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terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

CARTA AO POETA FERREIRA GULLAR


Gullar em inesquecível fotografia de Murillo Meirelles

Em dezembro do ano passado fomos surpreendidos pela triste notícia do falecimento de Ferreira Gullar. Este ano, mexendo em alguns papeis, encontrei a cópia desta carta que dividirei com vocês. Trata-se de algo escrito em 2012, quando eu ainda morava em Minas Gerais.
Todos sabem que Gullar escreveu e publicou um primeiro livro, posteriormente descartado por ele que não quis, sequer, que este aparecesse em sua obra reunida. Eu havia reclamado o fato de não encontrar o livro em lugar algum, pois tinha curiosidade de lê-lo, apesar do autor não considerá-lo. Eis que o poeta, dias depois, me manda seu único exemplar, do acervo pessoal, emprestado. A carta exprime, além de gratidão, impressões do momento. Enviei-a com o livro, na devolução. É engraçado reler isto, anos depois.
Certa vez disse-lhe o quanto considerava ruim determinado poema de outro livro seu, um poema bem pouco conhecido. Ele, com bom humor, releu o poema para lembrar e explicou-me a circunstância da composição, a volta do exílio, concordando em parte comigo, em parte não. Como, talvez, neste caso:


Belo Horizonte - MG
16 de julho de 2012


Meu querido Gullar!

Devo, antes de tudo, agradecer pela confiança de me emprestar seu exemplar pessoal e raríssimo... Eu não ousaria nunca pedir tanto, mas esta não é a primeira vez que sua generosidade me surpreende! Obrigado!
Li com muita atenção o “descartado” livro de 1949, “Um pouco acima do chão”. Confesso que, depois da primeira leitura, por não ter compreendido muito bem a razão de tal “descarte”, obriguei-me a lê-lo outra vez... Continuo não compreendendo!
Eu entendo que o poeta tenha mudado bastante e crescido para além dos mundos de São Luís do Maranhão; eu entendo que às vezes um gigante possa ignorar que tenha sido menor, ainda que nunca pequeno; e entendo até que as velhas águias em seus mais altos voos se esqueçam de que alguma vez possam ter estado apenas “um pouco acima do chão”. Mas isso de considerar esta primeira poesia “descartável”, a ponto de nem mesmo fazê-la constar em sua Obra Completa, pareceu-me um equívoco e dos grandes. O país e seus leitores de todo o mundo não merecem tamanha punição! Por que privá-los destes versos?
“Um pouco acima do chão” é, a meu ver, absolutamente imprescindível para se entender toda a poesia de depois. Se for verdade que o poeta é a antena de sua raça, ao falar por, e dar voz a seu povo, não sei de ninguém que pudesse escrever algo mais sublime, naquele ano de 1949 e tempo pretérito, nas mesmas circunstâncias de sua história, biografia, cultura e meio. Pouco importa se depois de 22 já desconjuntavam versos ou comia-se antropofagicamente em quase todo o país! Cada poeta de verdade é um acontecimento, no sentido pleno e irrepetível da palavra, tem seu tempo e modo de romper com os paradigmas seculares. Alguns não cabem mesmo em padrão algum, escola, movimento... Fazem seu próprio tempo, estilo, via... São inclassificáveis, no melhor dos sentidos. Ou classificáveis, mas só por alguns instantes... Depois esgotam as possibilidades da hora e vão além.
É bem verdade que a sensação que se tem, ao sorver partes desse livro, é a de que estamos a ler um pré-modernista ou coisa de semelhante natureza. Mas quem disse que a boa poesia pode ser refém de cronologias ou vítima de anacronismos? O livro testemunha, sim, a imensa transformação pela qual passou Gullar. E quem o leu, naquele ano de 1949, dificilmente poderia imaginar o que viria depois... Mas não estamos falando de uma poesia ruim e de outra boa! O que se dá depois é uma mudança de estilo, mudança paradigmática, certamente ideológica, mas não exatamente de qualidade, ainda que tenha vindo com os anos o incontestável aperfeiçoamento do poeta, a progressão da consciência do seu fazer artístico, a maturidade intelectual, de engajamento e de sensibilidade etc. Seria engraçado pensar no “velho” Gullar escrevendo um livro desses! Mas seria igualmente engraçado e até absurdo pensar no Gullar de 49 a escrever, por exemplo, o que escreveu depois até “Em alguma parte alguma”. Quando eu abri o livro, pensei apenas que estava a ler um menino de São Luís do Maranhão, perdido em algum rincão do mundo, num longínquo ano, mas tão genial que conquistaria – como conquistou – o mundo. Como exigir que este menino fosse já o Gullar desesperado do “Poema Sujo”, o de depois? O mesmo gênio estava lá, mas as circunstâncias eram outras.
De “Um pouco acima do chão” posso dizer: não há poeta deste país – barroco, árcade, romântico ou parnasiano – diante do qual você não pudesse se assentar para dialogar de poeta para poeta, tendo nas mãos tal livro e tais versos, sem corar ou gaguejar. Digo-o com tranquilidade, por já ter lido tudo de antes e depois, por não ser um leitor medíocre, por saber muito bem fazer escolhas e por saber pôr cada coisa em seu lugar. Em “Um pouco acima do chão” há poemas tão superiores a tantos que vieram depois!... Não vejo nada que o envergonhe nestes versos! Vejo, sim, um elo necessário para que se compreenda a grandeza posterior, a marcha do poeta em crescente, a ponte necessária para que muitos leitores possam chegar ao Gullar de hoje, sem pararem no meio do caminho ou começarem o caminho pelo meio. Porque há muitos que, não gostando da sua poesia atual, aprenderiam a amá-la ou a entenderiam melhor por estes versos singelos, nunca medíocres. Ali está, em rimas modestas e quase imperceptíveis tropeços de metros (absolutamente remediáveis na recitação com boa dicção e conhecimento de poética e licenças poéticas), a monstruosa força e a crise nascente de um poeta que já começa a romper a camisa de força das formas. O livro é um testamento histórico! Um lirismo suave, alguma vez ingênuo, mas tão cheio de força, pureza e verdade, que comove! Comove porque é obra de arte. É um livro que sem data e assinatura sobreviveria igualmente. Mas nele já está o poeta inteiro, mesmo quando delira e diz que é Deus. Aliás, dizer-se um novo Cristo não é a mesma coisa de externar ou encarnar o sonho messiânico de uma raça? Isso não já se disse e se fez na história e nas literaturas, tantas vezes? Os versos de “Um pouco acima do chão” são límpidos, não possuem graves redundâncias, não têm afetação, nem mesmo em seu viés mais romântico, utópico... Fazer versos para Cabral pode ser coisa que agora iniba o bom e velho poeta. Mas quem disse que não era legítimo esse esboço de patriotismo no imaginário coletivo de uma época e de gerações inteiras? Para quem viveu depois exílio e ditaduras é dose engolir isso e outros “issos” do livro, como o ufanismo da formação das gentes brasileiras etc. Mas são versos autênticos! Expressam um tipo de verdade!
Gullar adolescente, no sentido estético da palavra, é, já, muito bom e respeitável. Mostra a que veio... E a poesia de “Um pouco acima do chão” não fica devedora a Toda Poesia, levando-se em conta a cronologia e o percurso de maturação do poeta. Não sei mesmo que birra teve o poeta com esse livro, pois é um encanto! O livro foi uma grande surpresa para mim, porque se mostrou melhor do que eu imaginava. Pelo que me disse antes, imaginava-o um desastre, ainda mais para que fosse castigado pelo poeta a ponto de nem figurar em sua Obra magna! Mas, não. É um livro autêntico, original. Tem força e luz própria. Tem pureza, tem beleza. Tem a sua verdade. Tem o sentimento de um tempo. Se eu tivesse escrito algo assim no meu passado, e se eu depois tivesse ido tão mais longe, sentiria imenso orgulho dessa trajetória e quereria que todos vissem o dom primevo e o caminho, do começo ao fim.

