Mostrando postagens com marcador Crônica. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Crônica. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 11 de janeiro de 2022

SHÔGO CHAJI - CHAJI DO MEIO-DIA (CERIMÔNIA DO CHÁ FORMAL)

IMPRESSÕES DO CONVIDADO PRINCIPAL – SHÔKYAKU

ANTONIO FABIANO DA SILVA SANTOS


Sob aquela luz difusa das tardes que vão mudando de cor – à medida que o inverno caminha para o fim – recebi o convite para o Chaji. Nosso anfitrião, o Ilmo. Sr. Valderson Sôchi, versado no Caminho do Chá e no Caminho das Flores, escreveu com seu coração que gostaria de nos servir chá e que, com simplicidade, o faria em um Chaji de esperança. Esse encontro foi verdadeira celebração de esperança, pelo tempo difícil que estamos acabando de atravessar. * 

Quando parti de Belo Horizonte para São Paulo, sabia que seriam muitas horas de viagem. Mas era imensa a minha alegria de voltar a Hakuei-an e poder rever, depois de tanto tempo, amigos e mestres queridos. No caminho, enviei ao anfitrião minha resposta de aceitação do convite e confirmação da presença em dia e hora por ele assinalados:


Eis que já são flores

os ipês da rodovia —

Vou a teu Chaji!


De fato, a natureza do Brasil antecipara-se ao equinócio e já proclamava com vigor a chegada da primavera em todos os cantos.

O Chaji aconteceu como um rio fluindo sobre um leito arenoso. Havia muita comunhão entre os corações. Em muitos momentos as palavras tornaram-se absolutamente dispensáveis. Fez-me lembrar o que está escrito em um dos livros sagrados, sobre a comunhão dos veneráveis primeiros cristãos: “um só coração e uma só alma”. **

Cada utensílio, carregado de sentimentos e histórias pessoais, trouxe para dentro da sala de chá e para nossas almas o verdadeiro significado da consideração máxima que deve haver entre as pessoas do Chadô. A comida do mar e da montanha, expressão da bondade divina e do trabalho humano, os belos doces, a deliciosa tigela de chá, as flores arranjadas com destreza pelo anfitrião, o perfume do incenso, tudo manifestava, de modo inefável, harmonia, respeito, pureza e tranquilidade.     

Eu senti muita alegria em participar dessa Cerimônia do Chá com a Sra. Norma Pires (jikyaku) e a Sra. Mizumoto Sôho (tsume). Senti muita gratidão pelo cuidado do Ilmo. Sr. Valderson Sôchi (teishu) e da Sra. Carmen Sôka (hantô), e pela assistência carinhosa e eficiente dos queridos professores Sôkei Hayashi e Sôen Hayashi. Eu agradeço – com reverência – a condução do mestre Sôichi Hayashi. Sua presença tranquilizadora e discreta, a garantir o bom êxito do Chaji, é verdadeiramente admirável.


* Refere-se às muitas perdas e aos sofrimentos ocasionados pela pandemia. Refere-se também à realidade do período em que, pelo mesmo motivo, as escolas de Chadô em todo o mundo foram fechadas e os chajins não podiam se encontrar.

** Essa citação é do século I e está na Bíblia Sagrada, no livro dos Atos dos Apóstolos 4,32.


*


正客 (アントニオ・ファビアノ・ダ.シルバー・サントス )の感想


この度の茶事へのご招待をお受けしたのは、冬の終わりを感じ取れられる夕方の拡散した光が現れていたころ。

茶道、華道を歩んでこられた亭主ヴァーデルソン・宗智先生は、「希望の茶事」と題した会に心からお招きしたいとお書きくださった。この困難な時期の最中、実に希望へ向かう会でもあった。*(*コロナパンデミックの最中、幾つもの苦しみや死、また、同じ理由で世界各国で茶道会の活動が停止され、茶人の集まる機会が失われていたこと。)

ベロ・オリゾンテ市から何時間もかかるサンパウロ市へ向かい、もう一度『伯栄庵』へ訪れることができ、先生方、友人などに久々に会えると思うと心がこもってきて、大きな幸せを感じた。途中、ご招待をお受けする確認を次のように返信した:


イペの花

早くも咲いている_

高速通りで

共に茶事へと向かう!


ブラジルの季節は実に春分を待ちきれず、すべての隅々まで春を告げていた。

茶事は砂の川床の水流のように感じ、参加者全員の間に心が一体化して流れる。言葉を必要とする時間は極めて少ない。最初のキリシタンの聖体拝領の場面が書かれている聖書の次の言葉を思い出した:「心も思いも一つにし」** 聖書―使徒言行録4・32(紀元一世紀)

亭主の所作、心や道具には、茶道の道を歩む人々がすべての人にあるべき最高の敬意が示されており、茶室の我々の魂の中へ大いなる意味を与えてくれた。

人類の行いと神の善意を示す山と海の幸のお食事、美味しいお菓子とお茶そのもの、亭主自身が生けた見事な生け花, お香の香り、ここすべては言葉にできないほどの調和、尊敬、純粋さ、さらに静けさを感じ取られた。

次客のノルマ・ピーレスさん、詰の水本・宗法先生と共に今回の茶事に参加できたことはとてもうれしかった。亭主ヴァーデルソン・宗智先生及び半東のカルメン・宗歌 先生の行き届いた配慮、林・宗慶先生、林・宗円先生の心のこもったサポートに深い感謝を感じた。尊敬の気持ちを込めて林・宗一先生のご指導に感謝いたします。先生の存在そのものは控えめでありながら安心感を与え、奥深いご臨席でした。


Publicado originalmente em: 

Centro de Chado Urasenke do Brasil

Nichi Nichi Kore Kôjitsu – Chaji

Shôgo Chaji de 06 de setembro de 2021


sábado, 30 de outubro de 2021

Flor de Ipê

Nichi Nichi Kore Kôjitsu
Antonio Fabiano da Silva Santos

No começo deste ano [2020], quando me mudei de São Paulo para Belo Horizonte, senti muita falta das práticas de chá semanais na Hakuei-an. Eu percebi que devo me esforçar mais, a partir de agora, para viver como um chajin. Logo em seguida começou a pandemia e veio a difícil realidade que enfrentamos até este momento. Porém, nas coisas mais simples do cotidiano, descobrimos a sabedoria do Caminho do Chá. E é na dificuldade que se revela, com mais brilho, a virtude de quem segue esse caminho. Durante estes meses, a palavra de nosso Oiemoto – através das mensagens dirigidas aos membros da Urasenke de todo o mundo, enquanto as escolas estão fechadas por causa da pandemia – fortaleceu meu coração e deu muita força ao meu espírito. Eu o senti muito próximo. E senti muita gratidão por isso!

