Na semana passada escrevi a respeito da polêmica, que se levantou em todo o Brasil, em torno de um livro aprovado pelo MEC e impresso com dinheiro público para cerca de meio milhão de pessoas, onde se diz que é claro que você pode falar “Nós pega o peixe”, “Os menino pega o peixe”, “Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado”, etc. O assunto, quando eu estudei linguística na década de noventa, já era lugar-comum. Nada original... Mas, agora, onde e como isso foi posto, ainda que tenha suas razões de ser para um grupo de linguistas (e fora eles não sei de mais ninguém sério que pense assim), mostrou-se bem “inadequado”. Especialistas, além de grandes nomes das nossas letras e inteligências nada pequenas, manifestaram legítima aversão. Se a polêmica em parte foi fabricada pela mídia, ninguém pode negar que a discussão é oportuna, apesar das afetações dos extremos de ambas as partes. O debate continua, mas não é dessa pérola – mais uma da gestão do ministro Haddad – que eu quero falar. O assunto agora é Educação...
Vocês ouviram falar de Amanda Gurgel? Sem nenhuma relação direta com o caso acima citado difundiu-se, pelo milagre da Internet, um vídeo em que a professorinha potiguar faz seu desabafo em nome dos educadores do Rio Grande do Norte, e que retrata bem a situação da Educação em quase todo o país. Não vou repetir a fala do vídeo, porque como esteve no topo dos mais acessados da semana e se tornou uma espécie de febre entre os internautas, presumo que meu leitor já o tenha visto pelo menos uma vez. É interessante o teor da discussão, além de musicalmente lindo o sotaque da minha conterrânea. Amanda Gurgel se exprime sem qualquer pretensão de se tornar a heroína de uma classe já por demais massacrada. Não quer chamar a atenção para si. Parece ser, realmente, uma pessoa séria. E o assunto, como eu já disse, também é sério. Seu discurso é coerente e totalmente centrado na realidade. Daí por que foi capaz de desmantelar a egrégia mesa que compunha a audiência pública do último dia dez de maio, na Assembleia Legislativa de Natal-RN. Amanda não traz, igualmente, novidade. Por isso, talvez, o impacto de nem mesmo ela entender a repercussão do protesto, ao cair na rede mundial. É o que todos sabem e muitos fingem que não está ali, nos espreitando: a triste e velha realidade de milhares de profissionais idôneos, que dão a vida pela melhor Educação possível, mas que recebem em troca baixos salários e péssimas condições de trabalho por parte dos governos que não lhes levam a sério nem lhes dão ouvido.
O discurso de Amanda me comoveu, pelo que tem de verdadeiro. Quase me fez chorar, porque é assim que sobrevivem muitos em nosso país de abissais desigualdades, demagógicas hipocrisias. Quando a Educação será prioridade, é o que nos perguntamos ao término de sua fala, partícipes de uma real indignação. E embora já tenhamos ouvido alguém chamar de heróis a big brothers do Brasil, no reality show da vida heróis para mim são pessoas como ela, como tantos outros professores que sofrem a deterioração de um sistema escolar que os desmoraliza, mas mesmo assim resistem de pé, com dignidade, e atuam no zelo de sua vocação.
O protesto de Amanda Gurgel se disseminou no mesmo momento em que intelectuais de gabinete fizeram coro – como Os Sapos de Manuel Bandeira – em torno daquele famigerado livro que põe em questão o verdadeiro papel da escola. Ela, porém, nos falou da nua e crua vida... Eu creio que cada grande homem ou mulher que há, também eu e você, nos tornamos possíveis pela ação de profissionais muitas vezes anônimos, que passaram pelas nossas vidas e dentro dos próprios limites fizeram o melhor possível. Pense hoje nos bons educadores. Envie-lhes gratidão, porque a merecem!
Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 30 de maio de 2011.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com
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Para Maria da Apresentação
segunda-feira, 30 de maio de 2011
domingo, 29 de maio de 2011
segunda-feira, 23 de maio de 2011
POR UMA VIDA MELHOR?
Vivemos num tempo de oximoros aberrantes. O certo é também errado, ou o errado é certo e tanto faz. Cada dia eu me sinto mais imbecil e ignorante. Agora, também, analfabeto. Ou não, já que tanto faz. O MEC acaba de lançar um livro em que diz que não precisamos necessariamente seguir as regras da gramática para falar de forma correta. Uma das autoras explica que a intenção é substituir o conceito de correto e incorreto (certo e errado) pela ideia de uso adequado ou inadequado. Não digo que quem procede assim está agindo de má fé. Até creio que há boa intenção nisso tudo, mas parte-se de um princípio equivocado – insustentável se posto à prova lógica, de um raciocínio mais acurado – que em longo prazo nos fará pagar um preço altíssimo.
