A verdade sobre a posse das coisas está no fundo ...
... deserto é farelo de montanha
na versão do vento.
E o que é fundo vem à tona e será topo
e o que é força será fóssil.
Cláudia Ahimsa
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quinta-feira, 27 de setembro de 2012
sexta-feira, 1 de junho de 2012
CLÁUDIA AHIMSA: lúcida, lírica, insone...
Gullar e Cláudia
Ahimsa (Rogério Reis/Instituto Moreira Salles)
Pequena
seleção de poemas de
“NOITE
SEM DORMIR: poemas timorenses” (2000).
São
versos de Cláudia Ahimsa,
amiga
tão dileta e alma irmã da minha, “musa do planeta Terra” nos dizeres
de seu apaixonado companheiro Ferreira Gullar.
O
referido livro – de uma tiragem de cem exemplares numerados e assinados pela
autora – possui um PREFÁCIO PARA SER LIDO (mas não é prefácio!): das coisas mais impressionantes que já li em poesia. A obra é dedicada aos
guerrilheiros das FALINTIL – vivos e mortos por Timor Leste. Cláudia Ahimsa,
amo.
[1º]
Para evitar
o amargo da casca
a lagarta
em ziguezague vai:
ponto
doce... ponto doce... depois volta
longínqua
e macia pela via da doçura
que para
si mesma traçou...
..........................................................
.....................pela
árvore a lagarta vai.
Árvore
planeta com tudo que ali habita.
Ampla nos hemisférios
de folha e fundo
espectral e sobretudo
de uma paz
territorial com que se sonha...
Cada flor
em suas próprias pétalas
cada copa
com raízes próprias
“cada
macaco no seu galho”.
Ah,
fantástico arquipélago... de tempestades invisíveis.
Estado celular
de substâncias coabitantes...
E mesmo em
seus limites –
uma gavinha
que noutro
galho se entrance.
E mesmo as
enxertias... e plantas que parasitam –
ajudam a
puxar água
ajudam a
respirar – coexistem.
Encosto a
testa no desenho da casca
no visco
luminoso deixado pela lagarta...
............................................e
não posso
desviar do
ponto amargo.
Amargo
essa mágoa de ilha
ligada ao
ladrão pelo mar...
Sem perder
o gosto e a luta
Pelo doce
dos caminhos –
Direito
que até lagarta tem.
Direito à doçura
Cláudia
Ahimsa
[3º]
O cão
procura e não acha.
O fogo
deixou sequelas no faro.
Sabia voltar
a casa...
E ao
dobrar a esquina rente ao muro...
Que casa?
qual nada!
Uma fumaça
aqui... outra fumaça ali...
Talvez
reconheça nisso
um eco de
voz que resiste.
Escutou na
sala do seu dono
nas ruas
do abandono
tantas
vezes as mesmas palavras:
pátria
ou
morte
Não sei
qual é a capacidade vocabular
de um
bichinho
assim
ferido em seu faro cidadão...
Mas ainda
mais triste que um cão sozinho
perambulando
pela cidade fantasma –
É esse
fumo que fica ali saindo
que fica
ali saindo...
dos
destroços de tudo que se amou.
Terra
queimada
Cláudia
Ahimsa
[6º]
Capaz de ver motivo
de fé
numa âncora:
vigio a navisfera
sob aquele céu
obscuro
dos primitivos.
Os tótens?
Excessivamente pintalgados de sangue:
A caixa dos socorros.
Os mapas das fronteiras com o inferno.
Ah, culto faraônico contra a morte...
Ah, meu nome de paz escrito num tanque
como o de Maiakovski.
Vão, missionários! cingidos
de fuzil e capacete –
vão, que é tarde!
Ó vida marinha! monstros teus –
octopus, cachalotes – Pacífico
ajuda a empurrar
pressiona o casco
arrasta a minha prece
não como fita e flor
das leves oferendas
que vão de barquinho
entre as espumas...
Toda a minha fé agora
é uma fragata e mais outra –
o destróier.
Tropas de paz
Cláudia Ahimsa
[7º]
Capaz de ver motivo
de fé
numa âncora:
vigio a navisfera
sob aquele céu
obscuro
dos primitivos.
Os tótens?
Excessivamente pintalgados de sangue:
A caixa dos socorros.
Os mapas das fronteiras com o inferno.
Ah, culto faraônico contra a morte...
Ah, meu nome de paz escrito num tanque
como o de Maiakovski.