Aqui, onde moro, criei meu próprio espaço de chá, minha “cabana” improvisada, para treinar sozinho e muitas vezes apreciar uma tigela de chá lembrando-me dos amigos. Nos últimos meses tenho lido muitos livros de chá e aprofundado o conhecimento teórico. Fico muitas vezes recordando os ensinamentos dos mestres, as coisas que desde o início me ensinaram. Com frequência faço na mente os otemae. Parece que o mundo vai se tornando para mim uma grande sala de chá, e ao longo de todo o dia os meus movimentos e pensamentos ficam voltados para isso.


Queda silenciosa –

As flores do velho ipê

sobre a cabana.







イペーの花
随想『日々是好日』
アントニオ・ファビアーノ・ダ・シルヴァ・サントス

今年の初め、サンパウロからベロオリゾンてテに引越しした時、私は伯栄庵での毎週のお茶のお稽古を逃してしまい、大変残念に思いました。茶人として生きる為には、これからもっと一生懸命頑張らなければならない事に気付かされました。
その後間もなく、コロナウイルス・パンデミクに直面する困難な現実が到来しましたが、最も単純な日常茶飯事の中に、私達は茶道に秘められたる知恵を見出します。そして、この難局においてさえも、我々はより一層、輝しく(元気で、積極的に)お茶の道を進んでいきたいと思います。
この数ヶ月の間の世界各地の裏千家メンバーに宛てたお家元のお言葉を拝聴することで、私の心・意識は多くの力を与えられ、またお家元が身近にいらっしゃるように感じ、大変ありがたく思いました。
私の住むこの場所に、お茶を楽しめる簡素な「庵いおり」を作り、一人でお稽古をし、友達を想い浮かべながらお茶を楽しむ事が良くあります。
この隔離生活の間、お茶に関する多くの本を読み、理論的な知識も深めています。
先生方の初歩の教えを良く思い出しています。
私は良く頭の中でお点前をします。そうすると、あたかも世界全体が一つの大きな茶室に変化したように感じられ、お点前後も私の動作や考えは、一日中その世界に沈潜しています。

学舎ゆ    見上げる古木    花イペー

風に舞うかに   降りそそぐかに

(訳詩   武田宗知)



Publicação original em português e japonês:
Centro de Chadô Urasenke do Brasil 
Setembro de 2020


terça-feira, 21 de abril de 2020

A PESTE

De repente um silêncio brotou do chão. As bocas mudas não foram capazes de falar nem quando incitadas ao grito. A cidade ficou silente. Como fios de cabelo há muitos tipos de calar.
As pessoas falam cochichando e se olham – quando se olham – ressabiadas. Há medo e tristeza em seus olhares (dois tons abaixo do usual) no que se pode ver de rostos sob máscaras. E de todos os cantos de dentro das casas dos becos bêbados loucos transeuntes (corações) pulsam como quem pede licença para pulsar.
O susto que vi nos olhos de alguns parece o de quem levantou-se atordoado após sofrer um golpe. Mas é também o medo de alguém que está em guerra e teme o míssil ainda que hipotético lhe matar. Esse espanto é espelho. Eu também estou com medo. Ó abóboda celeste. Sirenes não soam. Não há sirene. É terrível a dor invisível. A ameaça invisível. A agonia indivisível. Medo avassala. E tudo que não se partilha morre apodrece empobrece e dói mais.
Ainda uma vez respiro. E outra vez... E outra vez... (De nada vale pensar ou sentir medo de quando pararemos de respirar).
Mas que pôr do sol bonito a boiar neste céu de outono. O sol bate macio nos telhados como quem nunca diz “adeus” só “até logo”. Os insetos voam os pássaros cantam como sempre voaram e cantaram. As folhas das palmeiras se balançam como faziam as avós naquelas cadeiras antigas. Saudade é presente. O vento diz qualquer coisa que antes eu não sabia e segue seu rumo de vento e eu nada saber. Os sinos de vento tocam descompassados. O vento venta e se vai. Volta e se vai. Volta e se vai. Não penso em mais nada. Volto a pensar. Não pensar.
Há coisas pequenas que agora se tornaram visíveis. Discretamente belas e autossuficientes em sua pequenez. O planeta segue girando apesar de tudo. As formigas não evitam aglomeração não usam máscaras e eu não as censuro por isso. Que cintura fina têm as formigas.
Quando a noite descer do céu em seu caminho que vem escorrendo das montanhas a derramar-se pelos prédios: pequenas criaturas sairão dos seus esconderijos e farão o que sempre fizeram em todas as noites do mundo. Nada reivindicarão para si nem mesmo os nomes que lhes foram dados. Nem o fascínio ou o desprezo que lhes tributamos. Nem mesmo as consciências de si reivindicarão. São ratos baratas aranhas grilos... tudo que no mundo há e de seus minúsculos corpos vivem a dividir conosco o lugar que habitamos. Que belos são. Que amoráveis. Cegos outrora nos tornamos por dolosa miopia.
Quando eu venço o que entre o golpe e o míssil se insinua... nada mais importa. Eu tenho apenas este instante e uma alegria humilde. Ainda uma vez respiro. Outra vez... Outra vez... 
Como é bonito este restinho de pôr do sol e a noite que já chega com a estrela que se assoma.

Antonio Fabiano
Belo Horizonte
21 de abril de 2020

sábado, 7 de setembro de 2019

Encantos da Velha Europa e Belezas do Médio Oriente


Encantos da velha Europa

Visitar a Europa é abrir-se à possibilidade de voltar ao passado, no que o ocidente tem de mais emblemático. É ter a chance de relacionar-se com o novo e o velho, ao mesmo tempo! Ali, como em tantas partes do planeta, as marcas do tempo contam histórias e guardam também muitos segredos: das civilizações que nos precederam, das suas cosmovisões, do alçar-se para descobertas de um mundo totalmente novo, dos sofrimentos que assolam os povos de tempos em tempos como, por exemplo, as guerras, e de como cada povo consegue refazer-se geração após geração, escrevendo sua página no livro da vida e deixando-nos um legado de acertos e erros, para que no presente façamos nossa parte da melhor forma possível!
Sem dúvida, a Itália é um dos países mais representativos disso que falamos. É um livro aberto de cultura e variadas tradições! Além de se poder fazer nela uma peregrinação de fé, por incontáveis lugares sumamente importantes para todo o mundo ocidental e cristão.


