Adélia Prado e Antonio Fabiano (Divinópolis, 2012)
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quarta-feira, 13 de dezembro de 2023
terça-feira, 13 de maio de 2014
"MIÚDOS COMO GRÃOS DE ARROZ"...
"Woman head with earrings"
Amedeo Modigliani, 1917
Oil on canvas - 46 x 30 cm
P. C. Paris
PINGENTES DE CITRINO
Tão lírica minha vida,
difícil perceber onde sofri.
Depois de décadas de reprimido desejo,
furei as orelhas.
Miúdos como grãos de arroz,
brinquinhos de pouco brilho
me tornaram mais bondosa.
Fora minhas irmãs,
que também pagam imposto
ao mesmo comedimento,
quase ninguém notou.
Fiquei mais corajosa,
igual a mulheres que julgava levianas
e eram só mais humildes.
Adélia Prado
Do livro: MISERERE
(Ed. Record, 2013)
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013
terça-feira, 13 de dezembro de 2011
LUGAR
“Meu bem supremo é o lugar
onde sonhar é a máxima vigília.”
Adélia Prado
(Do poema "A noiva". In: "A duração do Dia". Rio de Janeiro: Record, 2010).
onde sonhar é a máxima vigília.”
Adélia Prado
(Do poema "A noiva". In: "A duração do Dia". Rio de Janeiro: Record, 2010).
quinta-feira, 1 de setembro de 2011
MEDITAÇÃO À BEIRA DE UM POEMA – Adélia Prado
Podei a roseira no momento certo
e viajei muitos dias,
aprendendo de vez
que se deve esperar biblicamente
pela hora das coisas.
Quando abri a janela, vi-a,
como nunca a vira,
constelada,
os botões,
alguns já com o rosa-pálido
espiando entre as sépalas,
joias vivas em pencas.
Minha dor nas costas,
meu desaponto com os limites do tempo,
o grande esforço para que me entendam
pulverizaram-se
diante do recorrente milagre.
Maravilhosas faziam-se
as cíclicas, perecíveis rosas.
Ninguém me demoverá
do que de repente soube
à margem dos edifícios da razão:
a misericórdia está intacta,
vagalhões de cobiça,
punhos fechados,
altissonantes iras,
nada impede ouro de corolas
e acreditai: perfumes.
Só porque é setembro.
In: PRADO, Adélia. “Oráculos de Maio”, Rio de Janeiro: Record, 2007, pp. 33-34.
Publicado neste blog com licença da Autora.
e viajei muitos dias,
aprendendo de vez
que se deve esperar biblicamente
pela hora das coisas.
Quando abri a janela, vi-a,
como nunca a vira,
constelada,
os botões,
alguns já com o rosa-pálido
espiando entre as sépalas,
joias vivas em pencas.
Minha dor nas costas,
meu desaponto com os limites do tempo,
o grande esforço para que me entendam
pulverizaram-se
diante do recorrente milagre.
Maravilhosas faziam-se
as cíclicas, perecíveis rosas.
Ninguém me demoverá
do que de repente soube
à margem dos edifícios da razão:
a misericórdia está intacta,
vagalhões de cobiça,
punhos fechados,
altissonantes iras,
nada impede ouro de corolas
e acreditai: perfumes.
Só porque é setembro.
In: PRADO, Adélia. “Oráculos de Maio”, Rio de Janeiro: Record, 2007, pp. 33-34.
Publicado neste blog com licença da Autora.
segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
MINAS NÃO TEM MAR, NEM PRECISA!
Uma distinta senhora mineira escreve versos, não quaisquer versos... Sua pena é de ouro! O Espírito até pode ser de Deus, mas há direitos humanos, a letra é dela. E o que ela diz toca os corações das gentes. Por quê?
Toda poesia nasce em condições pra lá de especiais. Quem a recebe deve saber-se humilde e simplesmente poeta, nada mais. A poesia, a verdadeira poesia, ultrapassa o seu arauto, vai muito além do emissário, não sendo ele mais que essa tocha em cujo corpo arde o fogo sagrado que depois se espalha. Não fosse assim, o poema duraria somente o tempo do poeta, não atravessaria séculos, milênios...
Doma-se às vezes a técnica, nunca o dom. Este é como o vento que ninguém – nem mesmo os agraciados – sabe de onde vem, nem para onde vai. Ninguém detém seu poder impulsivo, que para alguns só pode vir de Deus ou ser Deus mesmo.
Os bons poetas são pessoas que recebem a poesia exatamente como ela se dá. Isto é, no dizer de alguns: não lhe forçar a barra, não lhe pôr enfeites. Tal abertura de espírito, tal simplicidade, explica porque essas pessoas fascinam... E é bem verdade: na sua incrível leveza, a poesia não se deixa aprisionar, ou, como ave rara, uma vez presa, não canta, deixa de ser, ou não vem a ser o que deveria. A poesia quando se torna presa (refém de qualquer coisa ou ideologia), não encanta mais.
