segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
terça-feira, 25 de julho de 2023
CHANOYU - CERIMÔNIA DO CHÁ: A PAZ COMO UM RIO...
Quando eu visitei pela primeira vez a Sala de Chá Hakuei-an,[1]
fiz isso no intuito de experimentar mais de perto a Cerimônia do Chá. Eu já era
padre católico e também haijin.[2]
Eu conhecia a Cerimônia do Chá de leituras superficiais e desejava, com aquela
experiência, entender melhor a essência de wabi-sabi
para aperfeiçoar meu espírito no Caminho do Haiku. Eu já seguia o Caminho do Haiku
há cerca de duas décadas, mas ser chajin[3]
não estava em meus planos e eu achava que aquela seria uma vivência pontual.
Quando em certa manhã cruzei pela primeira vez o caminho de
pedras que dá acesso à Sala de Chá, eu estava tímido e não sabia como me
portar. As senhoras japonesas da recepção me receberam muito gentilmente. Para
ingressar no dojô, lugar do treino, eu devia tirar as sandálias dos pés. Tal
ato possui um poder simbólico muito especial para mim.[4]
Lembrei-me também de um acontecimento da Bíblia... Quando Deus aparece a Moisés,
na sarça ardente, Ele diz: “Tira as sandálias dos teus pés, porque o lugar onde
estás é santo” (Êxodo 3,5). Esse sentimento de respeito e reverência é o que
tenho desde sempre ao pisar no tatame, todas as vezes que entro na Sala de Chá.
Também a purificação na pia de água e a pequena porta de entrada me pareceram familiares
e teologicamente profundas.[5]
Mas foi quando o mestre Sôichi Hayashi iniciou a apresentação
dos primeiros movimentos do aprendizado, que identifiquei imediatamente neles
coisas muito íntimas da Missa que celebro todos os dias como sacerdote.[6]
Jamais saberei descrever o impacto que aquela impressão me causou na alma e a
maneira como, daquele dia em diante, minha vida estaria para sempre ligada ao
Caminho do Chá. Naquela manhã meu coração foi profundamente tocado pelo
espírito de Chanoyu. Eu passei a frequentar todas as aulas, sem nunca faltar, e
avancei no Caminho.
Um dia, em tom de brincadeira, eu disse a um amigo leigo que
ele era excêntrico em determinada coisa. Sua resposta jocosa foi surpreendente
e desconcertante para mim: “excêntrico é você, um tolo, que precisa gastar anos
da vida para aprender a tomar chá”. Na ocasião, não me dei conta, mas talvez eu
estivesse diante de uma pessoa verdadeiramente iluminada, para quem o ato de
tomar chá fosse tão óbvio, natural e simples, que não exigisse anos de duros treinos
para, enfim, fazê-lo de modo satisfatório. Sen Rikyû (1522-1591), mestre
supremo da Cerimônia do Chá, ensinou que o Caminho do Chá é apenas isto:
“esquentar a água, preparar o chá e beber”. É isso que as pessoas do Chá almejam.
Mas tal coisa, revestida de aparente singeleza, não é vulgar e não se conquista
sem antes tirar do coração toda a “poeira do mundo”, aquilo que nos impede de
ser puros e livres.
A Cerimônia do Chá é praticada por pessoas comuns,
profissionais de todas as áreas e diversos credos. Ela desperta a consciência
de que somos todos irmãos e que o mundo, de fato, é nossa “casa comum”, a
lembrar essa expressão querida do Papa Francisco chamando-nos a uma maior
tomada de consciência e comprometimento ecológico. Não há fronteiras nem muros
de separação para aqueles que trilham o Caminho do Chá, porque bebemos todos da
mesma taça e partilhamos a mesma sorte e humilde alegria. Esse é o espírito do
Chá...
Daisôshô Sen Genshitsu,[7]
homem admirável que tem dedicado sua vida a levar a paz a todo o mundo através
de uma tigela de chá, que em 2023 celebrou seu 100º aniversário, em plena
atividade, lucidez e no vigor de suas forças, ensina-nos que, quando seguramos
em nossas mãos o chá cerimonial, podemos entrar em comunhão com toda a natureza
e com todos os seres humanos; ver na cor do chá a beleza das montanhas, a
pureza das águas, a mudança das estações, o mistério da vida. Essa experiência,
vivida em total simplicidade, silêncio e despojamento, faz-nos provar a
beatitude de um momento único, algo que jamais se repetirá. É uma paz que brota
do mais íntimo de nós e que jorra do fundo de nossas almas para toda a vida.
Essa paz é como um rio de primavera. Eu não sou capaz de descrevê-la, mas quem
a experimentou sabe do que estou falando.
O Caminho está onde estão nossos pés, quando o encontramos de
verdade. Sinto que jamais poderei abandoná-lo. Não importa quão longe eu esteja
de tornar-me um chajin minimamente digno desse nome, na busca de autodomínio e serenidade,
é suficientemente gratificante estar na trilha, orientando os meus pensamentos,
movimentos interiores e exteriores, meu próprio corpo e toda a vida para o Chá,
para a harmonia, respeito, pureza e tranquilidade.