Em nosso tempo nada pode ser “errado”, pautamo-nos pelas ideologias vigentes ou da moda dos últimos decênios, optamos por seguir a lei do menor esforço ou a não-lei. Não podemos dizer não, é proibido proibir (sentença esta que traz em si mesma a própria negação), cada um é sua lei, seu deus e juiz absoluto. O relativismo que já foi entronizado na moral, na ética de nossa sociedade, na filosofia, na política, em quase todas as ciências, bem como na estética, nas artes – confira os impasses artísticos e a crítica contemporânea, e note que a quase toda “coisa” produzida nos últimos tempos é não poucas vezes conferido o status de arte com louvor – não poderia deixar de entrar também na língua. Na língua dos brasileiros, obviamente. Assim, algo horrível como a gramática normativa (a que estabelece normas, o padrão linguístico, a sua sistematização), não haveria de passar impunemente por toda essa borrasca, sendo antes tida como caso intolerável ao nosso gosto subjetivista e à nossa preguiça de aprender ou ensinar, isto é, de dar educação de qualidade, um direito de todos. A transgressão presente em diversos níveis da sociedade e até encorajada por instituições outrora norteadoras (neste mesmo mundo onde a futilidade é ovacionada e valores são copernicanamente invertidos), levada às últimas consequências, acabaria por também legitimar coisas execráveis para nós como a impunidade e a violência. Mas não se percebe isso com facilidade, nem é o que queremos ver, ainda quando adotamos atos incongruentes, cujas consequências até somos incapazes de mensurar. Não está na moda pensar, mas de quem fala por e sobre muitos, exigimos o dever da responsabilidade.
O livro referido pertence à coleção Viver, Aprender... e intitula-se “Por uma vida melhor”. Assim seja. Mas, curiosamente, isso se difundiu e se difundirá em escolas da rede pública. E não creio que em algum concurso ou vestibular tal falácia vá ser levada a sério.
Sabemos que em qualquer língua ou cultura do mundo há discrepâncias entre a oralidade e sua escrita, isso é comum e até viável. Mas reconhecer que há diferentes formas de falar, e ter em relação a tal fato a devida flexibilidade, inclusive abolindo todo preconceito e buscando compreender os mais variados fenômenos linguísticos, não nos dá o direito de endossar a institucionalização do que é visível deficiência educacional – esta, sim, injusta – tão patente em nosso país, onde governos se vangloriam do crescimento estatístico da escolarização e progressiva erradicação do analfabetismo, e nos deparamos mesmo no ensino superior com pessoas que sequer sabem conjugar os verbos mais elementares ou escrever um texto legível em sua própria língua.
É sofístico acreditar que está certo falar uma língua de qualquer jeito, desde que a comunicação se torne possível, e que proceder dessa forma é promover a inclusão social etc. Esse critério absurdo, além de ameaçar a unidade linguística de um povo de dimensão continental que miraculosamente fala o mesmo idioma (com sotaques e expressões próprias, o que é enriquecedor, natural e bonito), promove o que já chamaram de “apartheid” no campo semântico. Diminuir as diferenças sociais, abolir preconceitos, não se faz pelo caminho da irresponsabilidade de quem tem o dever de dar escola e educação de qualidade a todos. Não sei de nenhum lugar do mundo onde tenha ocorrido algo semelhante a essa procedência tristemente abonada pelo MEC.
A veiculação deste livrinho poderia parecer irrelevante, e a fúria de alguns intelectuais desproporcional. Não. Seu conteúdo demagógico – também denunciado pela Academia Brasileira de Letras – quer de fato validar o erro, como se dissesse que para ricos e bem formados três vezes três é nove, mas para pobres tanto faz. O desdobramento de tal relativização nos afronta e fere a própria razão de ser do idioma. Mas é um bom álibi para justificar nossa incompetência educacional, o fracasso da Educação em diversas instâncias, sobretudo no ensino da língua pátria onde, atualmente, se aprende mais a odiar clássicos da literatura, através de mutilados textos, que propriamente gramática.
Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 23 de maio de 2011.
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E-mail: seridoano@gmail.com
Em nosso tempo nada pode ser “errado”, pautamo-nos pelas ideologias vigentes ou da moda dos últimos decênios, optamos por seguir a lei do menor esforço ou a não-lei. Não podemos dizer não, é proibido proibir (sentença esta que traz em si mesma a própria negação), cada um é sua lei, seu deus e juiz absoluto. O relativismo que já foi entronizado na moral, na ética de nossa sociedade, na filosofia, na política, em quase todas as ciências, bem como na estética, nas artes – confira os impasses artísticos e a crítica contemporânea, e note que a quase toda “coisa” produzida nos últimos tempos é não poucas vezes conferido o status de arte com louvor – não poderia deixar de entrar também na língua. Na língua dos brasileiros, obviamente. Assim, algo horrível como a gramática normativa (a que estabelece normas, o padrão linguístico, a sua sistematização), não haveria de passar impunemente por toda essa borrasca, sendo antes tida como caso intolerável ao nosso gosto subjetivista e à nossa preguiça de aprender ou ensinar, isto é, de dar educação de qualidade, um direito de todos. A transgressão presente em diversos níveis da sociedade e até encorajada por instituições outrora norteadoras (neste mesmo mundo onde a futilidade é ovacionada e valores são copernicanamente invertidos), levada às últimas consequências, acabaria por também legitimar coisas execráveis para nós como a impunidade e a violência. Mas não se percebe isso com facilidade, nem é o que queremos ver, ainda quando adotamos atos incongruentes, cujas consequências até somos incapazes de mensurar. Não está na moda pensar, mas de quem fala por e sobre muitos, exigimos o dever da responsabilidade.