Panteão

Primavera da Europa

 Fontana de Trevi

Baldaquino da Basílica de São Pedro

Coliseu

Belezas do Oriente Médio

O padrão estético do oriente é totalmente outro! E, não por acaso, exerce indizível fascínio sobre os ocidentais. É o que se experimenta quando mergulhamos nas culturas do Oriente Médio e, em particular, o que chamamos de Terra Santa, em virtude de seu valor histórico para as três maiores religiões monoteístas do planeta, um complexo de lugares que se estendem do rio Jordão até o Mar Mediterrâneo.
Apesar de todos os conflitos há séculos vivenciados na Terra Santa, ali também é lugar de esperança: pela diversidade de povos e expressões culturais de beleza ímpar, pela contribuição que cada um desses povos dá ao mundo desde tempos imemoriais, pelo que se pode aprender com a sua história e sabedoria acumulada ao longo de milênios.
A beleza se expressa de modos diversos, em tão diferentes lugares do mundo. Porém, é maravilhoso constatar que ela pode ser percebida por todos os corações abertos ao fato de estar onde estão, e viver com gratidão cada momento como único!

 Palestina

Jerusalém

Israel

Mar Morto

Flores da Terra Santa

Haifa

Textos e Fotografias de Antonio Fabiano
Publicação original em
Centro de Chadô Urasenke do Brasil 
Agosto de 2019


旅行記: 旧ヨーロッパの魅力・中東の美しさ

旧ヨーロッパの魅力

 ヨーロッパを訪れることは、西洋の最も象徴的な過去に戻る機会を示しています。それは新しいものと古いものに同時に触れることのできる機会でもあります。世界の多くの地域と同様に、時の流れに残された足跡は物語を語り、多くの秘密を守っています:例えば戦争で、どのようにそれぞれの国民が世代から世代へと再構築を果たしたかを彼らの人生の本に書き記し、現代の私たちが最善の方法で役目を果たすための解決と過ちの遺産を残しています。

 間違いなく、イタリアは私たちが話している「旧ヨーロッパ」のもっとも代表的な国の一つです。それは文化と多様な伝統へと導く本と言えるでしょう。その信仰の巡礼に加えて、西洋とキリスト教世界全体にとって非常に重要な場所が無数にあります。

中東の美しさ

 東洋の美的標準は完全に他と別のものです。そして偶然ではなく、それは西洋人に比類のない魅力を発揮します。これは私たちが中東の文化に没頭するときに経験すること、そして特に私たちが聖地と呼ぶものです。聖地はヨルダン川から地中海まで広がり、そこには、世界三大一神教の重要な歴史を持つ場所が数多くあります。

 何世紀にもわたって聖地で経験されてきたあらゆる葛藤にもかかわらず、そこは又希望の場所でもあります:人々の多様性とユニークな美しさの文化的表現のために。その歴史と知恵は数千年にわたって蓄積されてきました。

 美しさは、世界のさまざまな地域でさまざまな方法で表現されています。しかし、それが開かれた全ての心、自分達のいるその場所にいることや、一瞬一瞬に感謝の気持ちをもって生きることで感じられる、と分かるのは素晴らしいことです!

アントニオ・ファビアーノ・ダ・シルヴァ・サントス

2019年8月

segunda-feira, 11 de abril de 2016

PAGAR PEITINHO

A famosa fulana de tal “pagou peitinho”...
Já é enorme a lista de celebridades e, especialmente, subcelebridades (aquelas pessoas que não cabem em classificação alguma, não têm talento algum, mas acreditam-se celebérrimas), que “pagaram peitinho”.
É possível que meu mais requintado – recatado? – leitor não saiba o que significa “pagar peitinho”. Deixe-me, então, explicar... Ou, melhor, tentar...
O que chamam de “pagar peitinho” dá-se da seguinte forma: uma pessoa, involuntariamente (ou fingindo que é), deixa escapar, do que quer que esteja vestindo, uma fração de seu seio, às vezes mínima, como se assim do nada fosse solta a parte de cima da vestimenta, expondo a criatura aos olhos devassos do mundo. O fato se dá na praia, na maioria das vezes, mas pode ocorrer nos lugares mais improváveis (use sua criatividade ou veja as notícias). As vítimas quase sempre são siliconadas, já estiveram em outras manchetes com títulos: “fulana exibe corpão em tal praia”, ou “sicrana (nunca digam “siclana”, tá?) causa (sic) em tal lugar”, ou “fulano beijou fulano ou fulana (o gênero tanto faz)” etc. A essas frases basta aplicar nomes e lugares “famosos”, o texto é igual no restante.
Nestas ocasiões, por incrível coincidência ou trama do destino, há um paparazzo de plantão, que estará com a câmera apontada para a pessoa “famosa”, naquele exato momento. Para cada “peitinho” ou “corpão”, muitos flashes, com direito a “beicinho” e péssima interpretação de cara de surpresa.
No dia seguinte, a “celebridade” fotografada estará nas principais manchetes de certo tipo de mídia, alguém falará disso nas redes sociais e até na televisão.
Isto de “pagar peitinho” é coisa complexíssima, como fenômeno de massa das celebridades subcelebridades. Mas surpreende cada vez menos! A quem interessa esse tipo de matéria, visto que há considerável incidência de publicações desta natureza?
Neste tempo em que ver uma mulher nua ou seminua é raro, raríssimo, tão incomum quanto improvável, talvez até impossível, tal é a não banalização da nudez, inclusive artística; ver um milésimo de peito de alguém cujo talento é do mesmo tamanho do seu “pagar um peitinho”, e que se resume a exatamente isso, é realmente um acontecimento digno de ser noticiado e comentado como negócio de primeiríssima ordem.
No meio de tantas coisas fúteis, nesta era de mediocridades reinantes à luz de seus próprios holofotes, ficou muito chato falar de coisas realmente sérias.