Fabiano

domingo, 4 de dezembro de 2016

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

CONVIVÊNCIA CRÍTICA - Hildeberto Barbosa Filho

Foto Divulgação

CONVIVÊNCIA CRÍTICA
Hildeberto Barbosa Filho [*]
De olho na estante (7)

Segundo Ferreira Gullar, “Nas pontas dos pés” (Mossoró: Sarau das Letras, 2015), de Antonio Fabiano, possui “linguagem fluente, sem ênfase”, alçando-se, portanto, “acima da banalidade da vida”. Antonio Carlos Secchin, por sua vez, em breve texto de apresentação, releva o tom recatado e delicado de sua dicção lírica, “despojada de toda pompa, e, por isso mesmo, cúmplice das pequenas maravilhas de que se tece o cotidiano”.
Temos, assim, ressaltados pelos poetas/críticos elementos de forma e fundo peculiares à poética desse paraibano de Patos, que cresceu e viveu em Cerro Corá (RN) até 2004, ano em que ingressou na Ordem do Carmelo Descalço.
À sutileza e à limpidez da linguagem corresponde uma temática voltada para as experiências do dia a dia, aquilo que poderíamos denominar de o complexo da “vida simples”, para lembrar uma expressão de Jurandy Moura, transfigurado, no entanto, pelo poder das palavras, em suas possibilidades imagéticas, rítmicas e ideativas.
Frei Antonio Fabiano não teme o apelo silencioso, mas urgente, das coisas comuns e das circunstâncias banais que o circundam no plano existencial, para, com os utensílios idiomáticos, utilizados com parcimônia e sabedoria poéticas, transcender o imediatismo pragmático das vivências que a realidade nos impõe, desvelando seus aspectos essenciais e imperceptíveis.
Em “O bailarino”, diz que “voava / Por sobre a copa das árvores / Enchia de nada a noite”; em “A luz bruxuleante”, acerca-se de sua “nudez / Tangida pelo dedo de um demônio”, assegurando, mais à frente do poema, que “Por entre bicicletas / Moinhos e tímidos sorrisos / Existimos”; em “Grão milagre”, descobre que “não se pode interromper / Com as mãos a dança de um rio... / A gente é e para isso nasce. / O pulso às vezes dói mas é sublime e /  mesmo que eu não quisesse – / Morava e ainda mora e há de morar / Nas veias como em ostra o grão milagre!...”.
Motivos como a casa, o pai, a infância, o corpo, a poesia, o palhaço, a velhice, entre tantos outros, são contemplados pelo olhar lírico desse poeta que, como poucos, sabe unir a dimensão lúdica do texto (ver, sobretudo, “Poema nuvem”, à página 31) a seu viés reflexivo, onde, em particular, impõe-se a força do pensamento poético. Um poema como “Estridência” ilustra bem o que quero dizer. Vejamos: “Há dias de sagrado ócio / Em que a vontade é de / Não fazer mais nada // Só beber a estridência de estar aqui / Como quem bebe o canto / De cigarras e grilos // Brindar sua canção / Às vezes tão incômoda / Como a vida // Esta vidinha / Que não trocamos por nenhuma / Das eternidades”.
O mesmo se pode afirmar de “Isto não é um haicai”, em seu recorte autoirônico: “Um dia não haverá / Lembrança disto que fomos / (Por mais belos que sejamos)”. 
Além dessa coletânea, o autor publicou, em 2012, “Sazonadas” e “Girassóis noturnos”, e, em 2014,”Cancioneiro da terra”. Sua poesia tem sido reconhecida, em seu valor intrínseco, por professores e poetas, como Maria Lúcia Dal Farra e Paulo de Tarso Correia de Melo.