Quando na vida da gente ela acontece (e não importa se sua ou feita por outrem), quando somos tocados pelo tilintar de seus sininhos, e de tanto entendermos já não entendemos nada, aí, finalmente, experimentamos que toda a vida é arte, qual seja o vice-versa da questão (quem imita quem), somos artistas neste grande espetáculo, a interpretar bem ou mal nossos papéis (donas doidas, riobaldos...). Diante de algo assim sente-se imensa gratidão! Porque a poesia nos redime e nos salva, ela nos tira dos abismos mais fundos; vem nos dizer que esta vida é possível e vale; e nela só não basta o que não for tocado pelo seu condão. Não importa o que aconteça, poesia há, para tudo e para todos. E se um poeta cala, em seu lugar as pedras gritarão.
Mas isto não quer dizer que alguém assim, tornado tão especial pela graça que lhe advém, em dado momento da vida não tenha de lidar com o que em termos mais simples podemos chamar de falta de inspiração... Só os muito elevados padecem disso, como só os muito subidos na vida espiritual conhecem a noite escura do espírito de que falou o grande poeta espanhol, meu pai São João da Cruz. Grandes poetas e os mais avançados espiritualmente (de qualquer credo, filosofia ou religião), estes e aqueles, não tenho dúvida, são místicos, tocam a alma da vida.
Toda vez que nos deparamos neste mundo com alguém que soube ser dócil a essa delicadeza e a ela se entregou sem falsidade ou interesse avulso, podemos celebrar tal acontecimento como à chegada de um filho primogênito, espantosa novidade, ou o retorno desse filho a casa, indizível alegria!...
A distinta senhora mineira de quem falei devotou sua vida à beleza da poesia. Mas tão naturalmente, que olhar pra ela é ver em claro espelho a arte mesma que anuncia! Sem pressa nem dilação, anda em passo certo esta minha senhora! A alguns Deus os quer poetas desse naipe!... Graças, graças à sua lira!...
E poesia assim tão experimentada, tão clara e viva, só aos puros de coração Deus concede. Eu creio nisso. Aqui aconteceu. Aqui, eu digo, em Minas Gerais. Terra que não tem mar, nem precisa! É verdade, Minas não tem mar, mas Minas tem Adélia. Terra que tem Adélia não precisa de mar.
À distinta senhora mineira, no dia de seus anos...
Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 13 de dezembro de 2010.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com
Toda poesia nasce em condições pra lá de especiais. Quem a recebe deve saber-se humilde e simplesmente poeta, nada mais. A poesia, a verdadeira poesia, ultrapassa o seu arauto, vai muito além do emissário, não sendo ele mais que essa tocha em cujo corpo arde o fogo sagrado que depois se espalha. Não fosse assim, o poema duraria somente o tempo do poeta, não atravessaria séculos, milênios...
Doma-se às vezes a técnica, nunca o dom. Este é como o vento que ninguém – nem mesmo os agraciados – sabe de onde vem, nem para onde vai. Ninguém detém seu poder impulsivo, que para alguns só pode vir de Deus ou ser Deus mesmo.
Os bons poetas são pessoas que recebem a poesia exatamente como ela se dá. Isto é, no dizer de alguns: não lhe forçar a barra, não lhe pôr enfeites. Tal abertura de espírito, tal simplicidade, explica porque essas pessoas fascinam... E é bem verdade: na sua incrível leveza, a poesia não se deixa aprisionar, ou, como ave rara, uma vez presa, não canta, deixa de ser, ou não vem a ser o que deveria. A poesia quando se torna presa (refém de qualquer coisa ou ideologia), não encanta mais.
Quando na vida da gente ela acontece (e não importa se sua ou feita por outrem), quando somos tocados pelo tilintar de seus sininhos, e de tanto entendermos já não entendemos nada, aí, finalmente, experimentamos que toda a vida é arte, qual seja o vice-versa da questão (quem imita quem), somos artistas neste grande espetáculo, a interpretar bem ou mal nossos papéis (donas doidas, riobaldos...). Diante de algo assim sente-se imensa gratidão! Porque a poesia nos redime e nos salva, ela nos tira dos abismos mais fundos; vem nos dizer que esta vida é possível e vale; e nela só não basta o que não for tocado pelo seu condão. Não importa o que aconteça, poesia há, para tudo e para todos. E se um poeta cala, em seu lugar as pedras gritarão.
Mas isto não quer dizer que alguém assim, tornado tão especial pela graça que lhe advém, em dado momento da vida não tenha de lidar com o que em termos mais simples podemos chamar de falta de inspiração... Só os muito elevados padecem disso, como só os muito subidos na vida espiritual conhecem a noite escura do espírito de que falou o grande poeta espanhol, meu pai São João da Cruz. Grandes poetas e os mais avançados espiritualmente (de qualquer credo, filosofia ou religião), estes e aqueles, não tenho dúvida, são místicos, tocam a alma da vida.