Antonio Fabiano

segunda-feira, 4 de abril de 2016

ENCONTRO

by Image After


Por mais absurdo que pareça, o que vou contar aconteceu de verdade. Encontrei-me ontem com um louva-a-deus. Ele estava na janela, espreitando não sei o quê. Tão elegante! Esses bichos têm olhos enormes que me impressionam desde a infância. Você já viu um louva-a-deus bem de pertinho?
Pus-me a falar com ele. A essa altura da vida, que importa se me virem de papo com esta ou qualquer outra verdíssima e minúscula criatura, tão filha da natureza quanto eu?
Dei-lhe boa noite. Não respondeu. Ou respondeu? Olhou-me fundo e entreolhamo-nos. Um bicho sabe ver outro bicho. É possível que ele tenha sentido pena de eu não ter nascido pequeno, nem tão leve como ele. Mas talvez tenha lembrado que há bichos menores do que ele e, sendo assim, não há razão para lamentar nada nem o tamanho de ninguém. 
O louva-a-deus entrou pelos meus olhos, enquanto eu mesmo entrava pelos seus. E, mais que isso, nós nos entendemos naquela hora. 
Talvez o louva-a-deus tenha me enxergado bem pequenininho... Sentiu pena de eu não ser como ele. Talvez tenha rezado por mim, de mãos postas, em seu ofício de ser cavalinho-de-deus e mais orante do que eu.
O louva-a-deus sentiu-se seguro em minha presença, não me viu como ameaça, e eu não era. Estendi-lhe a mão, ele subiu nela, airoso como não pode deixar de ser. Uma gratidão sem medida me invadiu. Então ele voou, naquela indiferença que não agride, quando partir não é abandonar.

Antonio Fabiano

segunda-feira, 28 de março de 2016

OCO

a David

Quando entreguei a David Leite, amigo e editor, meu último livro de poesia (isso foi no final de 2014), tive a sensação que sempre me vem ao terminar um trabalho: o livro não precisa mais de mim. Em síntese, missão cumprida, esvaziamento. Alguns chamam isso de realização. Nestas horas sinto-me desnecessário, deliciosamente inútil. Um avesso de existir. Um alívio! Não sei explicar...
Acabo meus livros, esgotado. Como quem volta de uma (ia dizer guerra) festa, em que se divertiu (sofreu) muito. Quanto melhor (pior), mais exaurido! Algo semelhante ao que sentiria a casca da crisálida, se fosse capaz de sentir, depois de ser deixada para traz. É isso, eu sou uma casca de crisálida, agora que escrevo este texto. 
Mas poderia dizer isso de outras formas. Quer ver? O que sinto é como ficar a casa vazia de seu sentido. Ou como ter a boca sem língua. Ou como vencer a guerra, a travessia, deus e o mundo e, ao mesmo tempo, cair mortinho, mortinho da silva. E é a partir dessa hora que o livro passa a não ser mais meu ou a não ser só meu. Às vezes sinto pura saturação e não volto a lê-lo, mesmo gostando. Outras vezes o que escrevo me constrange. Será que é por isso que não releio? Já me equivoquei, já acertei em cheio!
Enquanto faço poemas, sinto agonia e alegria em nível hiperbólico. Algo estranho, absurdo. Sofro, sinto nojo, dor, prazer, beatitude. Alguns poemas são perfeitos, outros nascem tortos, mas devem ser o que são. Bandeira dizia que felizmente não há poetas perfeitos, poemas perfeitos sim. Alguma vez consegui, digo com humildade.
Se eu escrever que o poema brilha, ele só entra no meu livro se cegar meus olhos de luz. Isso é convencer-me. Se eu disser que o poema está doce ou maduro, ele só vai para o livro se eu puser nele o dedo e sentir sua polpa penetrável, sazonada, e a minha boca salivar e eu provar com a língua o seu açúcar e sentir sabor. Isso é convencer-me. Se eu disser que o poema está vivo, só vai entrar se realmente provar que está vivo e que tem sangue e alguma vez até sangrar! Quanto ao que vão pensar ou dizer depois, eu não me importo.
Assim, ao terminar um trabalho, o que experimento é certo estado de graça, com aniquilamento, o que não é nem bom nem mau.
Estou sendo muito honesto, leitor. Sinto-me, hoje, oco, estéril, incapaz de conceber qualquer coisa legível. Até que venha outra vez a luz e me fecunde...
Antonio Fabiano

segunda-feira, 21 de março de 2016

LIBERDADE, PRÊMIOS E KOKESHI!

Estive ontem no bairro da Liberdade (São Paulo), que é um pedaço do Japão no Brasil. Estive lá para a cerimônia de entrega do 33º Prêmio “Yoshio Takemoto”, conferido pela Associação Cultural e Literária Nikkei Bungaku do Brasil. Recebi o prêmio do ano (2015) na categoria haicai, um tipo muito especial de poema japonês, do qual sou praticante. Este prêmio me honrou sobremaneira, pela importância que possui no cenário haicaístico brasileiro, por estar especialmente alinhado à escola tradicionalista de haicai japonês, pela seriedade, autoridade e competência de seus organizadores e julgadores.
O evento deu-se na Associação Miyagui Kenjinkai, oficiado em japonês e português, festejando-se na mesma ocasião o cinquentenário de fundação da Nikkei Bungaku.
Ocorreu, na mesma tarde, a entrega de outro prêmio de haicai, pela já referida Associação e pelo Grêmio Haicai Ipê de São Paulo: o 8º “Masuda Goga”. Este homenageia uma das figuras mais extraordinárias da história do haicai no Brasil, Hidekazu Masuda, Goga Sensei (1911-2008), que foi mestre de haicai em japonês e português, além de jornalista, escritor e artista plástico.
Ao término de tudo aproveitei para passar pela banquinha do Sr. Midori Aoshima, na Feira da Liberdade. Trata-se de um artesão japonês que vive no Brasil desde a primeira metade do século passado, com quem gosto de conversar e de quem possuo algumas dezenas de kokeshi.*

* Kokeshi: bonequinhos japoneses de tradição antiquíssima.   

Antonio Fabiano
São Paulo, 21 de março de 2016

segunda-feira, 14 de março de 2016

A ELOQUÊNCIA DOS PLÁTANOS

Os plátanos começam a mudar o tom da cor de suas folhas. Pressentem a chegada do outono e daqui a pouco cada uma irá cair. Onde moro há tantos que é impossível ignorar sua presença e beleza. Amo estas árvores de modo que nem sei explicar... Quando caminho entre elas sinto-me mais feliz!
Os plátanos são eloquentes. Dizem muito em seu silêncio vegetal. Quando bater neles o vento do outono, começará a dança. As ruas ficarão cobertas de tapete colorido. Os garis terão muito trabalho... Até que lhes vista a nudez e eu inaugure edredons.

