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terça-feira, 25 de julho de 2023

CHANOYU - CERIMÔNIA DO CHÁ: A PAZ COMO UM RIO...


arquivo pessoal

Quando eu visitei pela primeira vez a Sala de Chá Hakuei-an,[1] fiz isso no intuito de experimentar mais de perto a Cerimônia do Chá. Eu já era padre católico e também haijin.[2] Eu conhecia a Cerimônia do Chá de leituras superficiais e desejava, com aquela experiência, entender melhor a essência de wabi-sabi para aperfeiçoar meu espírito no Caminho do Haiku. Eu já seguia o Caminho do Haiku há cerca de duas décadas, mas ser chajin[3] não estava em meus planos e eu achava que aquela seria uma vivência pontual.

Quando em certa manhã cruzei pela primeira vez o caminho de pedras que dá acesso à Sala de Chá, eu estava tímido e não sabia como me portar. As senhoras japonesas da recepção me receberam muito gentilmente. Para ingressar no dojô, lugar do treino, eu devia tirar as sandálias dos pés. Tal ato possui um poder simbólico muito especial para mim.[4] Lembrei-me também de um acontecimento da Bíblia... Quando Deus aparece a Moisés, na sarça ardente, Ele diz: “Tira as sandálias dos teus pés, porque o lugar onde estás é santo” (Êxodo 3,5). Esse sentimento de respeito e reverência é o que tenho desde sempre ao pisar no tatame, todas as vezes que entro na Sala de Chá. Também a purificação na pia de água e a pequena porta de entrada me pareceram familiares e teologicamente profundas.[5]

Mas foi quando o mestre Sôichi Hayashi iniciou a apresentação dos primeiros movimentos do aprendizado, que identifiquei imediatamente neles coisas muito íntimas da Missa que celebro todos os dias como sacerdote.[6] Jamais saberei descrever o impacto que aquela impressão me causou na alma e a maneira como, daquele dia em diante, minha vida estaria para sempre ligada ao Caminho do Chá. Naquela manhã meu coração foi profundamente tocado pelo espírito de Chanoyu. Eu passei a frequentar todas as aulas, sem nunca faltar, e avancei no Caminho.

Um dia, em tom de brincadeira, eu disse a um amigo leigo que ele era excêntrico em determinada coisa. Sua resposta jocosa foi surpreendente e desconcertante para mim: “excêntrico é você, um tolo, que precisa gastar anos da vida para aprender a tomar chá”. Na ocasião, não me dei conta, mas talvez eu estivesse diante de uma pessoa verdadeiramente iluminada, para quem o ato de tomar chá fosse tão óbvio, natural e simples, que não exigisse anos de duros treinos para, enfim, fazê-lo de modo satisfatório. Sen Rikyû (1522-1591), mestre supremo da Cerimônia do Chá, ensinou que o Caminho do Chá é apenas isto: “esquentar a água, preparar o chá e beber”. É isso que as pessoas do Chá almejam. Mas tal coisa, revestida de aparente singeleza, não é vulgar e não se conquista sem antes tirar do coração toda a “poeira do mundo”, aquilo que nos impede de ser puros e livres.

A Cerimônia do Chá é praticada por pessoas comuns, profissionais de todas as áreas e diversos credos. Ela desperta a consciência de que somos todos irmãos e que o mundo, de fato, é nossa “casa comum”, a lembrar essa expressão querida do Papa Francisco chamando-nos a uma maior tomada de consciência e comprometimento ecológico. Não há fronteiras nem muros de separação para aqueles que trilham o Caminho do Chá, porque bebemos todos da mesma taça e partilhamos a mesma sorte e humilde alegria. Esse é o espírito do Chá... 