Toda vez que nos deparamos neste mundo com alguém que soube ser dócil a essa delicadeza e a ela se entregou sem falsidade ou interesse avulso, podemos celebrar tal acontecimento como à chegada de um filho primogênito, espantosa novidade, ou o retorno desse filho a casa, indizível alegria!...
A distinta senhora mineira de quem falei devotou sua vida à beleza da poesia. Mas tão naturalmente, que olhar pra ela é ver em claro espelho a arte mesma que anuncia! Sem pressa nem dilação, anda em passo certo esta minha senhora! A alguns Deus os quer poetas desse naipe!... Graças, graças à sua lira!...
E poesia assim tão experimentada, tão clara e viva, só aos puros de coração Deus concede. Eu creio nisso. Aqui aconteceu. Aqui, eu digo, em Minas Gerais. Terra que não tem mar, nem precisa! É verdade, Minas não tem mar, mas Minas tem Adélia. Terra que tem Adélia não precisa de mar.
À distinta senhora mineira, no dia de seus anos...
Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 13 de dezembro de 2010.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com
BALIDO - Adélia Prado
Setenta anos redondos,
assim não se quebra o verso.
Na verdade tenho mais.
E então?
Respeito me insulta,
repele fantasias de rapto,
namoros no jardim cheirando a malva.
Quero um paranormal a me ensinar piano,
Consuelo dá aulas, mas seu toque é um martelo
e eu venero pianos.
Mãe não rima com nada,
nem velha,
só aparece telha, ovelha, orelha,
nada que preste. Cansei.
Tem um senhor distinto
querendo arrasar meu ego.
Com certeza minto.
Volta e meia estou perplexa
e toda rima que achei é circunflexa.
Adélia Prado
A duração do dia (2010)
Poema publicado neste blog com licença da Autora
assim não se quebra o verso.
Na verdade tenho mais.
E então?
Respeito me insulta,
repele fantasias de rapto,
namoros no jardim cheirando a malva.
Quero um paranormal a me ensinar piano,
Consuelo dá aulas, mas seu toque é um martelo
e eu venero pianos.
Mãe não rima com nada,
nem velha,
só aparece telha, ovelha, orelha,
nada que preste. Cansei.
Tem um senhor distinto
querendo arrasar meu ego.
Com certeza minto.
Volta e meia estou perplexa
e toda rima que achei é circunflexa.
Adélia Prado
A duração do dia (2010)
Poema publicado neste blog com licença da Autora
CONSTELAÇÃO - Adélia Prado
Olhava da vidraça
derramar-se a Via Láctea
sobre a massa das árvores.
Por causa do vidro, da transparência do ar,
ou porque me nasciam lágrimas,
tinha a impressão de que algumas estrelas
mergulhavam no rio,
outras paravam nos ramos.
Passageiros dormiam,
eu clamava por Deus
como o cachorro que sem ameaça aparente
latia desesperado na noite maravilhosa:
Ó Cordeiro de Deus, ó Cruzeiro do Sul,
ó Cordeiro, ó Cruzeiro!
Como o cão, minha língua ladrava
à aterradora beleza.
Adélia Prado
A duração do dia (2010)
Poema publicado neste blog com licença da Autora
derramar-se a Via Láctea
sobre a massa das árvores.
Por causa do vidro, da transparência do ar,
ou porque me nasciam lágrimas,
tinha a impressão de que algumas estrelas
mergulhavam no rio,
outras paravam nos ramos.
Passageiros dormiam,
eu clamava por Deus
como o cachorro que sem ameaça aparente
latia desesperado na noite maravilhosa:
Ó Cordeiro de Deus, ó Cruzeiro do Sul,
ó Cordeiro, ó Cruzeiro!
Como o cão, minha língua ladrava
à aterradora beleza.
Adélia Prado
A duração do dia (2010)
Poema publicado neste blog com licença da Autora
ESPLENDORES - Adélia Prado
Toda compreensão é poesia,
clarão inaugural que névoa densa
faz parecer velados diamantes.
Em pequenos bocados,
como quem dá comida a criancinhas,
a beleza retém seu vórtice.
São águas de compaixão
e eu sobrevivo.
Adélia Prado
A duração do dia (2010)
Poema publicado neste blog com licença da Autora
clarão inaugural que névoa densa
faz parecer velados diamantes.
Em pequenos bocados,
como quem dá comida a criancinhas,
a beleza retém seu vórtice.
São águas de compaixão
e eu sobrevivo.
Adélia Prado
A duração do dia (2010)
Poema publicado neste blog com licença da Autora
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
EM TEMPO: UMA PRECIOSIDADE...

Olá, pessoal! Já falei desta preciosidade aqui em nosso blog (revejam as publicações de setembro). A DURAÇÃO DO DIA é o mais recente livro de Adélia Prado e saiu este ano mesmo pela EDITORA RECORD. Resolvi hoje postar a capa (divulgação), para encorajá-los a adquirirem a obra. A concepção da capa é da própria Adélia Prado. Em dezembro o blog trará mais novidades sobre a autora...