O livro referido pertence à coleção Viver, Aprender... e intitula-se “Por uma vida melhor”. Assim seja. Mas, curiosamente, isso se difundiu e se difundirá em escolas da rede pública. E não creio que em algum concurso ou vestibular tal falácia vá ser levada a sério.
Sabemos que em qualquer língua ou cultura do mundo há discrepâncias entre a oralidade e sua escrita, isso é comum e até viável. Mas reconhecer que há diferentes formas de falar, e ter em relação a tal fato a devida flexibilidade, inclusive abolindo todo preconceito e buscando compreender os mais variados fenômenos linguísticos, não nos dá o direito de endossar a institucionalização do que é visível deficiência educacional – esta, sim, injusta – tão patente em nosso país, onde governos se vangloriam do crescimento estatístico da escolarização e progressiva erradicação do analfabetismo, e nos deparamos mesmo no ensino superior com pessoas que sequer sabem conjugar os verbos mais elementares ou escrever um texto legível em sua própria língua.
É sofístico acreditar que está certo falar uma língua de qualquer jeito, desde que a comunicação se torne possível, e que proceder dessa forma é promover a inclusão social etc. Esse critério absurdo, além de ameaçar a unidade linguística de um povo de dimensão continental que miraculosamente fala o mesmo idioma (com sotaques e expressões próprias, o que é enriquecedor, natural e bonito), promove o que já chamaram de “apartheid” no campo semântico. Diminuir as diferenças sociais, abolir preconceitos, não se faz pelo caminho da irresponsabilidade de quem tem o dever de dar escola e educação de qualidade a todos. Não sei de nenhum lugar do mundo onde tenha ocorrido algo semelhante a essa procedência tristemente abonada pelo MEC.
A veiculação deste livrinho poderia parecer irrelevante, e a fúria de alguns intelectuais desproporcional. Não. Seu conteúdo demagógico – também denunciado pela Academia Brasileira de Letras – quer de fato validar o erro, como se dissesse que para ricos e bem formados três vezes três é nove, mas para pobres tanto faz. O desdobramento de tal relativização nos afronta e fere a própria razão de ser do idioma. Mas é um bom álibi para justificar nossa incompetência educacional, o fracasso da Educação em diversas instâncias, sobretudo no ensino da língua pátria onde, atualmente, se aprende mais a odiar clássicos da literatura, através de mutilados textos, que propriamente gramática.
Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 23 de maio de 2011.
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segunda-feira, 16 de maio de 2011
O MENINO E O LIVRO
Estava pensativo, molemente distraído, quando ouviu uma voz franzina que vinha de entre as coisas deixadas sobre a mesa. Não podia ser! Disfarçou o espanto. Continuou ali, paralisado pela surpresa. A voz insistiu. Agora com mais força: “Vamos!”... Era um convite? Ele reagiu com cavalos marinhos. ??? Até que o silêncio mesmo abriu atalhos entre ambos. O menino começou a conversar com o livro, com o coração do poeta que estava nele, com a poesia que escorria dele. Encheu-se de clarão aquela noite.
Era um livro ou um rio? Pouco importava se nunca tivesse visto o mar. Era um mar também. E, por causa disso, não descansaria... Não descansaria até que se fizesse claro o enigma. Até que se fizesse, talvez, claro enigma.
“Quem é você?”, perguntou o menino. E ainda não sabia que a resposta duraria toda uma vida. A vida. As primeiras letras começaram a pular. As primeiras letras começaram a dançar bem diante de seus olhos. Outra vez a voz lhe disse: “Vamos!”... E começou a cumplicidade, a vida íntima mutuamente trocada, inconfidências confidenciadas... Porque livros vivem e até mortos revivem pela força da palavra! Era como se o mundo coubesse – e de fato cabia – numa só palavra, a que não seria dita, a que, afinal, seria o segredo guardado.
Era o livro de um poeta? Ou era poeta o menino que se via no espelho do livro? O livro, máquina maravilhosa, para além das máquinas do mundo, estava ali e abrira-se. Definitivamente abrira-se. Tudo então era possível...
Ele se encantou. Começou a ler e não parou nunca mais. Deixou-se ler primeiro, porque era puro de coração e aberto às coisas novas, às coisas novidadas, prenhes de milagre e cataratas ridentes de significação. Leu, leu – lido que estava, lindo e lido outra vez – leu até não chegar ao fim. Descansou feliz, porque livros existem dos bons e também poetas como aquele.
O menino entendeu, mesmo sem entender tudo.
Estava aberta a clareira, inaugurado o sonho, o diálogo sem fim...
Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 16 de maio de 2011.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com
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Para Cláudia Ahimsa
Era um livro ou um rio? Pouco importava se nunca tivesse visto o mar. Era um mar também. E, por causa disso, não descansaria... Não descansaria até que se fizesse claro o enigma. Até que se fizesse, talvez, claro enigma.
“Quem é você?”, perguntou o menino. E ainda não sabia que a resposta duraria toda uma vida. A vida. As primeiras letras começaram a pular. As primeiras letras começaram a dançar bem diante de seus olhos. Outra vez a voz lhe disse: “Vamos!”... E começou a cumplicidade, a vida íntima mutuamente trocada, inconfidências confidenciadas... Porque livros vivem e até mortos revivem pela força da palavra! Era como se o mundo coubesse – e de fato cabia – numa só palavra, a que não seria dita, a que, afinal, seria o segredo guardado.