***

[*] – Hildeberto Barbosa Filho é professor universitário, escritor, crítico literário, poeta e jornalista. Ocupa a Cadeira nº 06 da ACADEMIA PARAIBANA DE LETRAS. 


Bibliografia atualizada deste artigo: Revista da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras. Nº 45. Natal, outubro-dezembro de 2015 (páginas 14-15).

sábado, 11 de abril de 2015

NAS PONTAS DOS PÉS - Antonio Fabiano



Copyright @ by Antonio Fabiano
Projeto gráfico e capa: Augusto Paiva
Edição: Sarau das Letras
2015


A voz que dança
Antonio Carlos Secchin *


Neste encantador Nas pontas dos pés, Antonio Fabiano confirma e consolida o talento já manifesto em livros anteriores. Se o poeta diz que “não se pode interromper / com as mãos a dança de um rio”, ele pode, por outro lado, liberar com a palavra o movimento represado da existência. 
Com recato e delicadeza, imagens do passado – o pai, a casa – emergem na fala fluida da poesia de Fabiano, despojada de toda pompa, e, por isso mesmo, cúmplice das pequenas maravilhas de que se tece o cotidiano. 
Eis uma obra que convida e convoca o leitor a seguir as danças de um destino desdobrado em surdina, e que a cada momento nos surpreende na sutileza de um “tom menor”. Antonio Fabiano fornece a imagem de um bailarino que dançasse com as mãos, na leveza de uma escrita que parece emanar da ponta dos dedos – dedos que amorosamente tocam e acolhem um real ambíguo e enigmático, transfigurado pela potência do verbo poético.
______________________

* Antonio Carlos Secchin é poeta e membro da Academia Brasileira de Letras. 

sexta-feira, 1 de junho de 2012

CLÁUDIA AHIMSA: lúcida, lírica, insone...


Gullar e Cláudia Ahimsa (Rogério Reis/Instituto Moreira Salles)


Pequena seleção de poemas de
“NOITE SEM DORMIR: poemas timorenses” (2000).
São versos de Cláudia Ahimsa,
amiga tão dileta e alma irmã da minha, “musa do planeta Terra” nos dizeres de seu apaixonado companheiro Ferreira Gullar.
O referido livro – de uma tiragem de cem exemplares numerados e assinados pela autora – possui um PREFÁCIO PARA SER LIDO (mas não é prefácio!): das coisas mais impressionantes que já li em poesia. A obra é dedicada aos guerrilheiros das FALINTIL – vivos e mortos por Timor Leste. Cláudia Ahimsa, amo.


[1º]
Para evitar o amargo da casca
a lagarta em ziguezague vai:
ponto doce... ponto doce... depois volta
longínqua e macia pela via da doçura
que para si mesma traçou...
..........................................................
.....................pela árvore a lagarta vai.
Árvore planeta com tudo que ali habita.
Ampla nos hemisférios de folha e fundo
                        espectral e sobretudo
de uma paz territorial com que se sonha...

Cada flor em suas próprias pétalas
cada copa com raízes próprias
“cada macaco no seu galho”.

Ah, fantástico arquipélago... de tempestades invisíveis.
Estado celular de substâncias coabitantes...
E mesmo em seus limites –


uma gavinha
que noutro galho se entrance.
E mesmo as enxertias... e plantas que parasitam –
ajudam a puxar água

ajudam a respirar – coexistem.

Encosto a testa no desenho da casca
no visco luminoso deixado pela lagarta...
............................................e não posso
desviar do ponto amargo.
Amargo essa mágoa de ilha
ligada ao ladrão pelo mar...
Sem perder o gosto e a luta
Pelo doce dos caminhos –

Direito que até lagarta tem.


                                     Direito à doçura

Cláudia Ahimsa


[3º]
O cão procura e não acha.
O fogo deixou sequelas no faro.
Sabia voltar a casa...
E ao dobrar a esquina rente ao muro...
Que casa? qual nada!
Uma fumaça aqui... outra fumaça ali...
Talvez reconheça nisso
um eco de voz que resiste.
Escutou na sala do seu dono
nas ruas do abandono
tantas vezes as mesmas palavras:
                                       pátria
          ou
morte
Não sei qual é a capacidade vocabular
de um bichinho
assim ferido em seu faro cidadão...
Mas ainda mais triste que um cão sozinho
perambulando pela cidade fantasma –

É esse fumo que fica ali saindo
que fica ali saindo...
dos destroços de tudo que se amou.


Terra queimada

Cláudia Ahimsa


[6º]
Capaz de ver motivo
de fé
numa âncora:
vigio a navisfera
sob aquele céu
obscuro
dos primitivos.


Os tótens?
Excessivamente pintalgados de sangue:
A caixa dos socorros.
Os mapas das fronteiras com o inferno.
Ah, culto faraônico contra a morte...
Ah, meu nome de paz escrito num tanque
como o de Maiakovski.
Vão, missionários! cingidos
de fuzil e capacete 
vão, que é tarde!
Ó vida marinha! monstros teus 
octopus, cachalotes – Pacífico
ajuda a empurrar
pressiona o casco
arrasta a minha prece
não como fita e flor
das leves oferendas
que vão de barquinho
entre as espumas...
Toda a minha fé agora
é uma fragata e mais outra 
o destróier.


                                         Tropas de paz


Cláudia Ahimsa


[7º]
Dorme-não-dorme a cidade marítima.
Serão morcegos?
Atonalidades da noite...
Ou são filhotes das arraias?
Angústias insones...
Ou será fragrância?
Música do sândalo
das tuas montanhas –
o que ouço
desse muro de jasmim...
Confusão!
Sei apenas que a brisa
é noctâmbula também.
E sopra números
nos meus ouvidos...
Do zero às estrelas
que contavas
em lugar delas
344 mil e 580 pontos
para a Independência.
Ouço...
Contas-me
para os sonhos...
Tua história de bravos
teu regresso a ti...
Enfim... a boa notícia.
Mais que política – espiritual.