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
ADÉLIA PRADO, IGUAL A ELA MESMA.

Adélia Prado em imagem do Programa Sempre um Papo disponível na Web
ADÉLIA PRADO nasceu em Divinópolis - MG, em 13 de dezembro de 1935. Filha do ferroviário João do Prado Filho e de Ana Clotilde Corrêa. Perdeu a mãe em 1950 e, a partir de então, escreveu versos. Fez o curso de Magistério, de 1951 a 1953, dando aulas logo em seguida. Em 1958 casou-se com José Assunção de Freitas. Na década de 1960 começou a estudar filosofia, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Divinópolis. Em 1972 perdeu o pai. Formou-se em 1973. Por essa época enviou originais dos seus poemas a Affonso Romano de Sant’Anna, que os fez chegar ao poeta Carlos Drummond de Andrade. Este último, por sua vez, os recebeu com grande entusiasmo e reclamou urgente publicação. O resultado dessa ventura é a grande obra inaugural de Adélia, “Bagagem” (1976), que começa com estes versos de impacto:
COM LICENÇA POÉTICA
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
Lança-se Adélia Prado, madura, já mãe de cinco filhos e consciente do fazer poético. “Não sou matrona, mãe dos Gracos, Cornélia, / sou é mulher do povo, mãe de filhos, Adélia.” (Bagagem, ‘Grande desejo’). O livro “Bagagem” foi publicado no Rio de Janeiro, e em seu lançamento estiveram presentes, dentre outras pessoas, Antônio Houaiss, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Raquel Jardim, Nélida Piñon, Juscelino Kubitscheck, Affonso Romano de Sant'Anna, Alphonsus de Guimaraens Filho.
Em 1978 lançou “O coração disparado”, ganhador do Prêmio Jabuti de melhor livro de poesia. Não parou mais de escrever, poesia e prosa. Outros livros de POESIA: “Terra de Santa Cruz” (1981). “O pelicano” (1987). “A faca no peito” (1988). “Poesia reunida” (1991). “Oráculos de maio” (1999). “A duração do dia” (2010). Em PROSA: “Solte os cachorros” (1979). “Cacos para um vitral” (1980). “Os componentes da banda” (1984). “O homem da mão seca” (1994). Manuscritos de Felipa (1999). “Prosa reunida” (1999). “Filandras” (2001). “Quero minha mãe” (2005). “Quando eu era pequena” [infantil] (2006). Os livros de Adélia Prado estão sendo agora editados ou reeditados pela Record. Alguns de seus trabalhos foram traduzidos para outras línguas, além de seu nome constar em várias antologias. O espetáculo “Dona doida: um interlúdio”, baseado em textos de Adélia Prado, foi encenado por Fernanda Montenegro, com grande sucesso no Brasil e no exterior, em 1987. Em 2000, Adélia gravou “O tom de Adélia Prado”, CD no qual recita poemas de “Oráculos de maio”. Em 2003, “O sempre amor”. Ambos pelo selo Karmim.
Profundamente religiosa (cristã católica), sua poesia é marcada pelo sagrado. Deus é personagem maioral em sua obra. Mas equivoca-se quem pensa que esta é panfleto de ideologias ou via de proselitismo à fé que a autora em nível pessoal professa convictamente. Leituras pouco profundas, nesse sentido, foram feitas até por bons críticos, mas são por si mesmas insustentáveis.
Também o cotidiano adquire relevância em sua criação: “Eu só tenho o cotidiano e meu sentimento dele. Não sei de alguém que tenha mais.”, diz com frequência. Antes de ressurgir com o livro “O homem da mão seca” (1994), Adélia passou por um difícil tempo de “desolação”, um longo silêncio, período em que ficou sem publicar nada: “você quer, mas não pode. Contudo, a poesia é maior que o poeta, e, quando ela vem, se você não a recebe, este segundo inferno é maior que o primeiro, o da aridez.”
Críticas, toda pessoa importante as sofre, tão mais quanto seja exposta às vistas alheias no muito grande que faz. Há quem não entenda que alguns fazem a arte que podem, outros a que querem, porque podem e sobra talento. Adélia pertence a este grupo de abastados. Delineou cedo seu rumo poético, muniu-se de bagagem própria (não alheia), é coerente naquilo que faz e não desvirtuou sua opção para agradar a quem quer que fosse. É precário dizer que ela se fez “refém” das influências primeiras que jamais negou. Drummond? Guimarães Rosa? Quem dentre vós (maiores e melhores do meu país) nunca tiver devido algo a eles, que atire a primeira pedra! Mas, antes de tudo e como eles, Adélia é mineira! Nasceu sabida dessa “mineirice” inimitável. Ela só é igual a ela mesma. Reside talvez aí a dificuldade de enquadrá-la no cânon previsível de qualquer das escrituras cristalizadas. E isso é insuportável para alguns que não sabem o que fazer com a poesia desta mulher. Se avexem não, nós não críticos sabemos! (Antonio Fabiano)
[Algumas informações biográfica e as "falas" da autora foram coletadas dos seus livros editados pela Record].