Era o livro de um poeta? Ou era poeta o menino que se via no espelho do livro? O livro, máquina maravilhosa, para além das máquinas do mundo, estava ali e abrira-se. Definitivamente abrira-se. Tudo então era possível...
Ele se encantou. Começou a ler e não parou nunca mais. Deixou-se ler primeiro, porque era puro de coração e aberto às coisas novas, às coisas novidadas, prenhes de milagre e cataratas ridentes de significação. Leu, leu – lido que estava, lindo e lido outra vez – leu até não chegar ao fim. Descansou feliz, porque livros existem dos bons e também poetas como aquele.
O menino entendeu, mesmo sem entender tudo.
Estava aberta a clareira, inaugurado o sonho, o diálogo sem fim...
Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 16 de maio de 2011.
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Para Cláudia Ahimsa
quinta-feira, 12 de maio de 2011
BELEZA É FUNDAMENTAL
“A beleza salvará o mundo”...
Dostoievski no romance “O idiota”.
E Tzvetan Todorov concorda...
Dostoievski no romance “O idiota”.
E Tzvetan Todorov concorda...
segunda-feira, 9 de maio de 2011
A COISA
Francamente, que segunda-feira chata!
De manhã eu fui a PUC. Uma cardinalícia Eminência falou do novo livro do Papa. Principescas criaturas desfilaram pelos corredores da velha instituição. As mesmas formalidades de há séculos! Tudo tão bonito para os meus olhos de mil anos atrás!...
Saio da cerimônia com muito tédio. Deus me perdoe! Sou convictamente católico, rezo até de joelhos o símbolo niceno-constantinopolitano, mas não suporto artificialidades!
Andando pelos corredores da PUC tropeço na coisa. Está ali, afixada, silenciosa, com olhos enormes. É inútil, a coisa. Não serve pra nada! É colorida? Atrevida? Arco-íris, meio camaleão... Hum... Sei não!
Não tem cabimento, ela. Insinua-se e entra pelos olhos de um cego. Serei eu, mestre?
A coisa agora me olha. É bilíngue. O computador me corrige, porque antigamente havia trema e agora não. Quase não mais não! Eu sou de antigamente. Ai, meu Deus!
A coisa bilíngue já sem trema se traduz. Pífia! Que diabos! Salta da parede sobre mim!
Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 9 de maio de 2011.
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E-mail: seridoano@gmail.com
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Para Rodrigo, Reginaldo, Igor, João Batista e Giovanni.
De manhã eu fui a PUC. Uma cardinalícia Eminência falou do novo livro do Papa. Principescas criaturas desfilaram pelos corredores da velha instituição. As mesmas formalidades de há séculos! Tudo tão bonito para os meus olhos de mil anos atrás!...
Saio da cerimônia com muito tédio. Deus me perdoe! Sou convictamente católico, rezo até de joelhos o símbolo niceno-constantinopolitano, mas não suporto artificialidades!
Andando pelos corredores da PUC tropeço na coisa. Está ali, afixada, silenciosa, com olhos enormes. É inútil, a coisa. Não serve pra nada! É colorida? Atrevida? Arco-íris, meio camaleão... Hum... Sei não!
Não tem cabimento, ela. Insinua-se e entra pelos olhos de um cego. Serei eu, mestre?
A coisa agora me olha. É bilíngue. O computador me corrige, porque antigamente havia trema e agora não. Quase não mais não! Eu sou de antigamente. Ai, meu Deus!
A coisa bilíngue já sem trema se traduz. Pífia! Que diabos! Salta da parede sobre mim!
Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 9 de maio de 2011.
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Para Rodrigo, Reginaldo, Igor, João Batista e Giovanni.
terça-feira, 3 de maio de 2011
DAMA PERECÍVEL... MAS SEMPRE “DONA” DA NOITE!
segunda-feira, 2 de maio de 2011
AFORÍSTICOS (III)
Um homem pode e deve ser julgado por seus atos. Uma e a mesma pessoa é o ator de suas próprias ações – por mais que estas comportem paradoxos. Mas jamais o que o homem é confunde-se banalmente com o que ele faz.
Que dinheiro pode equivaler justamente ao trabalho de alguém? Ninguém pode comprar a excelência da ação de outrem. A remuneração é um acordo simbólico, quase sempre necessário (e muitas vezes injusto), mas nunca o absoluto poder sobre a ação prestada, tal como quem possui um pássaro não é dono de seu canto e, no caso das relações trabalhistas do mundo atual, sequer do “pássaro”.
Assim, nenhum salário está à altura do trabalhador honesto. Este, ao contrário, tem em si mesmo um valor que em hipótese alguma é negociável, possui intrínseca dignidade.
Qualquer sistema de trabalho reducionista, que imponha ao homem acabrunhamento, que o diminua ou o relegue a um nível inferior ou igual ao das coisas, tende à corrupção do próprio gênero (humano) e à autodestruição.
Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 02 de maio de 2011.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com
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Que azar (para quem trabalha...), o dia do trabalho (quando ninguém trabalha!) caiu este ano num domingo! Ano que vem a gente folga!...