Vão, missionários! cingidos
de fuzil e capacete –
vão, que é tarde!
Ó vida marinha! monstros teus –
octopus, cachalotes – Pacífico
ajuda a empurrar
pressiona o casco
arrasta a minha prece
não como fita e flor
das leves oferendas
que vão de barquinho
entre as espumas...
Toda a minha fé agora
é uma fragata e mais outra –
o destróier.
Tropas de paz
Cláudia Ahimsa
[7º]
Dorme-não-dorme a cidade marítima.
Serão morcegos?
Atonalidades da noite...
Ou são filhotes das arraias?
Angústias insones...
Ou será fragrância?
Música do sândalo
das tuas montanhas –
o que ouço
desse muro de jasmim...
Confusão!
Sei apenas que a brisa
é noctâmbula também.
E sopra números
nos meus ouvidos...
Do zero às estrelas
que contavas
em lugar delas
344 mil e 580 pontos
para a Independência.
Ouço...
Contas-me
para os sonhos...
Tua história de bravos
teu regresso a ti...
Enfim... a boa notícia.
Mais que política – espiritual.
Basta uma noite sem dormir
para merecer uma alegria diurna.
E o mar não para
de revirar suas conchas
e acordar perigos.
Basta uma noite no mar
para entender
o que é desterro.
Domicílio da noite
Cláudia Ahimsa
[8º]
Talvez...
eu pudesse puxar o lençol
até o
supercílio
até a
aurora...
Encontrar
entre silêncios – um
em que se
possa adormecer.
Deixar que
se desfaça ao longe
a imagem
e Vênus no
céu – de fora.
Mas o que
há do rosto longínquo
no meu
não se
encobre com lençol.
Do leste
da ilha
detrás do
mato
me olha
por olhos
vermelhos.
Lágrimas
de sangue
virão comer
os pássaros
se durmo
de janela aberta.
Se apago a
lâmpada
o escuro
esconderá
cavas
olheiras
junto a
buracos no universo.
Amanhã...
não choro.
Regresso
Cláudia
Ahimsa
[10º]
O rosto
desfigurado
não será
esquecido.
Demora...
não importa.
Faremos as
cabeças extirpadas
uma a uma
célula e
célula
neurônio a
neurônio –
Todos de
volta!
As
mulheres violadas
serão de
novo amadas.
Faremos
amor e filhos.
Faremos os
braços
as pernas
arrancadas
par a par
outra vez.
Carne nova
para os lábios!
E a face
do nosso povo
continuará
a sorrir
sobre a Terra.
Avante!
pois.
Cláudia
Ahimsa
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O direito exclusivo de todos os poemas é reservado a Cláudia Ahimsa.
O direito exclusivo de todos os poemas é reservado a Cláudia Ahimsa.
“Cláudia
Ahimsa é uma poetisa que poderia ser timorense porque nela vive a alma e
palpita o coração timorenses, o espírito forte de liberdade e independência,
mas também de muita sensibilidade e generosidade.
Li
os poemas. Mas que coisa mais linda.”
José Ramos - Horta
Nobel da Paz
“Gosto
dos seus poemas,
todos
feitos de amor, sonho
e
fantasia. Dos protestos
que
surgem, que a miséria e
a
opressão tanto justificam.
Todos
a revelar uma
generosidade
admirável.”
Oscar Niemeyer
A VIDA AGARRADA - Cláudia Ahimsa
Seleção
de poemas do livro
A
VIDA AGARRADA
(Rio
de Janeiro: Cacto, 2005)
de Cláudia Ahimsa.
Foto
da capa: Cláudia Ahimsa
Autorretrato sem cabeça com
caranguejos
e pigmento puro IKB (Yves Klein)
sobre a pele
(O direito exclusivo de todos os poemas é reservado a Cláudia Ahimsa)
(O direito exclusivo de todos os poemas é reservado a Cláudia Ahimsa)
1. Cláudia Ahimsa
Por ali
vai a moça com as saias de cem
anos como
a dizer:
– Vamos
brincar de Tempo?
Assar para
sempre o pão
no lenho
posto ao quintal.
Aqui tudo
é moral.
Fazer
geleia com laranjas
colhidas
pela mão.
Temperar
ao fogo a água para o banho
e ler
Lutero à luz de candeeiro.
Lá vai a
moça carregando uma abóbora...
Sua sombra
é a topografia inteira.
Dá vontade
de dizer o nome de Paracelso por extenso:
– Philipus
Aureolos Theophrastus Bombastos von
Hohenheim!
