De repente um silêncio brotou do chão. As bocas mudas não foram capazes de falar nem quando incitadas ao grito. A cidade ficou silente. Como fios de cabelo há muitos tipos de calar.
As pessoas falam cochichando e se olham – quando se olham – ressabiadas. Há medo e tristeza em seus olhares (dois tons abaixo do usual) no que se pode ver de rostos sob máscaras. E de todos os cantos de dentro das casas dos becos bêbados loucos transeuntes (corações) pulsam como quem pede licença para pulsar.
O susto que vi nos olhos de alguns parece o de quem levantou-se atordoado após sofrer um golpe. Mas é também o medo de alguém que está em guerra e teme o míssil ainda que hipotético lhe matar. Esse espanto é espelho. Eu também estou com medo. Ó abóboda celeste. Sirenes não soam. Não há sirene. É terrível a dor invisível. A ameaça invisível. A agonia indivisível. Medo avassala. E tudo que não se partilha morre apodrece empobrece e dói mais.
Ainda uma vez respiro. E outra vez... E outra vez... (De nada vale pensar ou sentir medo de quando pararemos de respirar).
Mas que pôr do sol bonito a boiar neste céu de outono. O sol bate macio nos telhados como quem nunca diz “adeus” só “até logo”. Os insetos voam os pássaros cantam como sempre voaram e cantaram. As folhas das palmeiras se balançam como faziam as avós naquelas cadeiras antigas. Saudade é presente. O vento diz qualquer coisa que antes eu não sabia e segue seu rumo de vento e eu nada saber. Os sinos de vento tocam descompassados. O vento venta e se vai. Volta e se vai. Volta e se vai. Não penso em mais nada. Volto a pensar. Não pensar.
Há coisas pequenas que agora se tornaram visíveis. Discretamente belas e autossuficientes em sua pequenez. O planeta segue girando apesar de tudo. As formigas não evitam aglomeração não usam máscaras e eu não as censuro por isso. Que cintura fina têm as formigas.
Quando a noite descer do céu em seu caminho que vem escorrendo das montanhas a derramar-se pelos prédios: pequenas criaturas sairão dos seus esconderijos e farão o que sempre fizeram em todas as noites do mundo. Nada reivindicarão para si nem mesmo os nomes que lhes foram dados. Nem o fascínio ou o desprezo que lhes tributamos. Nem mesmo as consciências de si reivindicarão. São ratos baratas aranhas grilos... tudo que no mundo há e de seus minúsculos corpos vivem a dividir conosco o lugar que habitamos. Que belos são. Que amoráveis. Cegos outrora nos tornamos por dolosa miopia.
Quando eu venço o que entre o golpe e o míssil se insinua... nada mais importa. Eu tenho apenas este instante e uma alegria humilde. Ainda uma vez respiro. Outra vez... Outra vez...
Como é bonito este restinho de pôr do sol e a noite que já chega com a estrela que se assoma.
Antonio Fabiano
Belo Horizonte
21 de abril de 2020