Que dinheiro pode equivaler justamente ao trabalho de alguém? Ninguém pode comprar a excelência da ação de outrem. A remuneração é um acordo simbólico, quase sempre necessário (e muitas vezes injusto), mas nunca o absoluto poder sobre a ação prestada, tal como quem possui um pássaro não é dono de seu canto e, no caso das relações trabalhistas do mundo atual, sequer do “pássaro”.
Assim, nenhum salário está à altura do trabalhador honesto. Este, ao contrário, tem em si mesmo um valor que em hipótese alguma é negociável, possui intrínseca dignidade.
Qualquer sistema de trabalho reducionista, que imponha ao homem acabrunhamento, que o diminua ou o relegue a um nível inferior ou igual ao das coisas, tende à corrupção do próprio gênero (humano) e à autodestruição.
Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 02 de maio de 2011.
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Que azar (para quem trabalha...), o dia do trabalho (quando ninguém trabalha!) caiu este ano num domingo! Ano que vem a gente folga!...
LONJURAS
Poema destacado no XV Concurso Literário Internacional de Poesias, Contos e Crônicas ALPAS-M21
Padeço de lonjuras, como Manoel.
O nome dessa dor
Na minha pátria antiga
É saudade.
Eis que já se avizinha a chuva.
O céu está grávido de oblíquas grandezas
Cinzento como a primeira quarta-feira
Das quaresmas católicas.
Vai chover.
Eu desligo os aparelhos da casa.
Se faltar luz como ontem
Não terei perdas nem danos.
Vai chover.
E se apagarão as cinzas...
Mas ainda estarei escuro como o céu
Escuro como a casa
Grávido de infinitudes.
De minha raiz crescerá o silêncio.
Direi o inconfessável
Antes que a vida de mim parta
Em prestimoso alvitre.
Porém, quando da escuridão que estou
Brotar o poema – de lampejo ou
Chispo...
Quando isso acontecer
(Ah, todos hão de ver!...)
De uma só fagulha
O dia, grande, nascerá.
Antonio Fabiano
Padeço de lonjuras, como Manoel.
O nome dessa dor
Na minha pátria antiga
É saudade.
Eis que já se avizinha a chuva.
O céu está grávido de oblíquas grandezas
Cinzento como a primeira quarta-feira
Das quaresmas católicas.
Vai chover.
Eu desligo os aparelhos da casa.
Se faltar luz como ontem
Não terei perdas nem danos.
Vai chover.
E se apagarão as cinzas...
Mas ainda estarei escuro como o céu
Escuro como a casa
Grávido de infinitudes.
De minha raiz crescerá o silêncio.
Direi o inconfessável
Antes que a vida de mim parta
Em prestimoso alvitre.
Porém, quando da escuridão que estou
Brotar o poema – de lampejo ou
Chispo...
Quando isso acontecer
(Ah, todos hão de ver!...)
De uma só fagulha
O dia, grande, nascerá.
Antonio Fabiano
domingo, 1 de maio de 2011
CLAUDIO PASTRO, UMA VERDADEIRA EPIFANIA...
Talvez cem anos sejam necessários para que nos demos conta da grandeza, mais que a já presumível, do artista Claudio Pastro. E por estar tão à frente do nosso tempo no que diz respeito à sua originalíssima arte, vamos precisar ainda de mais um século (quero que as minhas contas estejam erradas!) para que a sua mensagem, sua obra, invada o imaginário das gentes e se apodere de vez da consciência do povo.
Mas se alego uma originalidade criativa na obra de Claudio Pastro, o que é bem verdade, não quero com isso afirmar que ela esteja desvinculada das tradições precedentes. Muito pelo contrário, permanece imbuída do mais puro espírito de beleza que se exprimiu em dois milênios de cristianismo, berço do artista, e em todas as tradições do mundo que pelo belo fazem vir aos homens desde sempre o supremo inominável.
Claudio Pastro cativa pela força de uma invenção que vai muito além dele mesmo e do tempo. Sua obra encanta porque nos recorda a memória do mundo no que ele tem de mais feliz e sagrado. Claudio nos salva do caos e nos traz a misteriosa alegria, a profunda esperança de um real sentido de vida. Isso é possível porque ele alcançou uma admirável maturidade em seu agir artístico.
Sua criação refunda o espaço e rompe os limites do tempo, em qualquer das direções possíveis, como consequência lógica de ter atingido o centro mesmo do mistério – seu Cristo total.
Quem se perder em qualquer dos matizes pastrianos, quem ousar seguir os traços mais fundos e nada ingênuos que sua mão delineou, vai se enredar no arcano da própria fonte da Vida.