Antonio Fabiano
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com
“A DURAÇÃO DO DIA” (2010) – ADÉLIA PRADO.

Adélia Prado (Foto Divulgação)
“Sem avisos se mostra / a duração perfeita, / forma que de si mesma se acrescenta / e na mesma medida permanece.” (O vivente, p. 81).
“A duração do dia” (2010) é o mais recente livro de versos de Adélia Prado. Uma boa surpresa! Pelo título somos imediatamente levados a crer que, como nas obras anteriores, aí também se privilegiará a temática do cotidiano. E é o que acontece. Ao lado disso vem com acentuada força o seu outro bordão predileto, de teor religioso: a experiência de Deus. Esta, em “A duração do dia”, parece dramaticamente intensificar-se. É curioso o sofrível latente, na gozosa relação entre Deus e sua criatura (amada). O livro é dividido em grupos de poemas que se separam por citações em sua maioria bíblicas. Tais blocos não possuem títulos como nos livros anteriores. É uno o dia, transcorre ininterrupto. Letras santas ou falas norteiam-no, sutilmente, sem qualquer ruptura ou ideia de capitulação.
O poema de abertura já nos coloca diante de um “eu” que se esconde “no porão / para melhor aproveitar o dia”, “pra rezar, / agradecer a Deus este conforto gigante.” (Tão bom aqui, p. 9). O enfoque recai sobre o mínimo: “Eu só quero saber do microcosmo, / o de tanta realidade que nem há. / Na partícula visível de poeira / em onda invisível dança a luz.” (idem). Este paralelo “visível - invisível” atravessará “A duração do dia”, é um problema de fundo e moção na obra. Não se busca no entanto uma solução, frui-se o problema. Nisto, de fato, vemos que, se a predileção recai sobre o pequeno (mínimo), este é paradoxalmente potência motora do “dia” e tem matiz evangélico: “minha fortaleza é a da mostarda. / Um grão.” (O noviço e a abstinência de preceito, p. 44).
No primeiro momento desta obra, “As matemáticas suplantam as teologias / com enorme lucro para minha fé.” (Uma janela e sua serventia, p. 10). Ou, “Como oráculos bíblicos, / os paradoxos da física me confortam.” (Pensamentos à janela, p. 19). Visão romanesca da ciência quântica. Alternam-se luzes e lágrimas, reminiscências nostálgicas ou muito boas da explicitada mulher, a sombra de Deus aterradora e aprazível, as contradições do amor. Este livro não se exime de trazer-nos sobejados ecos de outros tantos da autora, diga-se de passagem. Tudo, porém, revestido de uma “coisa” nova (original), certo entretom em sua voz poética, algo sutilizado na maioria dos versos, mas bem perceptível ao leitor iniciado de Adélia Prado. Pode causar algum estranhamento, isso, mas é bom.
“Deus há! E pode que haja o diabo, / o que não tem é morte.” (Como um parente meu, um Riobaldo, p. 17). A presença da morte, pela sua aproximação ou memória dos que já se foram (ancestrais revivem), é reincidente no conjunto desta obra, mas nem de longe tem aí seu triunfo. Exceto em fala irônica (cf. Rua do Comércio, p. 48) ou de tentação (cf. Anjo mau, p. 71). A morte é “a que não existe.” (Epigráfico, p. 33). Ou, “Só morrem os muito velhinhos / que pedem pra descansar.” (Aqui, tão longe, p. 21). Ela é uma insistente sombra no “dia”, sem dúvida, mas tanto como o tempo é relativizada: “não se tem certeza de que vamos morrer, / (...) / São os relógios / o mais obsoleto dos inventos.” (Dádivas, p. 42). Todo o mais é cotidiano poetizado, metamorfoseado pelo maravilhoso de uma “memória dourada” que traz “mentira meio existida, / verdade meio inventada.” (Aqui, tão longe, p. 21). Não importa se faz noite neste “dia” de Adélia Prado: “Estrelas na escuridão são ícones potentes.” (Pensamentos à janela, p. 19). Importa “que amanhã seja outro dia, / igual a este dia, igual, / igual a este dia, igual.” (Aqui, tão longe, p. 22).
No livro aparece ainda o drama em palavras da palavra que não (?) acontece. Em face da luz eterna “Quis dizê-la e não pude, / ingurgitada de palavras / minha língua se confundia. / (...) / Aquiesci gozosa, / a língua muda, / a folha branca, / a mão pousada” [o poema “termina” sem ponto final] (Divinópolis, p. 13-14). Esse drama é a luta da “escrivã” (poeta) pelo sentido mais profundo das coisas. “A beleza transfixa, / as palavras cansam porque não alcançam, / e preciso de muitas pra dizer uma só.” (A escrivã na cozinha, p. 25). Sabe-se desde sempre que “as palavras são dúbias” (O clérigo, p. 50). Luta-se com elas, como Jacó lutou com Deus (se me permitem essa imagem bíblica). Diz-se: “Perdi a conta das vezes / que retomei esta escritura / sem avançar de sítios pantanosos, / (...) / Foi ontem e já tem cem anos, / faz um minuto só, / foi agora e foi nunca, / jamais aconteceu, / não há, não houve,” porque, para além de brincar com a atemporalidade das melhores letras, no “dia” de Adélia Prado “o que não tem palavras não existe.” (Nem parece amor, p. 92). Note-se ainda o problema da palavra, complexificado, em “(...) língua / para todas as línguas traduzível / sem prejuízo” (cf. Querido louco, p. 93).