Só diante
de Rembrandt estive perto
da luz que
vem de sua janela.
O cavalo
castanho de seu carro
lambe a
paisagem desmesuradamente limpa.
Queira
este poema assim
descritivo
pois do
que vejo nem é permitido dizer tudo.
O moderno
passa ao longe como um fora-da -lei.
Árvores
exalam plumas e pios.
Prendo a
respiração para parecer-me com isto.
Do sopé da
colina a moça acena
Para a
máquina vermelha e japonesa que comigo dentro
oscila
cem anos para trás
e ao
futuro retorna
por uma dobra do campo
como um
óvni.
Amish people
Filadélfia, Pensilvânia, inverno 1994
Cláudia
Ahimsa
2. Cláudia Ahimsa
A paina
roça suavemente
minha nuca
e passa
levando a
galope de pluma
o mistério
da vida.
Sementes
aladas
Cláudia
Ahimsa
3. Cláudia Ahimsa
Como saber
o que cabe
no peito
daquele passarinho?
Que peso
desde o último pouso
carrega?
Sementes
ossinhos notas musicais.
Como saber
se é velhinho?
Se vaga no
vazio
Se comovido vai...
Ciência
Cláudia
Ahimsa
4. Cláudia Ahimsa
Cogumelos
escuros e aquele bem ali
é bom
veneno...
Um gigante
fúngico cresce sem fim
onde não
vemos...
Na linha
do teu pé esquerdo –
cuidado! a
lagarta cor-de-telha
é uma asa
inacabada.
Pássaro
súbito pondo a vista confusa
bicho-pau
grilo gafanhoto
salto
pálido para dentro do verde
asas lilases
tremeluzentes
lírios que
não afundam
patos que
voam...
Estranha
iniciativa...
Levar pelo
braço
pelo
bosque
dois olhos
ausentes
a passeio.
E se o
lago continuasse? córrego recôndito adentro?
E se a
água se abrisse em flamingos! Eu imaginava...
Como transmigrá-los
para o branco? ou mancha escura?
Seres
cor-de-rosa com asas vermelhas
que de
cabeça invertida se alimentam
de alga
rósea e azul...
Muito já
me constrangiam as joaninhas
e a luz
que há dentro das gotas.
Passava a
guardar os olhos com frequência.
Solvências
piscadelas
apertadas
do fundo
do nervo ótico
detrás da
mácula lútea.
As imagens
iam aos poucos
desaparecendo
da voz
eu
começava a calar maravilhas.
O vermelho
alarmante
a matéria
esvoaçante
vindo em
nossa direção
parecia
vir para entrar...
O pássaro
que perdi
num breve
palpebrear.
Toda a
zoomorfia assombrava
e sumia na
insegurança da poesia
diante de
um cego.
Tão logo -
suspeitei do rosto ao meu lado –
tenso
repleto de espaços...
Então, é
para lá que vão? as coisas
que
perdemos de vista... as fugidiças...
É para
dentro do cego que vão.
(Meus
olhos
contentes
com a descoberta
descansaram.)
Atravessamos
a aleia
como
conchas abissais.
Reconstituição
de um passeio
Cláudia Ahimsa
5. Cláudia Ahimsa
Edwiges
nasceu rica
e na
Baviera.
Casada
desde os 12
com o
príncipe Henrique I
da
Silésia.
Edwiges
pagava tudo e sempre no dia
e mais o
que os pobres deviam.
Tornou-se
Santa por isso.
Muito
justo. Eu sempre digo:
– Só há
Santo interessantíssimo.
E os
devotos então?!
A Santa
dos endividados que o diga:
Uma senhora
de 80 anos
é devota
desde os sete.
– E há
quem deve desde os sete?
Diz o
padre que em tempo de recessão
a devoção
aumenta – cresce a fé na Santa
quando
sobe a inflação!
Clangor
que dá até para medir
a crise
financeira de um País.
Insones
das economias do mundo
que não
saldaram suas dívidas
vão saudar
Santa Edwiges.
Mais ricos
do que foi a duquesa da Silésia! – credores –
que ao
menos a dívida da África seja aliviada – vos peço.
Há os que
só vão agradecer
por não
dever nada.
Outros
dizem nada pedir:
– Só o
caminho.
Para
saldar
16 de outubro
Cláudia
Ahimsa
6. Cláudia Ahimsa
Queimaram
um índio meu
no chão da
cidade.
