Deixando-nos conduzir
pela linguagem do poema, e ao mesmo tempo, deixando de lado noções, explicações,
convenções, encontramos já no meio da análise uma parte que trata da criação,
um sentido de abertura, de liberação que se confirma na totalidade do mesmo.
Assim, neste bloco em análise, os versos
“Os
filhos da grande mãe se ajuntaram
Para
acender o fogo
E
ascender graças”
indicam um movimento de mudança, de
abertura para um novo grupo de imagens;
Assim, “Sete cavalos em pastos
... a pastar”
encarna o máximo de presença da linguagem
no espaço mínimo da língua.
Referindo-se à “grande mãe”, quem seria esta grande mãe? Seria no meu sentir, no meu entender:
“A Terra”.
A Terra com toda a sua
exuberância: a flora, a fauna, os rios, os lagos, os oceanos, os mares, o céu,
os astros, o vento...
Há, ainda, a presença de um movimento de transformação, de mudança de alguma coisa para alguma coisa:
“o
tempo para. / A ... lua / Volta (...) / Atravessa cheia o orbe / Desce / Vai
passear”
......................................
......................................
......................................
......................................
“Depois / Sopra nos montes (...) // Ah! vem dos longes inavidos!... / Vem duma terra estranha! / Oigalê! // Sibila o vento... / A minha alma se levanta já cigana / e dança!” etc. etc.
Estes movimentos que
indicam mudança de um estado a outro, ou abertura ou liberação (exemplos
anteriores) já confirmam um caminho de compreensão do poema, para que, com
muita atenção e força, se chegue ao final da leitura do poema.
Descobrimos, também,
que há toda uma área de significação, de purificação da linguagem (grifo
nosso).
Como se vê, o termo
“inavidos”... é um neologismo e/ou, etimologicamente, uma palavra composta por derivação
prefixal = prefixo “in” + ávido(?) (adjetivo) = ansioso, sôfrego, voraz, sedento,
sequioso.
Levados ainda pela
nossa imaginação, acabaríamos fazendo cogitações acerca da vida do autor, já
que no poema lírico há sempre um eu que se expressa, advindo daí o subjetivismo
atribuído a este tipo de composição. Nós confundiríamos facilmente o “eu”
lírico com o “eu” autobiográfico. Por falta de experiência com a criação, nós
esqueceríamos que o fato literário possui um universo fictício, onde os
elementos da realidade concreta entram em tensão com o imaginário, para criar
uma nova realidade, atrás da qual o autor desaparece.
“Oigalê”...
é uma expressão interjetiva de admiração, espanto, diante do que o poeta vê,
visualiza no espaço da cena, pertinente a todo o poema.
A linguagem é o mais
concentrado modo de ser da realidade. Na linguagem, o Real se mostra em si
mesmo com plenitude de liberdade. (CARNEIRO LEÃO, Emmanuel. Fundamentos
teóricos da poética; apontamentos de aula de um curso de igual nome na
Faculdade de Letras da UFRJ, 2º semestre, 1971. Do livro Teoria Literária
– Eduardo Portella e outros.)
E na paisagem do Real o
homem ocupa um lugar privilegiado, porque no dizer de Heidegger: “A linguagem é
a casa do Ser. Em sua habitação mora o homem. Os pensadores e poetas lhe servem
de vigias”. Nessa perspectiva “pensar a linguagem é pensar o homem”. Ela não é
algo externo ao homem, é o lugar inevitável do acontecimento existencial ²² e
“existir
plenamente é empreender
um movimento de liberdade. É o
que faz o poeta, é o que
faz o homem.
O poeta o faz
poeticamente,
assistido pela ação
reveladora da linguagem”²³
[22.
HEIDEGGER, Martin. Sobre o Humanismo Trad. Emmanuel Carneiro Leão. RJ, Tempo
Brasileiro, 1967. p 21
23. Ibidem, p 78]
A dinâmica interior/exterior
e toda a área de movimento se organizam, também, sintaticamente. A pontuação
exerce função fundamental na marcação do ritmo. As reticências não indicam a
interrupção abrupta e conclusiva da sequência frasal como ocorre com o sinal de
ponto. São pausas cheias de sugestões que não indicam o fim, mas o
prolongamento do sentido ou dos sentidos do verso.
Os
versos............. “Com cheiro verde de mato / E mistério... // Ah! vem dos
longes inavidos!... ............ Oigalê!... // Sibila o vento”... citados possuem
uma cadência de ir e de voltar que as reticências complementam. Estas, enquanto
estabelecem uma pausa entre os dois tipos de movimento, nada concluem, antes
dão continuidade ao movimento, mantendo o tempo do verso. A pausa das
reticências não é propriamente uma parada, mas um alongamento, uma duração.
No
verso: “Ah! vem dos longes inavidos!...”
não só o fonema /a/ de “inavidos” se perpetua fônica e semanticamente, o
segmento posterior também é aguardado, “Vem duma terra estranha!”
Estas últimas
reticências indicam a repetição do processo que não se conclui nunca. As
reticências fazem o ritmo e o sentido ultrapassarem a linha do verso. Enquanto
o primeiro segmento do verso é prolongado, o segundo é já sugerido, formando-se
assim uma cadeia, tendo as reticências como ligação. Estas, ao mesmo tempo em
que interrompem a frase ou o sintagma, também o projetam.
As reticências revelam
que há ainda algo a ser dito. Os versos, exatamente, que irão se encadear com a
estrofe seguinte:
“Sibila o vento...” e “O vento varreu” são inexprimíveis, são
um gesto de impotência, uma renúncia a algo que é excessivamente íntimo.
Isso
que nos surpreende, às vezes em Fabiano como por demais rebuscado, é o que
constitui a essência do lírico.
Patrioticamente, o
poeta assim se expressa:
“O vento varreu ......... / Mais que o vento
que beija / A bandeira nacional / Na Praça dos Três Poderes / Em Brasília /
Mais que o vento da crítica / Literária do meu país... etc.
Eis aí uma lição de civilidade!
CONTINUA...
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