Basta uma noite sem dormir
para merecer uma alegria diurna.
E o mar não para
de revirar suas conchas
e acordar perigos.

Basta uma noite no mar
para entender
o que é desterro.


Domicílio da noite

Cláudia Ahimsa


[8º]
Talvez... eu pudesse puxar o lençol
até o supercílio
até a aurora...

Encontrar entre silêncios – um
em que se possa adormecer.
Deixar que se desfaça ao longe
a imagem
e Vênus no céu – de fora.
Mas o que há do rosto longínquo
no meu
não se encobre com lençol.

Do leste da ilha
detrás do mato
me olha
por olhos vermelhos.

Lágrimas de sangue
virão comer os pássaros
se durmo de janela aberta.
Se apago a lâmpada
o escuro esconderá
cavas olheiras
junto a buracos no universo.
Amanhã... não choro.


                                        Regresso

Cláudia Ahimsa


[10º]
O rosto desfigurado
não será esquecido.
Demora... não importa.
Faremos as cabeças extirpadas
uma a uma
célula e célula
neurônio a neurônio –
Todos de volta!
As mulheres violadas
serão de novo amadas.
Faremos amor e filhos.
Faremos os braços
as pernas arrancadas
par a par outra vez.
Carne nova para os lábios!
E a face do nosso povo
continuará
a sorrir sobre a Terra.


Avante! pois.

Cláudia Ahimsa

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O direito exclusivo de todos os poemas é reservado a Cláudia Ahimsa.

“Cláudia Ahimsa é uma poetisa que poderia ser timorense porque nela vive a alma e palpita o coração timorenses, o espírito forte de liberdade e independência, mas também de muita sensibilidade e generosidade.
Li os poemas. Mas que coisa mais linda.”

José Ramos - Horta
Nobel da Paz


“Gosto dos seus poemas,
todos feitos de amor, sonho
e fantasia. Dos protestos
que surgem, que a miséria e
a opressão tanto justificam.
Todos a revelar uma
generosidade admirável.”

Oscar Niemeyer

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Livro: BANANAS PODRES - Ferreira Gullar

(Foto: Capa/Divulgação)

1ª edição - dezembro de 2011
CASA DA PALAVRA PRODUÇÃO EDITORIAL
Rio de Janeiro - RJ

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

AS CANÇÕES DOS NOSSOS EXÍLIOS


Reencontrar Gullar é sempre muito bom... porque a vida não basta!
Hoje: 5 de outubro de 2011.



- para Ferreira Gullar

Cai de repente a nostalgia destes rios
Que inversos correm para dentro de nós
E nos invadem e afogam
Mas não (não)
Nunca morrem.

Como estão vivas as canções de nossos exílios!

O galo canta e eu ouço seu canto que me toma pela mão.
É o anúncio numinoso que antecipa o despertar
Da derradeira aurora.

Meu filho não vem?

Do céu caem brasas.
Pelejo na contínua fúria de amanhecer em cores
Quando tudo é preto e branco
Pelo avesso fogo das panteras
Que me rondam, ameaçam e até mordem
Por dentro.

A vida é um nó gozoso na garganta
Querendo nos enforcar
De modos inconfessáveis
Para nosso pasmo!

E só por isso não me faço,
Embora lindo fosse,
Lírico de vez.

Antonio Fabiano
Direitos reservados

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

HOMENAGEM A FERREIRA GULLAR NO CANAL BRASIL


Ferreira Gullar (Divulgação)

Em homenagem ao poeta maranhense, o Canal Brasil preparou uma programação especial para hoje, a partir das 18h. Exibição dos curtas “A necessidade da arte” e “Por acaso Gullar”, além do documentário em média-metragem “O canto e a fúria”.
Há pouco foi lançado o DVD Poema Sujo, dentre as muitas homenagens ao poeta em seus 80 anos. Mais de 30 anos depois, Poema Sujo foi regravado por seu autor, e é lançado pelo Instituto Moreira Salles e VideoFilmes.

sábado, 4 de dezembro de 2010

EM ALGUMA PARTE ALGUMA (2010) - Livro de Ferreira Gullar sob Apreciação de Antonio Fabiano