Daisôshô Sen Genshitsu,[7] homem admirável que tem dedicado sua vida a levar a paz a todo o mundo através de uma tigela de chá, que em 2023 celebrou seu 100º aniversário, em plena atividade, lucidez e no vigor de suas forças, ensina-nos que, quando seguramos em nossas mãos o chá cerimonial, podemos entrar em comunhão com toda a natureza e com todos os seres humanos; ver na cor do chá a beleza das montanhas, a pureza das águas, a mudança das estações, o mistério da vida. Essa experiência, vivida em total simplicidade, silêncio e despojamento, faz-nos provar a beatitude de um momento único, algo que jamais se repetirá. É uma paz que brota do mais íntimo de nós e que jorra do fundo de nossas almas para toda a vida. Essa paz é como um rio de primavera. Eu não sou capaz de descrevê-la, mas quem a experimentou sabe do que estou falando.

O Caminho está onde estão nossos pés, quando o encontramos de verdade. Sinto que jamais poderei abandoná-lo. Não importa quão longe eu esteja de tornar-me um chajin minimamente digno desse nome, na busca de autodomínio e serenidade, é suficientemente gratificante estar na trilha, orientando os meus pensamentos, movimentos interiores e exteriores, meu próprio corpo e toda a vida para o Chá, para a harmonia, respeito, pureza e tranquilidade.

 

arquivo pessoal


BIBLIOGRAFIA

Natureza: inspiração na arte: Breve Guia da Cultura Japonesa / Antonio Fabiano ... [et al.]; coordenado por André Kondo. - Jundiaí: Telucazu Edições; São Paulo: Associação Cultural e Literária Nikkei Bungaku do Brasil, 2023, p. 21-24. 


NOTAS:

[1] Hakuei-an: nome da mais importante sala de chá do Brasil. É a sede brasileira da Urasenke, tradicional escola de chá do Japão.

[2] Haijin: homem que devota sua vida à poesia haicai, que trilha o Caminho do Haiku.

[3] Chajin: homem do chá, que dedica sua vida ao Caminho do Chá.

[4] O autor é carmelita descalço, pertence à Ordem do Carmelo Descalço, de tradição venerável e antiquíssima da Igreja Católica, cujas origens remontam ao século XII.

[5] Jesus, referindo-se à vida e ao mistério da salvação, disse: “Entrai pela porta estreita” (Mt 7,13-14) e “Eu sou a porta” (Jo 10,9). É preciso abaixar-se e olhar para os próprios pés, quando se entra pela pequena porta – nijiriguchi – de uma sala de chá. Além de um convite à humildade, isso obrigava, por exemplo, os samurais a depor e deixar fora suas armas. Sen Rikyû enfatizava que em uma sala de chá todos são iguais, não havendo distinção de classe. A menção à pia de água – tsukubai – deve-se ao fato de que também nas entradas das igrejas católicas é comum uma pia para a purificação com água benta, além da pia batismal. 

[6] De fato, séculos atrás, Sen Rikyû introduziu na Cerimônia do Chá, por influência do cristianismo então presente no Japão, alguns aspectos da Missa. Foi isso que o autor deste artigo, mesmo sem saber, vislumbrou.

[7] XV Grão-Mestre da Urasenke, emérito. 

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terça-feira, 11 de janeiro de 2022

SHÔGO CHAJI - CHAJI DO MEIO-DIA (CERIMÔNIA DO CHÁ FORMAL)

IMPRESSÕES DO CONVIDADO PRINCIPAL – SHÔKYAKU

ANTONIO FABIANO DA SILVA SANTOS


Sob aquela luz difusa das tardes que vão mudando de cor – à medida que o inverno caminha para o fim – recebi o convite para o Chaji. Nosso anfitrião, o Ilmo. Sr. Valderson Sôchi, versado no Caminho do Chá e no Caminho das Flores, escreveu com seu coração que gostaria de nos servir chá e que, com simplicidade, o faria em um Chaji de esperança. Esse encontro foi verdadeira celebração de esperança, pelo tempo difícil que estamos acabando de atravessar. * 

Quando parti de Belo Horizonte para São Paulo, sabia que seriam muitas horas de viagem. Mas era imensa a minha alegria de voltar a Hakuei-an e poder rever, depois de tanto tempo, amigos e mestres queridos. No caminho, enviei ao anfitrião minha resposta de aceitação do convite e confirmação da presença em dia e hora por ele assinalados:


Eis que já são flores

os ipês da rodovia —

Vou a teu Chaji!