Antonio Fabiano


imagem da web

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

SAPATOS AZUIS

Ganhei um par de sapatos azuis, certo dia. Na verdade, o presente foi dado a outro rapaz. Mas, como ele não conseguia imaginar em seus pés algo dessa cor, decidiu ser generoso e me presenteou.
Puxa, como há pessoas desapegadas neste mundo, você dirá!...  
Eu também não conseguia me imaginar de sapatos azuis, dificilmente escolheria tal cor em uma loja de sapatos de todas as cores. Desde que me lembro, eu sempre tive sapatos pretos. E continuo preferindo essa cor. Sou muito previsível. Todo homem é. Porém, “cavalo dado não se olha os dentes”, e o mesmo pode ser dito de sapatos, não no que toca a dentes, claro, mas no que se refere à cor.
Foi entre dúvida e curiosidade que consegui calçá-los a primeira vez. Que cor medonha para um par de sapatos! Pensei. Será que todos vão olhar para os meus pés? 
Acontece que ficou muito bom, eu gostei. Acredite se quiser: não são tão indiscretos! (toc... toc... toc...) São azuis. Bonitos e azuis. O suficiente para se pisar no céu, sem culpa ou vaidade.

 Antonio Fabiano

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

MEU QUERIDO RELÓGIO DESPERTADOR

Imagem ilustrativa encontrada na Internet

Tenho um relógio despertador que ganhei de presente de um amigo há anos Eu o trago sempre comigo à cabeceira da cama Uma vez levando-o em viagem ao Rio Grande quebraram seu vidro no aeroporto Aperto de malas ou coisa do tipo O reloginho despertador funciona muito bem apesar do que eu disse E é de estimação como coisa que a gente guarda para sempre Esta semana resolvi levá-lo a um velho relojoeiro da cidade um japonês renomado na arte de consertar as horas do que quer que seja Ao chegar à loja apresentei-lhe o despertador na fé de que eu não sairia dali sem meu companheiro de concerto de horas prontamente consertado O japonês aliás um velho conhecido olhou-me a rir e a dizer que não tinha jeito o relógio era muuuuuitooo antigo de mais de vinte anos e não havia peças para substituição Ora aquele homem com ares de sabedoria milenar me fez sentir mais velho do que o meu avô e como se eu tivesse nas mãos um fóssil de tiranossauro rex Ainda perguntou irônico Se funciona bem que mal tem Desapontado saí da loja e não me dando por vencido fui a outro relojoeiro da cidade Não é possível que não possam resolver isso aqui Na outra casa o relojoeiro desprovido de sabedoria zen sem qualquer paciência milenar e muito mais afeito ao imediatismo ocidental foi incisivo ao falar sem rodeios Joga isso no lixo e compra um novo Nem preciso dizer que ele feriu meu sentimento Deixei pra lá Meu despertador segue à cabeceira da cama com seu vidro quebrado mas trabalhando muitíssimo bem É claro que na era digital o celular faz tudo e eu não preciso do velho relógio para me acordar ou dar as horas Mas gosto que ele esteja ali com seu ininterrupto tic tac tic tac tic tac que não para nunca Essa inutilidade toda me fascina


Antonio Fabiano 
www.antoniofabiano.blogspot.com.br

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

CAMINHADA VESPERTINA

Fotografia de Antonio Fabiano

Depois de um tempo sem escrever crônicas neste blog, resolvi voltar a fazê-lo. É possível que alguém me leia, mas não é nisto que estou pensando agora. Se você quiser participar, caro (hipotético) leitor, ficarei feliz. Mas sinta-se à vontade para parar por aqui, caso não queira passar ao parágrafo seguinte. O que eu vou dizer não serve pra nada... Ou, talvez... só sirva pra nada!
Algumas vezes caminho e sinto incontrolável desejo de escrever. Será que sou peripatético ou só patético? Saio a caminhar por prazer e por necessidade, uma vez que – “oh, tão jovem!” – descobriram-me hipertenso. Olha, estou confessional já no segundo parágrafo! Perdoe-me, leitor! Isso é tão indiscreto quanto alguém com menos de cinquenta anos chamar-me, aos 36, de “oh, tão jovem!” e, com cara forçada de espanto, dizer “já hipertenso!”. As pessoas mentem de maneira muito indiscreta, quando mentem por educação ou falsa solidariedade.
Mas eu queria mesmo era falar do prazer, não da necessidade, de se caminhar. Como dizia, saio quase ao final da tarde e nestes dias de horário de verão há claridade até dentro da noite. (Ainda era primavera, quando começou o horário de verão, então pensei: soberbo é o verão!) Assim, posso contemplar o pôr-do-sol sem ter pressa de voltar a casa. A lua duela no céu com o dia, nestas horas, como nos primeiros instantes de algumas manhãs.
O que eu mais gosto é da cor que se forma no mundo, quando a tarde cai de mansinho. Uma dormência invade a terra e o coração, todos se tornam, ao menos um pouco, contemplativos.
É exatamente esta indefinição, este trânsito entre o dia e a noite, o não ser mais dia nem ainda noite, a coisa inominável que amo nos finais de tarde. Não, a palavra não é crepúsculo! Falo sério quando digo que é inominável, ao menos para mim. 
Antigamente, quando eu vivia em minha cidade de origem, a linda e pequeníssima Cerro Corá, costumava ir à praça para ver o pôr-do-sol que acontecia bem mais cedo do que aqui. Sobre o açude Eloy de Souza e as montanhas, as horas desciam sagradas.  
Nunca soube dizer se é laranja ou vermelha a cor de que se pintam os montes quando a tarde cai relutante, como namorados ao se despedirem. Também nunca soube dizer o que vai na alma quando vejo esta tela viva das esferas, tarde após tarde... (sem propósito algum e para poucos expectadores). Quanto tempo dura a tonalidade abstrusa de que se vestem as árvores e tudo o que existe, ao assumir aquele aspecto impenetrável do mistério que se mostra para se esconder ainda mais? É uma adoção e um desamparo tão grandes! Nunca poderá chamar-se tristeza ou nostalgia... Nem se assemelha à alegria, porque, diferente da alegria, essa outra dádiva é incomunicável. Mais parece um monge a rezar em estado de graça, imóvel como uma estátua, tão dentro dele mesmo que dirão: “está fora de si, o pobrezinho!... deixemo-lo em paz!”.