EM ALGUMA PARTE ALGUMA (2010), a mais recente poesia de Ferreira Gullar, não é um livro qualquer e não pode ser lido de qualquer jeito, displicentemente. A boa crítica – e não me incluo aqui, sequer no que tange a crítica sem mais atributos – tem o dever moral de notá-lo como um dos grandes acontecimentos literários do ano de 2010, e anotá-lo, sem qualquer favor ao poeta, no cânon da nossa bem sucedida poesia deste início de século. Anais.
Valeu a espera de onze anos, sob o dito silêncio poético de Gullar desde a poesia de “Muitas Vozes”, para que recebêssemos, oportunamente, este “Em alguma parte alguma”, que mais parece a poesia de um poeta que de repente acontece, numa imprevista explo(implo)são. Gullar nos toma de assalto.
É comprovada por demais a competência do poeta, ele já não precisa explicar-se ou impor-se de algum modo. Sua obra caminha de mãos dadas com duas forças poderosas: 1) a consagração por parte de uma “elite intelectual” e da crítica mais autorizada – onde incluímos tudo o que se disse de sua obra, por especialistas e demais competências, em mais de meio século de produção literária e vida artística, além do reconhecimento que lhe é outorgado pelos muitos prêmios recebidos ao longo de sua ventura histórica no cenário cultural brasileiro; 2) e, o mais importante, a consagração junto ao povo, o qual incorpora sua poesia e adere de tal modo à arte do poeta e seu sentimento/razão do mundo, que finda por impregnar-se disso todo o imaginário comum (popular), erigindo a partir deste Gullar, que sem dúvida é mais modesto, uma espécie de ícone da poesia brasileira, fazendo-se a partir daí um “outro” que é mais Gullar do que ele mesmo.
A junção dessas duas partes, o resultado de uma fórmula tal que une o reconhecimento dos doutos e o amor dos mais simples que se enxergam em seu poeta maior e tomam para si o que ele diz em sua/nossa poesia (porque se veem retratados nela e ao povo o poeta empresta sua possante voz), resulta na melhor de todas as coisas que pode suceder a um artista: ele “flutua”, reveste-se daquela imortalidade que nem mesmo a Academia pode dar.
Gullar chegou aí, aonde só poucos chegam. Consegue fazer uma feliz passagem no tempo das gerações, com as quais dialoga, ultrapassando-as. Querendo ou não, seu nome é inscrito no cânon dos nossos vultos sagrados.
O livro “Em alguma parte alguma” vem nos dizer, sem arrogância ou mínima pretensão, que a escrita de Ferreira Gullar é o que há e é mais viva do que nunca. Sinaliza algo mais: diz-nos que literatura de verdade é possível no Brasil de agora, como antes, para além dos nossos poetas bons cujas Obras já se encerraram em Completas. Equivocam-se os que acreditam que poeta bom é só poeta morto. Como também erram os pessimistas que propagam não haver grande poesia nas novas gerações, além Gullar e outros poucos já consolidados desde o século XX e que ainda vivem. Decerto são diferentes os tempos e modos de ser poeta e se pensar a poesia. Complexo é o momento histórico cultural que atravessamos. Mas negar toda poesia, em meio à celeuma de vozes desentoadas ou coros de sapos que banalizam a sagrada arte, isso não nos convém. Poesia há. Como sempre houve. E o prova Gullar, que atravessa impávido esse mar revolto, nos ensinando a não desesperar.
“Em alguma parte alguma” parece já bem resolvido, maduro sem pudores. Extraordinária é a força de seus versos e a beleza nem um pouco ingênua com que se vê, ali, a vida desdobrada em surpresas. Um espanto! Mas não nos traz apenas a sucessão de alumbramentos que dá vazão à criação do poeta, criação esta realizada em cônscio gozo “extático”, o mesmo da poesia que dura o eterno tempo de um poema. Traz-nos ainda o sair-se de aflitivos silêncios (a mesma luta corporal com a palavra), por meio dos imperativos que nem mesmo o poeta sabe explicar, mas aos quais nunca diz não, sendo só sim e sim. E assim torna-se possível o impossível, que é alguma vez deixar dito – plenamente – o não dito. Ora, estamos diante de um silêncio gritado, próprio dos que se assombram, absurdamente elucidados, com a vida, ou com a morte, que também é coisa da vida, em qualquer parte qualquer. A morte neste livro espreita o poeta. Ou talvez seja só ele mesmo a espreitar a morte. Esquecendo-se, depois, um do outro. Ela não será mais que “a paz”, ainda que “a paz do nada”.
O poeta não erra em parte alguma de “Em alguma parte alguma”. Os mais severos hão de lê-lo buscando sempre na página seguinte um defeitinho para não lhe conferir o mérito patente dessa perfeição cabível só a raros e ninguéns. Constatarão, ao final, que o poeta logrou tocar nos pés de Deus, esse Deus do qual Gullar nunca se ocupa, em agnóstica posição. Paradoxo? Não. O maior elogio que se possa fazer ao artista!
O livro vai além do que poderíamos esperar. E nos toma de assalto, no melhor dos sentidos. Nele Gullar escreve-se renovado, sem, contudo, abandonar velhos temas sempre novos. Ousa. Manda para os escarcéus toda estreita medida que queira ditar seu livro e unidade rígida. Reinventa-se. Há de fato um novo tom, matizes. Dá-nos um verdadeiro panorama do seu estado de espírito e da liberdade que goza aos 80 anos, bem redondos, bem vividos. Mescla, sem peias, bananas podres e a mais alta luz dos espaços siderais, de estrelas vivas ou mortas; uma nostalgia às vezes irônica, a ponto de trazer à baila fêmures seus e alheios, na serenada constatação da senhora dona morte, esta que está aí, de mãos dadas com a vida, e não assusta mais que a própria vida; traços de pintura, alheia e sua, tudo retocado ou só tocado por sua mão de artista; as curvas de outra arte e toda arte, seja qual for, desde que verdadeira e fiel aos seus princípios; a linguagem levada ao seu limite, em extremos; o cheiro do jasmim, mais que tudo a flor do jasmineiro, sim, o jasmim e seu olor, este outro raio que fulmina...
O livro comove pelo que tem de transparente e lírico, originalmente lírico. Faz pensar, filosofal. Pedra no centro de um caminho, existencialmente aturdido, gozosamente abraçado. A vida como ela é, em seus paradoxos, a vida insuficiente, por isso mesmo a reclamar poesia, na beleza possível e impossível, em alguma parte alguma, em qualquer lugar qualquer, desta infinita graça que se dá aos que a querem receber.

Antonio Fabiano (2010)
Belo Horizonte-MG
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com





EM ALGUMA PARTE ALGUMA (2010)
EDITORA JOSÉ OLYMPIO LTDA.
Rua Argentina, 171 – 3º andar – São Cristóvão
20921-380 – Rio de Janeiro, RJ – República Federativa do Brasil
Tel.: (21) 2585-2060

Atendimento e venda direta ao leitor:
mdireto@record.com.br
Tel.: (21) 2585-2002

Capa: VICTOR BURTON
Reprodução neste blog com licença de Ferreira Gullar

UMA COROLA (manuscrito)



Ferreira Gullar
EM ALGUMA PARTE ALGUMA (2010)
Reprodução com licença do Autor

FERREIRA GULLAR - numa entrevista a ANTONIO FABIANO


O poeta Ferreira Gullar - Fotografias de Antonio Fabiano

ANTONIO FABIANO: Meu caro Gullar, sua atuação no panorama intelectual deste país foi, em muitos aspectos, preponderante para os novos rumos da nossa literatura e arte em geral. As letras do século XX lhe são infinitamente gratas, todos sabemos disso. Mas em pleno albor deste novo século torna-se ainda mais iniludível a assombrosa força de sua escrita... Poderia nos contar um pouco do seu itinerário poético? Como se fez o Gullar que hoje é das gentes e “flutua” pelo país e pelo mundo?