Se nos deparamos com certa insuficiência das línguas ante o inefável, é natural que até as matemáticas do primeiro momento não mais possam dar conta do milagre em evolução: “Neurônios não explicam nada.” (A escrivã na cozinha, p. 25). E o que dizer de versos como estes: “Como o cão, minha língua ladrava / à aterradora beleza.” (Constelação, p. 87)? O drama da palavra, em face do indizível, é vivido em modulações de gozosa agonia, como todo o mais deste “dia”. Tal ira aplaca-se, no entanto: “E só Vos dei palavras, ó Deus santo. / Quando achei que exigíeis / cabeças sanguinolentas, / um punhado de versos aplacou-nos.” (O penitente, p. 65). A conclusão não poderia ser outra: “Toda compreensão é poesia, / clarão inaugural que névoa densa / faz parecer velados diamantes.” (Esplendores, p. 88). Sobrevive-se.
O sofrimento é também lugar comum no “dia” duradouro deste livro: “Avia-te para sofrer – conselho pra distraídos –, / cristãos já sabem ao nascer / que este vale é de lágrimas.” (A escrivã na cozinha, p. 26). Esta agonia – sempre gozosa – de ser ou existir no mundo é, inclusive, partilhada por solidário Deus. O sofrimento não parece ser anômalo ao “dia” adeliano, é parte de seu mistério. Como o medo: “Ter medo é saber do inaudito, / ninguém até hoje explica / por que batem as pálpebras.” (Epigráfico, p. 33). Em todo o contraste vivido na obra, confessa-se sem pejo: “estou feliz e dói.” (Olhos, p. 29). Dói, mas nunca em sentido totalmente negativo. Dói dor saudável e previsível, como a dor de um parto.
É, pois, a consciência ou suspeição de um “plus” divino, o que dinamiza esta obra, movimentando personagens e demais coisas. Isso transubstancia toda a realidade habitual, deifica o mundo das rotinas e chega, com similar naturalidade ou estático espanto, aos sacrários e às cozinhas da existência humana. Igual.
O mundo com todos os seus desvãos é a passarela basilar das múltiplas formas de “cotidianização” deste “eu” lírico, na obra de Adélia Prado. Inclusive o divino é “cotidianizado”. Assim, Deus muitas vezes é feito à imagem e semelhança do homem, ou talvez devamos admitir que o humano é mesmo divino e feito de Deus. As duas leituras são possíveis na obra, não há aí qualquer incompatibilidade. Não obstante alguma coisa, este mundo/tudo (em seu viés original) é assentido: “que bom estar no mundo / a esta hora do dia! / De maneira perfeita tudo é bom” (Dádivas, p. 42).
No “dia” põe-se então holofotes sobre o que já está aí. Nada de grande se inventa, maravilha-se do que há. É a trama das coisas que se enfoca, quase sempre a partir da ótica da mulher, seja a perspectiva feminina ou virilizada. Esse mundo é, portanto, palco da ação de Deus (às vezes “deus”), que se apresenta ora amoroso, terno, ora terrível em seu poder e rigor antigos. Aqui a experiência de Deus é a experiência do sentido radical da existência/vida, sem qualquer divórcio entre sagrado e profano. Se o Deus da obra é onipotente em suas epifanias, cuja glória até chega a doer, ele também é um Deus carente: “É Ele, Deus, quem me dói pedindo amor / como se fora eu Sua mãe e O rejeitasse.” (Consanguíneos, p. 99). Há aí sobejante cumplicidade: “Jungidos como estamos em formidável parelha, / enquanto Ele não dorme eu não descanso.” (idem).
O corpo tem neste livro a mesma visibilidade nunca preterida na vasta obra adeliana: “Este é meu corpo, / corpo que me foi dado / para Deus saciar sua natureza onívora. / Tomai e comei sem medo, / na fímbria do amor mais tosco / meu pobre corpo / é feito corpo de Deus.” (A necessidade do corpo, p. 28). Dir-se-ia, em jargão tomista, que este corpo é transubstanciado, torna-se corpo de Deus, hóstia viva (não por acaso aí também figuram as palavras evangélicas da ceia eucarística, ditas em cada missa: “tomai e comei”). O corpo é sacralizado pela presença/ação de Deus. A carne (visível) dá sentido ao mais sagrado (invisível), e o que não alcança isso é vão: “Contra o que se sente / toda filosofia é mesmo vã, / o livro é sagrado / quando o que apregoa / é revelado na carne” (Epigráfico, p. 33). A carne não é prescindida pelo esplendor epifânico. O ápice deste é, mais que tudo, encarnação!