Antonio Fabiano
www.antoniofabiano.blogspot.com.br

sexta-feira, 27 de março de 2015

VIVA A PÁTRIA QUE NOS PARIU

O ano de 2013, certamente, ficou marcado pela eclosão das manifestações de rua em todo o país. E não demorou muito para que outra coisa se infiltrasse na massa, e boicotasse o até então incrível panorama pacífico das marchas. Estamos diante de um fenômeno complexo, ainda não totalmente assimilado; porém, de ordem mundial. Não se trata de exclusividade dos tupiniquins. 
Do mais positivo de tudo isso, aqui no Brasil, ainda não temos certeza se o “big bang” das ruas serviu, em maior grau, para alguma coisa, mesmo que entusiasmante. Algumas perguntas podem e devem ser feitas: estamos mais politizados? O gigante, “deitado em berço esplêndido”, acordou? As recentes eleições nos fazem duvidar muito de qualquer assertiva desse tipo. 
Naquela ocasião já tínhamos como fato o problema da insatisfação popular. Enorme. E, diga-se, num momento em que a economia crescia, embora pouco. A gota d’água dos vinte centavos mais caros da história deste país em 2013 foi, apenas, como eu já sugeri, a gota d’água. De lá para cá a coisa só piorou. Mais recentemente, desculpem-me o trocadilho, o risco de não sobrar nem mesmo uma gota d’água – com a crise hídrica, especialmente no sudeste do país – tem feito ir para a divina conta de São Pedro a culpa das ingerências de nossas humanas, irresponsáveis e ultraviciadas políticas administrativas. 
Os escândalos que pululam no Brasil, como jamais vistos tão às claras – se ligarem a TV, agora mesmo, estarão falando disso nos noticiários! – e o circo armado na política, onde nós é que somos os palhaços e pagamos a conta dos descalabros, são só alguns dos motivos para que as ruas se tornem, novamente, panelaço em ebulição. Ai, panelaço, este mais recente e já recorrente fenômeno!...
A corrupção generalizada é coisa que anda com as próprias pernas por aqui. Até se personifica de vez em quando, e é tão arraigada na história deste país que nem sabemos por onde começar se quisermos combatê-la. O que não podemos admitir é a sua institucionalização! Essa novidade, não.
Sentimos descrédito massivo em relação a nossos políticos. Alguém aí se sente representado por eles? Em última instância caberiam ainda estas perguntas, se não pessimistas ao menos admissíveis: há política séria no Brasil? Nossos políticos são políticos, visto que sérios não são em grande parte? O que é política? E o que o brasileiro entendo por esse termo? 
No Brasil, os poderes estão em descompasso, é o que se pode ver. Se se movem por interesses próprios, não podem representar as massas – como de fato não as representam. E corremos o risco de nos tornar cada vez mais reféns desse espetáculo tosco. Não é brincadeira enfrentar uma crise política, agora, quando tudo parecia ir tão bem! Parecia? 
No passado quinze de março vimos outra vez o acontecimento das ruas. Incomparavelmente maior e mais organizado, um grito contra a corrupção e este descompassado início de segundo mandato da presidente da República. Não há sinais claros de que os que estão em Brasília entenderam ou quiseram entender alguma coisa, a partir do grito dos que em todo o Brasil marcharam e levantaram seus cartazes de indignação. Como isso tudo vai acabar, ainda não sabemos. Este país não é para principiantes, como alguém já disse. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.

Antonio Fabiano
seridoano@gmail.com

quinta-feira, 12 de julho de 2012

JULHO EM CHAMAS

Aos 33 devo estar pronto para morrer crucificado. Ou queimar poemas. Por isso, depois do meu aniversário deste ano, tomei a resolução de acertar as contas de vez com o meu passado, ao menos com o meu passado de poeta. Revisitei pastas antigas de poesia... E eram muitas, porque eu escrevia compulsivamente em fins dos anos noventa e virada do milênio. Agora estou antigo lá, jovem e imaturo lá, transformado para sempre em cinzas. Poemas revisitados causam estranhamento algumas vezes. No meu caso, escrevê-los foi um exercício salutar, mas felizmente nunca os publiquei e, embora muitos os lessem, eu não os dava a ninguém, salvo raríssimas exceções. Minha mania de escrever livros inteiros em um só dia ou em uma só noite, acabou. Não é coisa de gente séria escrever tanto assim! Neste início de julho lembrei-me do amigo Wilson Azevedo, para mim “Zé”, intelectual e crítico literário que se admirava da produção prolífica do “Anto”, e perguntava irônico se eu psicografava. Ele viu, tantas vezes, nascer livro após livro, da verde pena do poetinha. Aos 33 entendi que nem tudo que se escreve presta ou deve ser guardado. Alguma coisa deve ser guardada, por algum tempo. Mas não tudo, nem para sempre. O poeta não pode se levar muito a sério – eu não me levo! – mas poesia é coisa séria, quero dizer, reclama responsabilidades. Desgostei gravemente do que escrevi antigo, quando jovem e imaturo lá. Grato por ter escrito, mais grato ainda por não ter publicado, e grato ainda por poder dar cabo disso tudo agora de uma vez por todas. Resolvi, então, queimar meus livros inéditos. Mais uma vitória sobre mim mesmo, sobre o meu gênio e teimosia de levar adiante o que não tem remédio. Passei noite inteira abrindo pastas, resoluto, separando papeis... Ó feliz semana!... Crescente alívio e euforia de estar devolvendo ao nada aqueles versos de outrora...  De manhã tive vontade de espalhar os papeis sobre a grama verdinha do claustro. Certamente cobririam tudo! Eram muitos, mais do que eu podia carregar sozinho! Faria uma bela foto de recordação. Mas isso ia, indevidamente, atrair a atenção dos irmãos e há entre nós o chamado “decoro carmelitano”... Seria extravagante demais! Melhor nem tentar!... Então levei todas as peças para um lugar do quintal, e a quantidade de papeis era tamanha que assombrou os irmãos que trabalhavam àquela hora. Um deles me ajudou a espalhar tudo, de maneira que se ateasse fogo rapidamente, quando eu riscasse o fósforo. Outro irmão lamentou que eu queimasse tal registro, deveria ter pra mim ao menos algum valor sentimental. Ando pouco sentimental, ultimamente. Outro frade caçoou de mim e se pôs a inventar nomes de mulheres que, enquanto ria, fingia ler nos papeis, como se dissesse que eu almejava queimar antigos amores para me tornar santo de vez! Bobagem. Em minutos era já imenso o fogo, julho todo em chamas de uma quase meia vida inteira!... Agora é um alívio enorme não ter mais aqueles versos e poder começar do zero... Quase do zero, pra ser sincero! Os maiores poetas do meu país levam décadas para publicar livros fininhos de poemas bons. Era imoral escrever tanto assim! Mas foi bom ter escrito. Não julgo a poesia que virou fuligem, nem julgo a mim mesmo que a escrevi e a queimei. Existiu para o tempo que existiu e basta! Há muitos anos eu me escandalizei de uma amiga poetisa que ficou com raiva de um amor e rasgou todos os seus versos. Eu não fiquei com raiva de nada, mas posso finalmente entendê-la. Rasgar ou queimar poemas é tão libertador! Estou muito contente! Não destruiria estes versos se estivesse convencido de que eram realmente bons... Anotarei abaixo alguns dados dos livros, porque prometi a Cláudia que o faria, e queria também guardar esta lembrança que já não ameaça a reputação do poeta atual. O inventário de bens inúteis e perdidos para sempre é o que se segue, nesta lista de títulos já conhecidos de alguns amigos que leram os livros e que pateticamente guardarão só a lembrança do que não existe mais. Os poemas que estavam em arquivo digital também foram deletados, se alguém por acaso quer saber. E que ninguém lamente nada. Eu não lamento. Aos 33 estou pronto para morrer crucificado. Ou queimar poemas...  