***FERREIRA GULLAR*** Você é muito generoso ao apreciar o que escrevo. Minha poesia tem percorrido muitos caminhos, aparentemente contraditórios mas, no fundo, coerentes, pois atendem a necessidade minha de expressar-me. Comecei escrevendo como um parnasiano, depois descobri a poesia moderna e passei a fazer versos livres, e logo entendi que deveria ir além. Disso resultou A Luta Corporal, que considero meu livro de estreia, porque é com ele que começo a compreender mais fundamente o que deve ser a poesia. Depois veio a poesia concreta, depois os poemas espaciais neoconcretos e finalmente o Poema Enterrado com que encerrei essa fase. Entro em crise, engajo-me politicamente e passo a fazer poesia política. São muitos anos nesse caminho mas durante esse tempo minha poesia mudou, busquei criar poemas mais ricos, mais sofisticados do que os primeiros poemas dessa fase. Nesse rumo, que envolve os anos de exílio, minha experiência pessoal e poética se amplia, se aprofunda, torna-se mais dramática e mais sofrida. Escrevo o Poema Sujo, que é de certo modo a síntese dessa etapa. De lá para cá, houve também mudanças, mas já não tão drásticas como no passado. O certo é que nenhum livro meu é igual ao outro, ou mero prosseguimento do outro.

ANTONIO FABIANO: Como se dá o exercício de sua escrita? Disciplina? Inspiração? Como acontece a criação poética de Ferreira Gullar?

***FERREIRA GULLAR*** Minha poesia nasce do espanto, de algo que me surpreende e me mostra que o mundo nunca está explicado. São surpresas que me põem diante da beleza ou do drama, da felicidade ou da perda. Sem isso não consigo escrever mas, ao mesmo tempo, há que ter o domínio do instrumento de expressão. A técnica não é suficiente mas é imprescindível, pois, sem ela, não se consegue realizar o poema.

ANTONIO FABIANO: Que vínculos tem Gullar, hoje, com a terra natal? Que laços o prendem àquele menino de São Luís do Maranhão, tantas vezes redivivo na obra do poeta maduro?

***FERREIRA GULLAR*** Costumo dizer que, se não tivesse nascido em São Luís, seria um outro poeta. Em tudo o que escrevo, São Luís de algum modo está presente.

ANTONIO FABIANO: Sempre que lhe pareceu certo, ao longo de sua carreira intelectual, você não hesitou em mudar de posição e até opor-se ao que não vai bem. É o caso do concretismo, a poesia “concreta”, para citar um exemplo só. O que fica daquela fase?

***FERREIRA GULLAR*** Se é certo que a poesia concreta é decorrência de A Luta Corporal, quando implodo o discurso, não fui o inventor dela. Os poemas concretos que fiz são diferentes dos poemas do grupo paulista. Por isso mesmo, caminhei noutra direção e cheguei ao livro-poema e aos poemas espaciais. A poesia concreta foi um fenômeno inevitável naquele momento da poesia brasileira, mas não poderia manter-se como um caminho permanente. Foi uma experiência original e audaciosa que se esgotou.

ANTONIO FABIANO: Poderia sintetizar, especialmente para as novas gerações cada vez mais distantes desta realidade, o que para você significou o exílio?

***FERREIRA GULLAR*** O exílio foi um momento difícil de minha vida mas ao mesmo tempo enriquecedor. Conheci outros povos, outras culturas e vivi momentos-limite, como o fim do governo Allende e o começo da ditadura argentina. Um período difícil da história latino-americana.

ANTONIO FABIANO: O que diria o pai do imortal “Poema sujo”, a respeito desse filho hoje considerado uma das maiores obras em língua portuguesa da segunda metade do século XX?


***FERREIRA GULLAR*** Já falei bastante sobre esse poema, em que circunstâncias o escrevi, em 1975, em Buenos Aires. De fato, aquelas circunstâncias – quando não sabia o que poderia acontecer comigo, já que um golpe militar ameaçava pôr abaixo o governo argentino e repetir o golpe que derrubou Allende – devem ter contribuído para o caráter do poema. Trata-se de uma tentativa de resgatar o vivido e refletir sobre a vida, tanto em termos existenciais como sociais.

ANTONIO FABIANO: Tenho acompanhado seu parecer a respeito da atual situação das artes plásticas etc. Sem dúvida não agrada a todos, mas seu pensamento impõe respeito porque é coerente, indiscutivelmente lúcido e regulado pela experiência de toda uma vida envolta no conhecimento aprofundado de tais questões. Você acredita que atravessamos um momento de relativismo ou crise nessa esfera? É possível uma “arte sem arte”?

***FERREIRA GULLAR*** O abandono das normas tradicionais que regiam as artes plásticas, deu nascimento às experiências de vanguarda que enriqueceram a expressão estética mas, ao mesmo tempo, abriram caminho a uma espécie de valetudo. Esse valetudo parece ser o rumo propício aos chamados artistas contemporâneos que já não se preocupam em fazer arte. Acreditam que tudo é arte: seja pôr merda numa lata, seja mostrar larvas de moscas num microscópio. Confundem as coisas, acreditando que toda expressão é arte, ou seja, que basta ser expressão. Como tudo é expressão resulta, para eles, que tudo é arte. A meu ver, uma baita confusão.