Há quem diga que com seu monumental trabalho em curso no Santuário Nacional de Aparecida, Claudio Pastro marcha de vez para a consagração. Sim, pouca vez se viu escolha tão feliz e adequada; mas não é somente Aparecida que engrandece o artista de Deus (realmente digno de empreender tal tarefa, pela magnitude e seriedade de seu trabalho e pelo que põe de verdade no que faz, visto ser homem à altura do projeto e talvez o único absolutamente capaz de levar a cabo com brilhantismo o que ali se começou a fazer); é, por certo e principalmente, o artista que pelo milagre de sua arte engrandece e dignifica até à altura dos céus a casa da Mãe e Senhora do povo brasileiro e dos peregrinos de todo o mundo. É como se, pela efetuação desse projeto, o Santuário ficasse duplamente maior e centuplicasse o seu valor sacro, artístico, teológico e cultural. Tal ventura é de fato um desses bem-aventurados acontecimentos da história, de acerto inaudito pela adequação de um dos maiores templos do mundo às igualmente gigantescas mãos de um profissional competente e cheio de fé. E não faltou quem o comparasse em sorte e grandeza a Michelangelo! A comparação aparentemente exagerada é oportuna. Aparecida parece mesmo o corolário da carreira desse artista, seu melhor momento e também o maior dom que ele lega ao povo brasileiro, à Igreja e à humanidade. São milhares de milhões os que pelos séculos futuros passarão ante suas obras ali manifestas, e que lerão o milagre dessa verdadeira epifania.
Mas se da obra de Michelangelo podemos evocar aquele “Fiat” [“Faça-se!”] de Deus, a explosão da luz primeva, a ostentação do poder do Criador e da criatura sob os matizes renascentistas; com mais razão pode-se contemplar, no trabalho de Claudio Pastro, o surto de um cristianismo puro, das origens, o rasgo sem precedência e desconcertante do humilde e para sempre revolucionário “Et Verbum caro factum est et habitavit in nobis”... [“E o Verbo se fez carne e habitou entre nós!”]. Por meio dele podemos dizer que realmente Deus visitou seu povo e vimos sua estarrecedora glória!
Antonio Fabiano
Belo Horizonte, Páscoa de 2011.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com
Mas se alego uma originalidade criativa na obra de Claudio Pastro, o que é bem verdade, não quero com isso afirmar que ela esteja desvinculada das tradições precedentes. Muito pelo contrário, permanece imbuída do mais puro espírito de beleza que se exprimiu em dois milênios de cristianismo, berço do artista, e em todas as tradições do mundo que pelo belo fazem vir aos homens desde sempre o supremo inominável.
Claudio Pastro cativa pela força de uma invenção que vai muito além dele mesmo e do tempo. Sua obra encanta porque nos recorda a memória do mundo no que ele tem de mais feliz e sagrado. Claudio nos salva do caos e nos traz a misteriosa alegria, a profunda esperança de um real sentido de vida. Isso é possível porque ele alcançou uma admirável maturidade em seu agir artístico.
Sua criação refunda o espaço e rompe os limites do tempo, em qualquer das direções possíveis, como consequência lógica de ter atingido o centro mesmo do mistério – seu Cristo total.
Quem se perder em qualquer dos matizes pastrianos, quem ousar seguir os traços mais fundos e nada ingênuos que sua mão delineou, vai se enredar no arcano da própria fonte da Vida.
Há quem diga que com seu monumental trabalho em curso no Santuário Nacional de Aparecida, Claudio Pastro marcha de vez para a consagração. Sim, pouca vez se viu escolha tão feliz e adequada; mas não é somente Aparecida que engrandece o artista de Deus (realmente digno de empreender tal tarefa, pela magnitude e seriedade de seu trabalho e pelo que põe de verdade no que faz, visto ser homem à altura do projeto e talvez o único absolutamente capaz de levar a cabo com brilhantismo o que ali se começou a fazer); é, por certo e principalmente, o artista que pelo milagre de sua arte engrandece e dignifica até à altura dos céus a casa da Mãe e Senhora do povo brasileiro e dos peregrinos de todo o mundo. É como se, pela efetuação desse projeto, o Santuário ficasse duplamente maior e centuplicasse o seu valor sacro, artístico, teológico e cultural. Tal ventura é de fato um desses bem-aventurados acontecimentos da história, de acerto inaudito pela adequação de um dos maiores templos do mundo às igualmente gigantescas mãos de um profissional competente e cheio de fé. E não faltou quem o comparasse em sorte e grandeza a Michelangelo! A comparação aparentemente exagerada é oportuna. Aparecida parece mesmo o corolário da carreira desse artista, seu melhor momento e também o maior dom que ele lega ao povo brasileiro, à Igreja e à humanidade. São milhares de milhões os que pelos séculos futuros passarão ante suas obras ali manifestas, e que lerão o milagre dessa verdadeira epifania.
Mas se da obra de Michelangelo podemos evocar aquele “Fiat” [“Faça-se!”] de Deus, a explosão da luz primeva, a ostentação do poder do Criador e da criatura sob os matizes renascentistas; com mais razão pode-se contemplar, no trabalho de Claudio Pastro, o surto de um cristianismo puro, das origens, o rasgo sem precedência e desconcertante do humilde e para sempre revolucionário “Et Verbum caro factum est et habitavit in nobis”... [“E o Verbo se fez carne e habitou entre nós!”]. Por meio dele podemos dizer que realmente Deus visitou seu povo e vimos sua estarrecedora glória!
Antonio Fabiano
Belo Horizonte, Páscoa de 2011.
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ENTREVISTA de CLAUDIO PASTRO a Antonio Fabiano
Fotografia de Antonio Fabiano
ANTONIO FABIANO: Levando-se em conta que há sempre um começo ou despertar da consciência de cada vocação, como aconteceu na sua história pessoal essa descoberta em relação à arte?