“A duração do dia” sugere ainda reclusão: fala-se a partir do porão, de dentro da casa, de dentro de si, de trás das vidraças, das não poucas janelas etc. Porém nunca se insinua aprisionamento, tudo se reveste de serenidade e até resignações heróicas. Quando há sentimento diverso, este participa do que chamei de “agônico gozoso”. É o bom multifacetado nas contradições de um mesmo “dia”.
A condição humana é exposta de modo desconcertante em toda a obra de Adélia Prado. A grande extensão do mistério humano se mostra em dramático teor psicológico igualmente profundo aqui. Bastam estes versos para ilustrar o que se diz: “Quem me dera os lobos fossem fora de mim, / bastava um pau e os afugentaria. / Mas seus fantasmas é que uivam inalcançáveis.” (Alcateia, p. 73). Dentro. E fundo.
Alvíssaras chegam na hora boa. Neste livro como em outros da autora, a misericórdia se mostrará intacta e a salvação vaza para todos os lados, ainda que custe a suspensão do “dia” no sono do Cordeiro/pastor e esquecimento dos pecados: “A salvação, mais que viável, / é certa para santos e réprobos.” (A suspensão do dia, 78).
Pode não agradar a todos (o que é normal), mas este é um livro maduro, bom, de quem está muito segura do que faz e sabe o que quer. Alguns de seus poemas erigem-se tão acima da média, que podem figurar em qualquer antologia. Adélia escreveu a poesia dela (nossa), como ela mesma (a poesia) pediu para ser escrita. Sem artifícios. Sem enfeites. Só poesia. Nuinha. Três versos do mesmo livro, aplicados aqui a nosso propósito, serviriam para sintetizar em clímax “A duração do dia”: “a lâmpada de repente partindo-se / com estrondo e multiplicado clarão, / tudo sequencial, tudo no mesmo dia!” (Credo, p. 31).
Dancemos com essa luz. Amém.
(Bibliografia das citações: PRADO, Adélia. “A duração do dia”. Rio de Janeiro: Record, 2010.)
Antonio Fabiano
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com
ADÉLIA PRADO EM ENTREVISTA A ANTONIO FABIANO
Adélia Prado - Fotografia de Antonio Fabiano
ANTONIO FABIANO: Quando li aqueles versos do seu novo livro – “Minha mãe a minutos da morte me ordenou profética: / ‘Vai calçar um trem, / agora mesmo a casa enche de gente’” – fui tomado por um sentimento tal de urgência e ressurreição. Naquela noite me senti como uma represa que, depois de um imenso estampido, estoura e se derrama pelos mundos... Sua palavra poética tem inimaginável força. É neste espírito que começo a entrevista...
(silêncio)
Adélia, o seu legado poético é indisfarçável. Sua obra tornou-se adulta, autônoma, parece não mais precisar de nada. Explico-me... Sua voz – para além de você mesma, a poeta – já é dona de si e pode ir sozinha aos confins do mundo. É como a grande profecia do profeta, que cresce e sobrepuja o seu arauto, sendo inclusive esta a glória do arauto. O tom de Adélia já possui, a meu ver, aquela afinação inconfundível dos bons poetas, dos poetas maduros que podem tudo e já não devem nada a ninguém... Destes anos todos de poesia, como você vê seu próprio itinerário? Como você se vê diante do estarrecedor milagre dessa obra?
ADÉLIA PRADO: Toda vida ‘soube’ que a poesia é maior que o poeta. Crer nisso me descansa. A poesia é mesmo um milagre, epifania, algo terrível na sua beleza que de repente se mostra. Czeslaw Milosz falou disso e usei seus versos como epígrafe geral do livro. Como me sinto? Pequena e imensamente feliz, sou o ‘pobre de blusa nova ganhada’.
ANTONIO FABIANO: Dizem que escrever é muito perigoso. Você concorda com isso? Em sua relação com a palavra, já experimentou alguma vez o fracasso? Se sim, como o transpôs?
ADÉLIA PRADO: É muito perigo se você frauda o trabalho colocando-o a serviço de ideologias, doutrinas filosóficas ou religiosas, quando visa resultados, porque arte é “expressão pura”. Engajá-la é crime de lesa poesia. É perigoso porque conspurca sua natureza, que obedece a leis mais altas que as do seu desejo. Fracassar é não conseguir dizer. Quando acontece, para-se e espera-se que a forma se mostre de maneira perfeita. Uma vez publiquei em um livro uns três poemas, que refiz em nova edição, por causa de uma advertência crítica que acolhi. Uma pedrada no meu orgulho, mas foi ótimo também. Percebi que havia versos sobrando e a poesia não tolera excessos. Pequei por entusiasmo, mas pequei.