ANTONIO FABIANO: Atualmente proliferam-se escritores, sobretudo poetas, espécime não tão raro. E livros, muitos livros. Nunca se escreveu tanto e se publicou, como agora. Se isso é bom, por um lado, e sem dúvida o é, não significa qualquer garantia de uma boa ou duradoura literatura. Outras forças perpassam esse meio cultural, como a academia e o comércio, e seus respectivos ditames. Perguntamos ao leitor experiente que é: há algum critério para separarmos o joio do trigo, e não cairmos nas armadilhas das quais nem mesmo o mundo das letras está isento?

***FERREIRA GULLAR*** É verdade, hoje se publica muito, há livros em quantidade, de todo tipo e sobre qualquer assuntos ou tema. Não sei dizer ao certo o que se deve fazer em face disso. Acredito que nem tudo que se escreve presta. Poesia é coisa rara, pelo menos no meu caso que escrevo pouco e raramente.

ANTONIO FABIANO: Você percebe novas tendências, novos rumos, um futuro ainda mais promissor, para a literatura que se faz em nosso país? Acredita, tem esperança nas novas gerações?

***FERREIRA GULLAR*** Do futuro não sei nada. Há bons poetas nas novas gerações. Mas a verdade é que a pessoa nasce poeta, como nasce jogador de futebol ou cozinheiro. Sem vocação, ninguém vira poeta.

ANTONIO FABIANO: Apesar dos diversos prêmios recebidos ao longo da sua carreira, que repercussão teve em sua vida o Prêmio Camões, esta expressão mais alta de reconhecimento dado em língua portuguesa a um escritor?

***FERREIRA GULLAR*** Fiquei muito feliz ao receber o Prêmio Camões porque isso significa um reconhecimento do valor do que escrevo. A gente escreve para o outro, para ser lido pelo outro e, quando pessoas de alto merecimento intelectual reconhecem o valor do que escrevemos, isso nos gratifica.

ANTONIO FABIANO: Gullar se percebe ainda passível de influências?

***FERREIRA GULLAR*** Nenhum poeta inventa a poesia. Pelo contrário, todos os poetas são herdeiros dos poetas que os antecederam. Aliás, no meu modo de ver, é essa herança que dá maior amplitude à obra deste ou daquele poeta. Naturalmente, cada um elabora essa herança a seu modo e dá “um sentido novo às palavras da tribo”, como disse Mallarmé.

ANTONIO FABIANO: Ferreira Gullar é ainda um homem comprometido com a política de seu país, ou reserva-se ao direito de agora se ocupar de outras coisas?

***FERREIRA GULLAR*** Fiz poesia engajada durante certo período, especialmente em função da situação política e social do Brasil e da necessidade de lutar contra a ditadura. Hoje minha poesia explora outros campos, voltada mais para a reflexão sobre a existência e os espantos a que a vida nos submete.

ANTONIO FABIANO: Depois de onze anos de silêncio poético, surge o livro “Em alguma parte alguma”. Por que tanto tempo, Gullar?

***FERREIRA GULLAR*** Demoro a publicar livros de poesia porque escrevo pouco. Não posso decidir que vou escrever um poema hoje porque faz tempo que não escrevo. Isso não depende de mim mas dos espantos e das descobertas inesperadas que me põem em estado de poesia. Se não for assim, nada acontece. E como esses espantos são raros, escrevo poucos poemas ao longo do ano. Minha felicidade seria escrever todos os dias belos poemas...

ANTONIO FABIANO: Que novidade esse livro traz, em relação aos outros de sua obra?

***FERREIRA GULLAR*** Acredito que cada poema meu traz algo de novo, se não fosse assim não o teria escrito. Se escrevo é porque descobri alguma coisa que ainda não expressara. Não precisa ser uma novidade gritante, arrasadora. Basta uma pequena descoberta. Neste último livro há a retomada de alguns temas de livros anteriores mas noutro tom. E há uma tentativa de escrever no limite da linguagem, no limite da ordem e da desordem.

ANTONIO FABIANO: “Em alguma parte alguma” causou espanto, pelo vigor de sua poesia inédita. E, em tempo recorde, deram-se sucessivas reedições, outro espanto, tratando-se de poesia. O poeta que celebrou neste ano seu octogésimo aniversário tem a lira cada vez mais afinada, e não dá o mínimo sinal de cansaço. De onde vem esta força, Gullar?

***FERREIRA GULLAR*** Não sei. Tudo o que posso dizer é que estou sempre indagando, questionando e aberto às perplexidades a que a vida me expõe. Talvez esse inconformismo – que é ao mesmo tempo uma afirmação de vida – seja a minha força.

ANTONIO FABIANO: Para quem chegou a este patamar de consagração, escrever e publicar se torna um risco, uma responsabilidade cada vez maior, ou dá-se o contrário, cada vez mais se pode dizer o que pensa e quer?

***FERREIRA GULLAR*** Talvez porque não acredite em verdades eternas e intocadas, estou sempre indagando, questionando e dizendo o que penso. Não me julgo dono da verdade mas tenho necessidade de questionar e revelar o que descobri.

ANTONIO FABIANO: Há alguma coisa que tenha sonhado e ainda não realizou?

***FERREIRA GULLAR*** Não sei, não me preocupo com isso. Na verdade, essa é uma questão estranha a mim, já que não planejo nada. Invento a vida a cada dia.

ANTONIO FABIANO: Como concilia estes dois amores, família e trabalho?

***FERREIRA GULLAR*** Hoje vivo só, não tenho mais o encargo de criar os filhos, que estão adultos e cuidando de si e dos seus. Participo como avô, ajudando no que posso e dando palpites quando sou consultado. Tenho uma companheira – a poetisa Cláudia Ahimsa – que mora com a mãe. Mantemos a condição de namorados. É legal namorar uma poetisa tão talentosa quanto ela!