Meu
porque em
meu sangue uma floresta arde
e na
floresta batem pés e tambores
pedindo
justiça e piedade.
O tribunal
pondera:
crime
hediondo?
ou
brincadeira?
O fogo!
meu senhores –
O fogo é
testemunha
e só
verdade.
Queimaram
um índio meu
no chão da
cidade.
Diga a
eles que
dos filhos
deste solo
és mãe
gentil
Pátria
amada Brasil.
Cinco
meninos
Cláudia
Ahimsa
7. Cláudia Ahimsa
O pássaro
no espinho pousa
e não
sangra
e não
alarma a silhueta da planta
nem aborta
a lenta flor
que ali
dentro se forma
[ou já
flutua
na água
contida?]
Tiro ao
alvo no cacto.
Em verdes
caldos e espinhos
a entidade
explode
e isso
diverte o homem.
O pássaro
é melhor que o homem.
Flagrante
Cláudia
Ahimsa
8. Cláudia Ahimsa
Patos
verdes
vindos do
oriente
nadam
zero
abaixo.
Diz a
cosmogonia
que
possivelmente
restaremos
assim:
enregeladas
plumas
esfera
fria
a vagar
pelo universo
até que
uma esfera quente
nos
consuma –
patos me
consolam
dos
flagelos humanos –
me
extraviam
quando do
gelo
saltam
vão às
nuvens
e retornam
ao lago
congelado
choro
calorosamente.
Cinética
Para Kläre Steinhorst
Cláudia
Ahimsa
9. Cláudia Ahimsa
A boca
costurada disse-me uns versos!
Uma
princesa
com
estrelas de alumínio no cabelo
chorava
lágrimas invisíveis. Mas
do alto de
seu castelete
caiam
plumas. Eu vi.
E desta
vez havia a bondade
que
primeiro procuro no que encontro.
O soldado
em estado de emergência
soprava
bolhas de sabão.
O
equilibrista era gordo
de uma tal
magia bufa e empinava
biscoitos
de polvilho.
E outra
vez havia o equilíbrio
que
Einstein tanto viu entre as esferas.
Imaginas?
O acasalamento
dançado
apenas por duas sombras...
Sombras
apaixonadíssimas. Eu vi.
Do
mamelungo a Karagosh
do Bunraku
de Osaka
aos
títeres da Tailândia
e sempre
acreditei em tudo.
Cada
beijo.
Cada
haste.
Cada mão
em luva preta segurando o desabamento súbito.
Em bonecos
eu confio.
Nos braços
de uma calunga-de-fio
a
vacuidade
a
fortuidade
que só se
confere ao sonho.
Pedaço de
pano feliz? Eu creio.
Caroço de
manga vestido de noiva. Eu caso.
E se
apenas dois traços pintados na falange de um dedo
e se a
boquinha disser:
– Olá,
bons dias!
Respondo.
Com toda a
fiação do meu corpo
sorrio.
Poema
de amor para marionete
Cláudia
Ahimsa
10. Cláudia Ahimsa
O dono do
taxímetro
dono
circunstancial do meu silêncio
no
percurso que àquela rua conduz.
– Sabe que
bicho gosta de viver
naquele
mato?
– Não,
senhor.
– Gambá, e
deve estar cheio deles
ali.
De
passagem, mal se vê
o
emaranhado verde no escuro.
Duas
amendoeiras se entrosam
sobre o
teto de zinco.
Fito.
De verbo
quase em desuso.
“Rubião
fitava a enseada.”
E o
elevado decliva
na Enseada
de Botafogo
constelada
de penumbras. Entro
pela
palavra gambá – entro no poema
com táxi e
tudo.
– Gambá
come galinha, não é mesmo? –
Ouvi dizer
que quem tem galinheiro
costuma
atirar em gambá...
– É um
problema matar esse bicho,
disse,
compungido.
– Fede?
– Não, não
por isso.
Um dia,
pensei – é feio – é mesmo que um
ratinho e
matei só por matar. Um horror.
Ele chora.
Chora alto. Morre chorando. Eu vi,
os olhos
brilhavam. Eu vi as lágrimas. Não, não.
Um horror
(Enseados
afundamos
em ruas
cinco
esquinas em silêncio até o portão)
A cidade
tornaria a entrever no escuro
o
olhar
de um dos
animais mais antigos da Terra.
Contemporâneo
nosso e do tiranossauro!
Em alguma
amendoeira carregada de súplica...
No espelho
retrovisor daquele táxi.
História
natural
Cláudia
Ahimsa
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