+++CLAUDIO PASTRO+++ Desde a infância tive uma vida difícil mas uma boa educação. Sou anterior ao Concílio Vaticano II quando a Igreja vivia de espiritualidade, o que hoje não existe. Morávamos em frente ao Convento das Irmãs da Assunção e, além da família, o que de fato educou-me (e educa) foi a liturgia. Desde bem cedo, antes de ir para a escola (primário/ginásio estadual) participava da Santa Missa. Na época, as únicas palavras que conhecia eram: disciplina, obediência, respeito e reverência profunda para com as coisas de Deus e dos outros. Note bem: graças a Deus, naquela ocasião não haviam televisão, telefone, computador, automóveis (poucos) etc. etc. etc. Shoppings... Vivíamos do Essencial (o pouco para viver e Deus prá tudo). Não se sonhava, nem de longe, com o individualismo (egoísmo) de hoje. Aí, nesse contexto, nasce minha vocação (toda planta para se desenvolver depende de bom terreno/terra). Sim, a liturgia, a beleza do rito, simples, solene, discreto e dignitoso de como eram celebradas as Santas Missas; o silêncio e o gregoriano; toda a beleza do ambiente onde se percebia a presença do Senhor da Criação e Redentor foi-me o momento, o lugar do despertar de minha vocação.
ANTONIO FABIANO: Ao dar vazão à criação, cada artista manifesta-se de um jeito próprio. Como você percebe em seu cotidiano esse processo? Qual o segredo testemunhado pelo ateliê de Claudio Pastro?
+++CLAUDIO PASTRO+++ Vivo em contínua presença de Deus. O meu cotidiano disciplinado e meticuloso permite a beleza desabrochar em mim. Acordo às 4h, rezo matinas (leituras) e Laudes e faço lectio até, mais ou menos, às 6h. Vou à Santa Missa e bebo, aí, na fonte da beleza porque entrego-me totalmente ao Mistério, ao Senhor da vida, Aquele que não engana e permite-me melhor discernir os meus atos no dia a dia.
Durante o dia trabalho continuamente em projetos de igrejas, pinturas, recebo pessoas que me pedem sugestões etc.
Chega a noite, rezo Vésperas e Completas. Adoro a Palavra de Deus que me instiga a fazer arte.
Às vezes vou a exposições, museus, bons filmes. Porém, se possível não saio da rotina e jamais vou dormir depois das 22h.
ANTONIO FABIANO: Seu trabalho inevitavelmente toca o sagrado, o mistério. Qual seu sentimento em relação ao conjunto da obra que nos lega?
+++CLAUDIO PASTRO+++ Gostaria que minha obra (com toda a humildade) fosse “a Encarnação do Verbo”, isto é, que fosse um prolongamento da Palavra e, melhor, a Palavra em formas e cores. Isso, pois a arte é universal, fala a todos de qualquer raça, língua ou condição social indistintamente. Depois, a arte, a arte sacra verdadeira, não se presta a ideologias ou falsas interpretações. Para tanto, é preciso distinguir arte sacra, que nos vem da objetividade do Mistério celebrado, e arte religiosa, subjetiva (meus sentimentos, meus gostos pessoais, meus santinhos de devoção) que fala mais de mim para mim mesmo ou no máximo para poucos, carolas da Igreja. Jesus veio e vem para todos os homens, indistintamente e a arte sacra é o próprio Deus falando através do artista que o serve em sua obra. Hoje não há arte sacra e sim uma horrorosa “arte” de mercado (música, pintura, imagens...).
ANTONIO FABIANO: Que tipo de espiritualidade quer suscitar nas pessoas, quando se ocupa de executar qualquer das suas obras?
+++CLAUDIO PASTRO+++ Que se sintam felizes em presença de Deus e não se sintam oprimidos pelo peso que, muitas vezes, a própria Igreja (clero) nos impõe.
ANTONIO FABIANO: Em verdade, não há consenso sequer entre os artistas, a respeito de um tema que também é filosófico e, inclusive, teológico: o da beleza. Como Claudio Pastro, o homem que lida dia e noite com o belo da arte, definiria a beleza?
+++CLAUDIO PASTRO+++ A beleza é Deus. Quando nos falta a atenção para com Ele e ficamos presos aos nossos “negócios” criamos uma divisão com as demais criaturas (homens, natureza, o cosmo); surge, assim, o diabo, senhor do mundo. Há uma quebra com a unidade e Deus é Um; somos Um com Ele ou não somos. Hoje paira no mundo o individualismo, a ganância, o egoísmo, a “beleza” de mercado... e surge o feio.
A beleza de um traço, de uma cor, de um som, de um gesto (postura) vem-nos do Único belo ou os traços e cores são caóticos, os sons são berrantes e dissonantes e até o modo de andar, caminhar, celebrar se espelham no horror da TV, dos Shoppings.
ANTONIO FABIANO: Que influências há na obra de Claudio Pastro? Que mestres mais lhe inspiraram? A qual tradição filia-se?