De fato, a natureza do Brasil antecipara-se ao equinócio e já proclamava com vigor a chegada da primavera em todos os cantos.

O Chaji aconteceu como um rio fluindo sobre um leito arenoso. Havia muita comunhão entre os corações. Em muitos momentos as palavras tornaram-se absolutamente dispensáveis. Fez-me lembrar o que está escrito em um dos livros sagrados, sobre a comunhão dos veneráveis primeiros cristãos: “um só coração e uma só alma”. **

Cada utensílio, carregado de sentimentos e histórias pessoais, trouxe para dentro da sala de chá e para nossas almas o verdadeiro significado da consideração máxima que deve haver entre as pessoas do Chadô. A comida do mar e da montanha, expressão da bondade divina e do trabalho humano, os belos doces, a deliciosa tigela de chá, as flores arranjadas com destreza pelo anfitrião, o perfume do incenso, tudo manifestava, de modo inefável, harmonia, respeito, pureza e tranquilidade.     

Eu senti muita alegria em participar dessa Cerimônia do Chá com a Sra. Norma Pires (jikyaku) e a Sra. Mizumoto Sôho (tsume). Senti muita gratidão pelo cuidado do Ilmo. Sr. Valderson Sôchi (teishu) e da Sra. Carmen Sôka (hantô), e pela assistência carinhosa e eficiente dos queridos professores Sôkei Hayashi e Sôen Hayashi. Eu agradeço – com reverência – a condução do mestre Sôichi Hayashi. Sua presença tranquilizadora e discreta, a garantir o bom êxito do Chaji, é verdadeiramente admirável.


* Refere-se às muitas perdas e aos sofrimentos ocasionados pela pandemia. Refere-se também à realidade do período em que, pelo mesmo motivo, as escolas de Chadô em todo o mundo foram fechadas e os chajins não podiam se encontrar.

** Essa citação é do século I e está na Bíblia Sagrada, no livro dos Atos dos Apóstolos 4,32.


*


正客 (アントニオ・ファビアノ・ダ.シルバー・サントス )の感想


この度の茶事へのご招待をお受けしたのは、冬の終わりを感じ取れられる夕方の拡散した光が現れていたころ。

茶道、華道を歩んでこられた亭主ヴァーデルソン・宗智先生は、「希望の茶事」と題した会に心からお招きしたいとお書きくださった。この困難な時期の最中、実に希望へ向かう会でもあった。*(*コロナパンデミックの最中、幾つもの苦しみや死、また、同じ理由で世界各国で茶道会の活動が停止され、茶人の集まる機会が失われていたこと。)

ベロ・オリゾンテ市から何時間もかかるサンパウロ市へ向かい、もう一度『伯栄庵』へ訪れることができ、先生方、友人などに久々に会えると思うと心がこもってきて、大きな幸せを感じた。途中、ご招待をお受けする確認を次のように返信した:


イペの花

早くも咲いている_

高速通りで

共に茶事へと向かう!


ブラジルの季節は実に春分を待ちきれず、すべての隅々まで春を告げていた。

茶事は砂の川床の水流のように感じ、参加者全員の間に心が一体化して流れる。言葉を必要とする時間は極めて少ない。最初のキリシタンの聖体拝領の場面が書かれている聖書の次の言葉を思い出した:「心も思いも一つにし」** 聖書―使徒言行録4・32(紀元一世紀)

亭主の所作、心や道具には、茶道の道を歩む人々がすべての人にあるべき最高の敬意が示されており、茶室の我々の魂の中へ大いなる意味を与えてくれた。

人類の行いと神の善意を示す山と海の幸のお食事、美味しいお菓子とお茶そのもの、亭主自身が生けた見事な生け花, お香の香り、ここすべては言葉にできないほどの調和、尊敬、純粋さ、さらに静けさを感じ取られた。