Segue-se o cemiteriozinho de poemas... 
Precedidas de cruzes estão as obras incineradas. E, de asteriscos, as poucas que foram conservadas. De cruzes e asteriscos somente as que foram parcialmente conservadas.

+ Uma coleção de 106 poemas, dos quais salvei apenas um, bem remoto, pelo simples fato de que uma vez ao lê-los mamãe gostou mais dele (“O beija-flor”).
+ Uma coleção de 118 poemas, igualmente avulsos e de minha primeira produção.
+ Primeiros Sonetos – 48 peças, das quais salvei apenas duas de 1999 (“Encanto” e “Mudei-me para as alturas!”).
+* Cancioneiro da Terra – salvo parcialmente. Este seria o meu primeiro livro de poesia, a ser editado em Natal, em fins dos anos 90 ou início dos anos 2000. Felizmente morreu no prelo. Quero reescrevê-lo. Por isso foram salvas algumas peças.
+* Versos de Arribação – salvo parcialmente. Todos escritos em 09 de junho de 2000.
+ Livro do Canto Real – sob a homônima forma fixa de origem francesa, experimentais de 1999. Salvei quatro peças, uma das quais se tornara bastante conhecida e celebrada naquela ocasião...
+ Ósculo – um livro de sonetos, mais de 60, que escrevi e reescrevi algumas vezes, dedicado a Florbela Espanca. Versos muito experimentais e ruins, poemas sentimentais e verborrágicos, dos quais salvei duas ou três peças, menos piores, para refundição. Versos decassílabos, predominantemente heroicos...  
+ Auto da Ventura – 31 poemas de 1999. Era um livro em que os poemas disputavam entre si, alternadamente. Um heterônimo meu em formas fixas, outro totalmente livre. Ambos se contaminavam e se fundiam ao final do livro, que terminava com uma página em branco.
+ O Livro do Riso – 22 poemas. Todos escritos na manhã de 08 de julho de 1999. Este livro era dedicado aos meus irmãos.
* O Livro das Visões – este eu o salvei integralmente. São 42 poemas “concretos”, por assim dizer, de julho de 1999.
+ Alvorada – 32 poemas escritos em Currais Novos, em 03 de fevereiro de 1999.
+ Ele – 28 poemas de caráter sebastianista, escritos em 2000.
+ Livro de Eus (I) – 23 poemas egocêntricos de 05 de setembro de 1999. Tinha por epígrafe isto que escrevi: “Sou meu porto, meu mar, navio e âncora...” Por aí se pode deduzir o desastre do livro, não obstante os apontamentos de Elizabeth, que guardei, vendo coisa boa nos dois livros.
+ Livro de Eus (II) – 18 poemas de igual feição, datados de 09 de setembro de 1999.
+ Livro de Eus (III) – seus poemas foram dispersos antes deste julho, quando me cansei do projeto.
+ O Livro da Insônia – 21 poemas escritos em 06 de setembro de 1999, dos quais salvei apenas um dedicado ao meu amigo Theo.
+ In Di Gentes – 28 poemas de um curioso livro escrito entre os dias 02 e 03 de outubro de 1999. A voz poética era a de um mendigo, e coincidência ou não, na noite em que eu encerrava o projeto havia um pedinte dormindo em minha porta. Guardei apenas os apontamentos de Elizabeth.
+ Livro das Sinfonias – 26 poemas de 1999 e 2000, dos quais salvei apenas um poema de um verso de 26-02-2000, além de um desenho feito para o livro, do ilustre artista plástico Assis Costa.
+ Folhas Soltas – 13 poemas de 1999, absolutamente desnecessários.
+ Aos olhos da manhã – 17 poemas matutinos, de 1999.
+ Lume Azul – 34 poemas escritos em 12 de outubro de 1999.
+ Aqui Viagem – 24 poemas de 1999. Expressava uma ideia de movimento, sob a perspectiva de alguém parado dentro do móvel.
+ O Céptico – 28 poemas do ano 2000. Era um livro muito contrário a tudo em que eu acredito. Escrevi da perspectiva dos meus amigos intelectuais, daquele tempo, que se diziam ateus.
+ Ópio – 35 poemas do ano 2000. Era um livro ridículo que começava sóbrio e terminava bêbado.
+ Livro das Variações – 32 poemas escritos na noite de 26 de maio de 2000.
+ Livro do Amor Passageiro – 28 poemas escritos em 05 de junho de 2000.
+ Livro do Outro Amor – destruído antes deste fatídico julho.
+ O Penedo Místico – 22 poemas do ano 2000, dos quais salvei apenas um.
+ O Tempo e o Verso – 26 poemas escritos em 15 de junho de 2000.
+ Pluviais – 20 poemas. Era um livro que eu gostava e que tinha como epígrafe a estrofe de um poema do meu amigo Theo.
+* Livro de Haicais – salvei algumas estações dos diminutos poemas de inspiração japonesa, foram preservados cerca de 50.
+ A Cor Original – destruído antes deste fatídico julho.
+ Piadas e Plágios Originais – cerca de 15 poemas sem graça, mas que se pretendiam de “humor”, onde figuravam versos ridículos como estes que satirizavam outros poetas, especialmente do Romantismo brasileiro: “Se eu morresse amanhã... / Ai, se eu morresse amanhã...  / A véspera da minha morte seria hoje!”; ou se contava a história de um homem fortão que morrera engasgado com um pedaço de maçã do amor etc.
+ Uma coleção de Elegias – dos quais se salvaram um ou dois poemas de valor sentimental.
+ Antropoesia – 24 poemas de novembro de 2000.
+ Estelares – 12 poemas de 2000. Não abandonei a temática, reincidente na poesia atual, como se pode ver...
+ Hora do Silêncio – 32 poemas de 2001. Poemas de verdadeira estagnação literária.
+ Gitano – 10 poemas de 2000 a 2002. Dois ou três foram reescritos e assim salvos.
+ Lapsos Lapsos Lapsos – 19 péssimos poemas de 1999 e 2000.
+ Inspiração – 16 poemas (pouco inspirados) de 1999 e 2000.
+ Repúdio – 8 poemas amargos e reprováveis.
+ (Poesia Finissecular) – Não sei qual devia ser o título, tratava-se de uma coleção de 14 poemas escritos no último dia do milênio, entre as 14:47h e 23:37h de 31 de dezembro de 2000. Fetiche de uma mente desocupada...
+ Pele Vermelha – 15 péssimos poemas de 2002.
+ Foram queimadas ainda 187 peças avulsas, poemas com datas diversas.
+ Foram incineradas mais sete coleções sem títulos, com os respectivos números de poemas: 21, 21, 14, 17, 28, 18 e 16.
+ Encontro-me de Dois com Pessoa (para Fernando Pessoa, eles mesmos...) – um extenso poema verborrágico de 18 páginas.
+ Algumas dezenas de poemas escritos em inglês e outras línguas. Salvou-se em áudio “Hermosa China”, um poema que celebrava o retorno de Hong Kong ao seio da pátria chinesa em 1º de julho de 1998 (data do poema) e que foi divulgado em várias emissões da Rádio Internacional da China (Pequim) nos dias 03 e 06 de agosto de 1998. Guardei ainda outro poema, em espanhol, que me tocou profundamente ao relê-lo, intitulado “Ancha Pelea” de 26 de março de 2001.
* Poupei com certa ressalva um livro-diário, escrito em língua inglesa e bilinguado em português (prosa poética), datado de maio de 2000.
* Salvei com algumas restrições o longo poema “Nos corredores de uma alma” de 03 de junho de 1999. Originalmente era um conto e talvez deva voltar à sua primeira forma.
* Salvei “Todos os Relógios do Mundo (Linguagem das Horas)”, um longo poema, de forma pouco usual na minha escrita, datado da noite ou madrugada de 17 de setembro de 1999.
* Foram preservados uns poucos versos que eventualmente migrarão para livro do futuro ou terão o mesmo fim dos outros.