+++CLAUDIO PASTRO+++ Sempre amei os primitivos cristãos. Os traços e cores infantis (olhos da pureza) da arte românica e a dignidade hierática, nobre, da arte do ícone bizantino quando os pobres apóstolos e santos (os humanos) se revestem da beleza de Deus. Atualmente, gosto da limpeza (clean) da arte atual desde o impressionismo até o ART NOUVEAU (Liberty) e artistas como Matisse, Galileo Emendabile e outros. Filio-me a tudo que é Arte Sacra, inclusive fora da Igreja, como a arte de nossos índios, a africana, a islâmica, a budista etc. Onde há amor e verdade, há Deus e beleza.
ANTONIO FABIANO: Claudio Pastro fez, no dizer do povo, Escola. Muitos se dizem até seus “discípulos”. Que relação estabelece com estes artistas e trabalhos de algum modo vinculados a si?
+++CLAUDIO PASTRO+++ Primeiro, fico agradecido e feliz que gostem e se inspirem em meu trabalho. Sei que minha arte não segue os parâmetros comuns da arte religiosa conhecida (anjinhos, santinhos etc.). Então, isso indica-nos que as novas gerações buscam o Novo, o sempre novo do Evangelho, longe de muitos ranços do católico “tradicional”. Infelizmente, muitos chamados “discípulos” esquecem que os traços da obra não bastam parecer e serem simples se não nascem de uma espiritualidade encarnada. Entrei em igrejas com “essa arte” e claramente ela não revelava o Espírito celebrado nesse lugar, não revelava nada.
Alguns discípulos fizeram estágios comigo, conviveram comigo, e perceberam a exigência da Arte Sacra que está ligada a uma postura de vida no dia a dia. A Arte Sacra vem do Espírito e não só da técnica.
ANTONIO FABIANO: Ser artista nos dias atuais é tarefa nada fácil. Muitos confundem o que isto seja ou põem a arte a serviço de interesses, e até se banaliza o mais sério, em face da superabundância de coisas medianas que grassam no afã de atender a uma demanda imediatista ou embalada por modismos. É muito difícil viabilizar seu trabalho no Brasil, para que todos os que o merecem o recebam? Que maiores dificuldades tem encontrado em seu ofício, aqui e fora do país?
+++CLAUDIO PASTRO+++ O clero, o clero é o maior entrave para a arte sacra. Falta-lhe a sabedoria do Espírito que se exercita na oração e liturgia diária. Depois, a única preocupação do clero é com o dinheiro e suas inspirações na mundaneidade. Aqui no Brasil a falta de cultura do Espírito (desde seminários, reitores, bispos...) é imensa. Não hesitam comprar um carro zero (seja lá o preço que for) e esquecem que o Espírito passa pela arte e a boa arte tem preço. Certa vez, pintei um painel de 2 x 2m numa manhã e alguém disse-me: “você pinta rápido e caro” e, eu respondi, “sim, pintei numa manhã e trinta anos de pesquisa, estudos, oração etc.” Arte não se compra por metro e tempo, ela é de outra natureza.
É muito triste ser medido por pessoas grosseiras.
Muitas igrejas pintei pela metade do preço e até gratuitamente quando percebi que a comunidade era santa e desejosa do belo, de Deus, e não de modismo ou luxo. Isso ninguém ficou sabendo.
ANTONIO FABIANO: Claudio, você poderia nos falar de como começou o projeto de Aparecida e até nos dar notícias do andamento dos trabalhos por lá?
+++CLAUDIO PASTRO+++ Em 1997 e, depois, em 1999 fui convidado por Dom Aloísio Lorscheider (então cardeal arcebispo de Aparecida) e Pe. José Darci Nicioli (atual reitor da Basílica) para aí trabalhar. Eu e outros fomos muito testados e restei eu aprovado.
Creio eu que eles (e outros) perceberam em mim a força do Concílio Ecumênico Vaticano II, além de minha fé, evidente.
A concepção de todo o interior da Basílica (arquitetura da realeza/sécs. IV e V) é um neo-românico basilical e mais o espírito pós-conciliar pede-nos não devocionismos mas a Palavra para a constante educação da fé de nosso povo e o espaço inspirado no Apocalipse, a atualidade da Liturgia.
Em breve, começaremos a cúpula central que levará 5 ou 6 anos de trabalho. Desejamos concluir o interior da Basílica para 2017, ano do 3˚ Centenário do encontro da imagem nas águas do rio Paraíba do Sul.
ANTONIO FABIANO: Pode nos dizer algo, aos que admiram seu trabalho e pessoalmente o querem bem, pela pessoa que é?
+++CLAUDIO PASTRO+++ Peço-lhes que rezem por minha saúde, afinal somos corpo, alma e espírito e a doença sempre quebra com essa harmonia. Fui transplantado em 2003 (fígado), tive um coma de 2 meses em 2001, fui operado 19 vezes em 2004 e, agora, desde outubro de 2010 já fui operado 10 vezes. Ainda passarei por mais operações nesse ano.
Quanto à minha arte, espero que ela continue a levar Deus a todos. Do contrário, melhor que eu pare.
A todos, que nossos olhos não se desviem do Senhor Jesus, único Caminho, Verdade, Vida e Beleza de nossas vidas.
CLAUDIO PASTRO & ANTONIO FABIANO
Páscoa de 2011
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