sol.

Do chão
o assoalho estremece
e revive
(através da cera recém-acumulada)
os momentos íntimos das coisas da casa
no seu tempo de floresta.

Dal Farra, Maria Lúcia. “Livro de Auras”. São Paulo: Iluminuras, 1994.

O GATO – Maria Lúcia Dal Farra

Uma palavra para o gato: ágil.
Também unha, preguiça, pupila.
O resto
é o que ele
(entre uma e outra delas)
preenche de charme delgado –
enigmático.

Adoraria poder nele apalpar o pelo
e saber de que abstração é feito.
Mas (felino) ele se enrosca incisivo
no vão do meu pensamento
e dependura-se
(em telepática acrobacia)
nas suas prerrogativas.
Só me permite escrevê-lo
a contrapelo.

Dal Farra, Maria Lúcia. “Livro de Auras”. São Paulo: Iluminuras, 1994.

LIÇÃO DE MÚSICA – Maria Lúcia Dal Farra

Na noite em que meu pai morreu
ele e eu lembramos tangos até tarde –
sem bandoneón, sem violão
de puro improviso:
como se assim entretidos
distraíssemos de seu fito aquilo que nos rondava
ou como uno
(los cumparsitos)
e já numa língua estrangeira
cavássemos um caminito para volver a um país permanente
– lá para os lados do Barrio
ou para os lados do Sur.

Na greve de 39 quando Gardel
galvanizava os gramofones do meu pequeno arrabalde,
papai foi preso.
Detrás das grades
(irreverente)
ele cantou horas a honrar a espera dos estudantes que
(de fora)
forçavam a volta do seu líder
– porque (ele me disse)
a música me dá vida se a vida falta.

Por isso cantamos tanto naquela noite.
Por isso canto tanto agora.

Dal Farra, Maria Lúcia. “Livro de Auras”. São Paulo: Iluminuras, 1994.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Palavras, 1 Piano e 20 Gatos

Palavras, 1 Piano e 20 Gatos - Parte 1


Palavras, 1 Piano e 20 Gatos - Parte 2


Direção, Fotografia e Montagem:
Tatiana Lohmann

Textos:
Francisco J. C. Dantas
Maria Lúcia Dal Farra

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quinta-feira, 14 de outubro de 2010

MARIA LÚCIA DAL FARRA - ela, sim, exuberante!

Maria Lúcia Dal Farra - Imagem disponível na Web

Faz aniversário hoje MARIA LÚCIA DAL FARRA. Uma das pessoas mais autênticas que já conheci! Paulista de Botucatu, onde nasceu em 1944, vive atualmente em uma fazenda do Sergipe – ali tem criatório de infindáveis gatos... É das mais brilhantes intelectuais deste país. Lecionou em universidades nacionais e internacionais. Foi professora na USP e na UNICAMP – nesta integrou a equipe do grande Antonio Candido, responsável pela fundação do Departamento de Teoria Literária, em 1975. Esta exuberante mulher tem centenas de trabalhos sobre narrativa e poesia, publicados no Brasil e no exterior, em português e outras línguas. Escreveu alguns dos mais sérios estudos sobre Florbela Espanca, poetisa portuguesa, além do antológico estudo sobre o foco narrativo em Vergílio Ferreira, “O narrador ensimesmado” (São Paulo, Ática, 1978), e “A alquimia da linguagem”, leitura da cosmogonia poética de Herberto Helder (Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1986). Lança-se em poesia no ano de 1994, com seu “Livro de Auras” (São Paulo, Editora Iluminuras). Mais tarde surge seu belo “Livro de Possuídos” (São Paulo, Iluminuras, 2002). E, em seguida, “Inquilina do Intervalo”, livro de contos (São Paulo, Editora Iluminuras, 2005). A revista Veja chegou mesmo a publicar em 2002 – por ocasião do lançamento do “Livro de Possuídos” – que “ninguém no Brasil é melhor poeta do que ela”... Minhas felicitações a Maria Lúcia, por quem nutro de longas datas amizade e especialíssimo carinho.
Segue-se um poema seu, como poucos há na língua portuguesa, de extremada delicadeza, beleza ímpar, requinte, perfeição...

VERGILIANA

Descansa comigo
sobre a folhagem nova!
Tenho frutas maduras, castanhas assadas,
fartura de queijo.
Ao longe um telhado fumega.

Nem de arbustos e tamarindos
os poemas se fazem.
É certo que assim verdejam
mas também em cinza se convertem.
Elevemos o canto: falemos da grande ordem,
da totalidade das coisas,
dos anéis de Saturno
do menino que há pouco nasceu.

Os meses correm:
úmido mel destilam as mangueiras,
heras vicejam sobre o mato,
vermelhos pendem dos espinhais incultos.

As Parcas os seus fusos correm
e a lã não mais imitará a cor:
o próprio carneiro, no prado,
vai transformar seu velo em púrpura
ou dourado açafrão;
já dispensam foices as videiras.

Alcêmo-nos para as grandes honrarias!
Um século há de vir em que o alento
torne o mundo poesia.

Maria Lúcia Dal Farra
(Do “Livro de Possuídos”, São Paulo, Editora Iluminuras, 2002, pp. 49-50).

Homenagem a Maria Lúcia Dal Farra, por ocasião de seu aniversário.
14 de outubro de 2010