次客のノルマ・ピーレスさん、詰の水本・宗法先生と共に今回の茶事に参加できたことはとてもうれしかった。亭主ヴァーデルソン・宗智先生及び半東のカルメン・宗歌 先生の行き届いた配慮、林・宗慶先生、林・宗円先生の心のこもったサポートに深い感謝を感じた。尊敬の気持ちを込めて林・宗一先生のご指導に感謝いたします。先生の存在そのものは控えめでありながら安心感を与え、奥深いご臨席でした。


Publicado originalmente em: 

Centro de Chado Urasenke do Brasil

Nichi Nichi Kore Kôjitsu – Chaji

Shôgo Chaji de 06 de setembro de 2021


sábado, 30 de outubro de 2021

Flor de Ipê

Nichi Nichi Kore Kôjitsu
Antonio Fabiano da Silva Santos

No começo deste ano [2020], quando me mudei de São Paulo para Belo Horizonte, senti muita falta das práticas de chá semanais na Hakuei-an. Eu percebi que devo me esforçar mais, a partir de agora, para viver como um chajin. Logo em seguida começou a pandemia e veio a difícil realidade que enfrentamos até este momento. Porém, nas coisas mais simples do cotidiano, descobrimos a sabedoria do Caminho do Chá. E é na dificuldade que se revela, com mais brilho, a virtude de quem segue esse caminho. Durante estes meses, a palavra de nosso Oiemoto – através das mensagens dirigidas aos membros da Urasenke de todo o mundo, enquanto as escolas estão fechadas por causa da pandemia – fortaleceu meu coração e deu muita força ao meu espírito. Eu o senti muito próximo. E senti muita gratidão por isso!

Aqui, onde moro, criei meu próprio espaço de chá, minha “cabana” improvisada, para treinar sozinho e muitas vezes apreciar uma tigela de chá lembrando-me dos amigos. Nos últimos meses tenho lido muitos livros de chá e aprofundado o conhecimento teórico. Fico muitas vezes recordando os ensinamentos dos mestres, as coisas que desde o início me ensinaram. Com frequência faço na mente os otemae. Parece que o mundo vai se tornando para mim uma grande sala de chá, e ao longo de todo o dia os meus movimentos e pensamentos ficam voltados para isso.


Queda silenciosa –

As flores do velho ipê

sobre a cabana.







イペーの花
随想『日々是好日』
アントニオ・ファビアーノ・ダ・シルヴァ・サントス

今年の初め、サンパウロからベロオリゾンてテに引越しした時、私は伯栄庵での毎週のお茶のお稽古を逃してしまい、大変残念に思いました。茶人として生きる為には、これからもっと一生懸命頑張らなければならない事に気付かされました。
その後間もなく、コロナウイルス・パンデミクに直面する困難な現実が到来しましたが、最も単純な日常茶飯事の中に、私達は茶道に秘められたる知恵を見出します。そして、この難局においてさえも、我々はより一層、輝しく(元気で、積極的に)お茶の道を進んでいきたいと思います。
この数ヶ月の間の世界各地の裏千家メンバーに宛てたお家元のお言葉を拝聴することで、私の心・意識は多くの力を与えられ、またお家元が身近にいらっしゃるように感じ、大変ありがたく思いました。
私の住むこの場所に、お茶を楽しめる簡素な「庵いおり」を作り、一人でお稽古をし、友達を想い浮かべながらお茶を楽しむ事が良くあります。
この隔離生活の間、お茶に関する多くの本を読み、理論的な知識も深めています。
先生方の初歩の教えを良く思い出しています。
私は良く頭の中でお点前をします。そうすると、あたかも世界全体が一つの大きな茶室に変化したように感じられ、お点前後も私の動作や考えは、一日中その世界に沈潜しています。

学舎ゆ    見上げる古木    花イペー

風に舞うかに   降りそそぐかに

(訳詩   武田宗知)



Publicação original em português e japonês:
Centro de Chadô Urasenke do Brasil 
Setembro de 2020