ANTONIO FABIANO: Ainda no coração do poeta... De quem Gullar tem saudades?

***FERREIRA GULLAR*** Das pessoas que amei e perdi.

ANTONIO FABIANO: O que diria agora aos leitores que o amam, seu público cativo?

***FERREIRA GULLAR*** Que se entreguem à leitura de meus poemas como me entreguei ao prazer de escrevê-los, porque a função da poesia é ajudar a viver, deslumbrar, ampliar o território do possível.

ANTONIO FABIANO: E aos que querem ser poetas?

***FERREIRA GULLAR*** Não desistam da poesia porque ela tem uma função essencial em nossa vida. A poesia existe porque a vida não basta.

ANTONIO FABIANO: Qual de seus versos nos daria ao final desta entrevista?

***FERREIRA GULLAR***
“que eu possa
cada vez mais desaprender
de pensar o pensado
e assim poder
reinventar o certo pelo errado”




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FERREIRA GULLAR & ANTONIO FABIANO
Dezembro de 2010
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com

O DUPLO - Ferreira Gullar



Ferreira Gullar
EM ALGUMA PARTE ALGUMA (2010)
Reprodução com licença do Autor

OFF PRICE - Ferreira Gullar



Ferreira Gullar
EM ALGUMA PARTE ALGUMA (2010)
Reprodução com licença do Autor

FALAR - Ferreira Gullar

A poesia é, de fato, o fruto
de um silêncio que sou eu, sois vós,
por isso tenho que baixar a voz
porque, se falo alto, não me escuto.

A poesia é, na verdade, uma
fala ao revés da fala,
como um silêncio que o poeta exuma
do pó, a voz que jaz embaixo
do falar e no falar se cala.
Por isso o poeta tem que falar baixo
baixo quase sem fala em suma
mesmo que não se ouça coisa alguma.

Ferreira Gullar
Poema de “Em alguma parte alguma” (2010)
Publicado com licença do Autor

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

FERREIRA GULLAR, EM ALGUMA PARTE… AQUI!


O poeta Ferreira Gullar em fotografia de Antonio Fabiano

Ferreira Gullar, o poeta, esteve semana passada aqui em Belo Horizonte, na Academia Mineira de Letras, para bater um papo conosco, bem informal mesmo!, e lançar seu novo livro, “Em alguma parte alguma”. Foram onze anos de silêncio poético, o que parece muito no tocante a alguém que é tão presente e ativo no cenário intelectual brasileiro. E por que não dizer, também, político? Quem não se divertiu ou se irritou – dependendo de qual lado estivesse! – lendo suas crônicas dominicais, nada poéticas, destes últimos meses que precederam as eleições da República? Pois é, infeliz na política (seu candidato não ganhou), mas muito feliz na poética e no amor! Sua companheira, uns quarenta anos mais nova do que ele, também é poeta. E Gullar, nós já sabemos, é este gênio celebrado em toda parte. Sua obra passada está mais presente do que nunca, e este novo livro só vem confirmar que ele é poeta rei e ninguém lhe tira a coroa. Também disso ele não cuida, nem se importa! Que importa? Sabe o que faz e diz o que quer, sem papas na língua! Tá nem aí!... Aos 80 anos de vida, mais de sessenta de consciente poesia, o menino nascido em São Luís do Maranhão e autor do imortal “Poema sujo” está em pleno vigor! Motivos tem para tanto, não tem? E justiça lhe é feita! Recebeu, há pouco, a mais alta distinção que se dá a escritores em língua portuguesa: o Prêmio Camões. Eia, poeta! Como eu dizia, Gullar veio a nós com o seu reino. Falou-nos de sua poesia, de sua vida – o que, afinal, é a mesma coisa. E, naturalmente, nos fez rir do começo ao fim da fala, falando sempre sério, como ele disse, rindo. Dialogou com um seleto público de pouco mais de cem pessoas que, embora seletíssimas, não se mostravam capazes de formular uma pergunta com raciocínio lógico, começo, meio e fim, diante do monstro sagrado. Que importa? Ele respondia, assim mesmo, com inteligência e irreverência, quase brigando com alguns, teimando com outros, dizendo o que ajuíza sobre tudo, até sobre Deus ou não Deus, naquele jeito de paizão excêntrico que a gente ama. É sempre muito bom reencontrar Gullar! Octogenário e mais jovial do que nunca! Com ele aprendemos muito sobre a vida, experimentamos dupla alegria! Duplo ele mesmo, tal como são dois os “ll” do seu nome! Duplo Gullar porque, segundo ele anda a dizer: “Foi-se formando / a meu lado / um outro / que é mais Gullar do que eu // que se apossou do que vi / do que fiz / do que era meu // e pelo país / flutua”... Quem ousará discordar de um homem assim? Vale por dois, por três... por mil!

Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 15 de novembro de 2010.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com

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O livro do poeta Ferreira Gullar, EM ALGUMA PARTE ALGUMA, foi publicado no Rio de Janeiro, pela Editora José Olympio. Da referida obra, os versos citados no final da crônica são do poema "O duplo".

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

FERREIRA GULLAR - 80 ANOS


Hoje o poeta FERREIRA GULLAR faz 80 anos. É um dos escritores mais respeitados da atualidade. Em maio deste ano foi contemplado com o Prêmio Camões, o mais importante da língua portuguesa, instituído pelos governos do Brasil e de Portugal. Ferreira Gullar (José Ribamar Ferreira) nasceu em São Luiz do Maranhão. Escreveu, dentre outras coisas, o seu POEMA SUJO (1975), um dos maiores acontecimentos da língua vernácula na segunda metade do século passado. Opinião. Recentemente o encontrei nos jardins internos do Palácio das Artes, aqui em BH. Está mais afiado do que nunca!