BIBLIOGRAFIA
Natureza: inspiração na arte: Breve Guia da Cultura Japonesa / Antonio Fabiano ... [et al.]; coordenado por André Kondo. - Jundiaí: Telucazu Edições; São Paulo: Associação Cultural e Literária Nikkei Bungaku do Brasil, 2023, p. 21-24.
[1]
Hakuei-an: nome da mais importante sala de chá do Brasil. É a sede brasileira da
Urasenke, tradicional escola de chá do Japão.
[2]
Haijin: homem que devota sua vida à poesia haicai, que trilha o Caminho do
Haiku.
[3]
Chajin: homem do chá, que dedica sua vida ao Caminho do Chá.
[4]
O autor é carmelita descalço, pertence à Ordem do Carmelo Descalço, de tradição
venerável e antiquíssima da Igreja Católica, cujas origens remontam ao século
XII.
[5]
Jesus, referindo-se à vida e ao mistério da salvação, disse: “Entrai pela porta
estreita” (Mt 7,13-14) e “Eu sou a porta” (Jo 10,9). É preciso abaixar-se e
olhar para os próprios pés, quando se entra pela pequena porta – nijiriguchi – de uma sala de chá. Além
de um convite à humildade, isso obrigava, por exemplo, os samurais a depor e
deixar fora suas armas. Sen Rikyû enfatizava que em uma sala de chá todos são
iguais, não havendo distinção de classe. A menção à pia de água – tsukubai – deve-se ao fato de que também
nas entradas das igrejas católicas é comum uma pia para a purificação com água
benta, além da pia batismal.
[6]
De fato, séculos atrás, Sen Rikyû introduziu na Cerimônia do Chá, por
influência do cristianismo então presente no Japão, alguns aspectos da Missa.
Foi isso que o autor deste artigo, mesmo sem saber, vislumbrou.
[7] XV Grão-Mestre da Urasenke, emérito.
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sexta-feira, 3 de março de 2023
O Som da Cascata - Seishin
terça-feira, 15 de fevereiro de 2022
quarta-feira, 18 de agosto de 2021
[LEITURA CRÍTICA DE HAICAI]
pinceladas dos haicais
de Paulo Franchetti
Paulo Franchetti é, sem dúvida, um dos melhores teóricos contemporâneos de haicai. Talvez por isso, e dada a grandeza de sua contribuição em língua portuguesa à teoria do haiku[n.1], sua produção haicaístico-poética autoral é muitas vezes relegada a segundo plano. Embora tenha publicado haicais em algumas importantes antologias e em pelo menos três livros solos – dentre eles Oeste (Ateliê Editorial: Cotia, 2008), cujos poemas foram traduzidos para o japonês por ninguém menos que H. Masuda Goga –, tornar-se conhecido como poeta desse gênero literário nunca pareceu ser nem de longe sua ambição. Ao contrário disso, escreve e publica seus haicais como e quando quer, sem se importar em repetir alguns deles em mais de um livro; ignora conscientemente normas que, como exímio estudioso de haiku, conhece bem e aplica de modo eficiente na análise das obras de seus pares; desprende-se, sempre que lhe dá na telha, da ortodoxia da tradição a que, não obstante e inegavelmente, se filia desde a primeira hora, sem apego ou aversão. Alguns dos textos de estudo de haicai mais belos e precisos da língua portuguesa, por ele assinados, podem de repente aparecer na abertura de um livro de autor não muito conhecido. E não será raro também vermos sua mão pesar na quase constrangedora crítica a tercetos de poetas que, inadvertidos, pedem-lhe prefácios. Sua produção teórica, diferentemente da poética, é vasta e bastante coerente.[n.2]
Neste artigo almejo discorrer sobre alguns de seus haicais, do mais recente livro Toques (Mondrongo: Bahia, 2020).[n.3] Não pretendo fazer uma leitura tradicional, isto é, à luz da própria teoria preconizada pelo autor, posto que muitos dos haicais ali publicados passam longe de caber nela ou merecer tal nome. A esse propósito nos adverte o próprio Franchetti, na abertura do livro: “Não escapará ao estudioso que nem todos os tercetos aqui recolhidos são tecnicamente haicai” (p. 7).
O título do livro inspira-se na definição ocidental do filósofo francês Paul-Louis Couchoud, que em 1906 compara o célebre poema nipônico a um quadro composto em três toques de pincel, expressando desse modo plástico seu caráter de vinheta, esboço, impressão, registro, touche.[n.4] Para Franchetti, essa é “uma boa definição, pois, mais do que a economia de meios, ela destaca o vazio entre as pinceladas, que o leitor deve preencher a partir da sua própria experiência ou imaginação” (p. 7). Aqui está uma pista importante para quem quiser penetrar no livro e esquadrinhar alguns de seus segredos.
Seishin 清心seridoano@gmail.com
sábado, 18 de agosto de 2018
As trilhas que meus pés calcam
terça-feira, 5 de junho de 2018
HAICAI BRASILEIRO - Edson Kenji Iura
O email para contato é seridoano@gmail.com .