segunda-feira, 16 de abril de 2012

COLARES

Quando disse aos meus amigos que estive na floresta amazônica, às voltas com uma sucuri, ninguém quis acreditar. Tudo bem, destas mansinhas, de estimação, com índio de lado e tudo mais, pra garantir o absoluto controle da situação. Parece estória de pescador, mas é verdade! E se alguém estava borrando as calças, era o fotógrafo. Pobrezinho! Você teria coragem? Eu mesmo ria daquela situação bizarra. Bicho preguiça apareceu, macaco, quase jacaré... Ah, vitória-régia: o que existe mais lindo e verde de se ver! O som da floresta é coisa inesquecível... Depois o barco por entre as águas, caminho, igarapé. Eu, que no passado estudei tupi antigo, estava agora a deleitar-me com as reminiscências da boa língua, nheengatu, ali presente de tantas vivas formas. Línguas tantas e nações! Sim, a fala do povo é bonita, há uma superabundância de palavras que não se entenderá em nenhuma outra parte do país ou do mundo, estando-se fora da alma do povo. Come-se muito bem, peixes infinitos, uma ladainha-cardume do que não decorei para dizer depois em restaurante. Degustei que é tudo, nesta taba mundo! Colares em volta ao meu ornamental pescoço: corubo, apurinã...

Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 16 de abril de 2012.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com
-----------------------------------
Ver pra crer...


Arquivo pessoal.
Abril de 2012.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

ONÍRICO

E houve uma grande luz, para a consecução de meu jeito abstrato de ser.
Pairava sobre as águas do rio Amazonas o Espírito de Deus e o meu próprio espírito.
Índios cantavam em línguas ancestrais e dançavam ao redor do fogo novo.
Era Páscoa.
Em volta ao meu pescoço a arte dos filhos da floresta e fragmentos de um sonho amazônico.

Antonio Fabiano
Amazonas, 9 de abril de 2012.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com

segunda-feira, 2 de abril de 2012

VITÓRIA-RÉGIA

O que às vezes parece o fim é o começo. E há na vida começo tão esplêndido que mais parece fim, se por fim entendemos a perfeição acabada, esta que nos é possível entender e acabar.
A mãe de todos os deuses, na língua e crença dos índios, de coração aberto acolheu-me.
(Uma cidade aconteceu bem no meio da floresta e é linda, com suas águas indecisas e encontro).
Estarei sonhando?
Eu vi a vitória-régia e me rendi ao supremo.

Antonio Fabiano
Manaus, 2 de abril de 2012.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com

segunda-feira, 26 de março de 2012

ECONOMIA

Pus-me a estar econômico de palavras, para ver de quais outros pães vive o homem. Já, já volto!

Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 26 de março de 2012.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com

segunda-feira, 19 de março de 2012

OLHOS DE FITZCARRALDO

A vida às vezes pode ser tão louca quanto um filme de Werner Herzog com Klaus Kinski alucinado e um navio montanha acima...

Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 19 de março de 2012.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com

segunda-feira, 12 de março de 2012

A PALAVRA DESEJADA

Se faltar a palavra, que a palavra desejada, em seu sentido mais completo, possa e queira se dizer, diga-se por si mesma e que isso baste! A beleza não está num tal verbal acordo ou amontoado do que se dizer pudera, se pudesse, nem no muito que se fica por dizer, quando por tudo faz-se menos que balela. Beleza é sutileza, a do que fica dito, quando de repente e às vezes lâmina.

Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 12 de março de 2012.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com