ANTONIO FABIANO: Alguns escritores são lidos e respeitados, o que já é muito. Você, além disso, é amada e conta com uma legião de interlocutores que gostam da sua palavra e pessoa, a mulher. O que digo não acontece apenas aqui em Minas, onde os nomes de Adélia Prado e Deus se confundem (risos), mas constato a mesma dileção, o mesmo respeito, em quase todo lugar aonde tenho ido. A que você atribui esse fascínio que exerce, mesmo sem querer, sobre tantas pessoas de boa vontade? E como lida com isso?
ADÉLIA PRADO: Bom, pessoas de boa vontade são para isso mesmo. Para amar tudo, inclusive essa senhora mineira. Espero que não por condescendência – o que não seria amor – mas por causa da poesia, ela sim, de natureza amorosa, fraterna, que a nada e a ninguém exclui, provocando em nós a alegria da comunhão humana. Lido com isso dando graças.
ANTONIO FABIANO: Seu público é eclético, vai de intelectuais de peso a pessoas sem tais pretensões e até analfabetas. Estas e aqueles captam sua poesia sem embargos, relacionam-se com ela da veneração religiosa à crítica mais mordaz. Você é lida na academia e nas cozinhas do povo, concomitância esta que é impressionante e muito rara. Qual o segredo dessa fluência, tão ambicionada pela maioria dos escritores e alcançada, mesmo dentre os melhores, por pouquíssimos?
ADÉLIA PRADO: O segredo só pode estar na poesia. Tenho certeza.
ANTONIO FABIANO: Uma pergunta inevitável... Como se dá a relação de sua obra literária com a mística cristã? Sua espiritualidade pessoal interfere na obra, ou a obra é antes geradora dessa vivência religiosa que nos testemunha?
ADÉLIA PRADO: A arte (a poesia) é religiosa na sua natureza íntima e não por causa do tema, do enredo, da casuística. Não é porque falo em Deus, em religião, ou devoções que um poema é religioso, mas por causa da forma, que não é formato, mas a própria beleza, escopo de toda arte. Experimentar a forma, a beleza é experimentar um centro de significação e sentido que alegra, consola e nos aponta para algo (acredito que Deus), a pessoa divina que nos fala através da obra, coisas como: a vida é eterna, ressurgiremos, a beleza de agora é apenas sinal, pegada da verdadeira beleza, a que nos aguarda ao final de nossa vida. A mística e as obras dos místicos são experiências poéticas e portanto religiosas. Os salmos são poesia. Um poema falando de um homem no seu cavalo ou de ondas do mar pode levar-nos a um sentimento de reverência diante do mistério e isso é religioso.
ANTONIO FABIANO: “Oráculos de Maio” (1999) pareceu-me, desde o advento de sua grande e imbatível “Bagagem” (1976), a obra mais perfeita de todo o conjunto poético. Já lhe disse isso. A crítica mais autorizada não deu, a meu ver, a devida atenção a esse acontecimento que o tempo, sem dúvida, reclamará a lhe [à obra] fazer justiça. Agora nos vem “A Duração do Dia” (2010), a confirmar o passo firme dessa trajetória. A recepção tem sido boa... Em sua opinião de leitora daquilo que escreve, já não tanto como autora ou “mãe” da obra, este livro traz surpresas ou é apenas mais do mesmo velho bom vinho?
ADÉLIA PRADO: Cada autor só tem uma coisa a dizer. É sempre o mesmo mas, a cada vez de um lugar diferente. As paixões boas e más permanecem conosco e serão expressas de maneira mais jovem, mais madura, mais experiente, segundo a vivência do autor naquele momento. Fico pensando num quadro feito por um pintor em décadas, dos dez aos oitenta anos. Será o mesmo vinho e conforme se acredita, melhor.
ANTONIO FABIANO: Uma vez você me disse que “Bagagem” é o livro primevo (eu diria, perfeito) que a sua pena tenta reescrever toda vez que trabalha numa nova obra... Ainda pensa assim? É o que pensa também em relação a “A Duração do Dia”?
ADÉLIA PRADO: Se me lembro bem, disse que todo livro quero escrevê-lo como escrevi Bagagem, numa alegria de descoberta e fundação. Todo poeta sabe disso, porque uma das qualidades da poesia é a sua incorrigível juventude. Não intentei isto com o novo livro, não é preciso, acontece necessariamente e, quando não acontece, não publico, a não ser que me equivoque.
ANTONIO FABIANO: Eu sou mendigo e você é pródiga... (risos) Que verso me daria dos seus muitos, neste momento, para que eu o partilhasse – nunca avaro – com os amigos e leitores do meu Blog?
ADÉLIA PRADO:
NO CÉU
No céu, os militantes,
os padecentes
e os triunfantes
seremos só amantes.
Este é um poema de Oráculos de Maio.
Meu caro Antonio Fabiano, respondi com muito gosto a suas perguntas, que achei muito pertinentes. Foi uma alegria e você é muito gentil. Obrigada por suas boas palavras...
ADÉLIA PRADO & ANTONIO FABIANO
Setembro de 2010
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