sexta-feira, 21 de agosto de 2015

MONTE FUJI 富士山

Capa © 2015 Associação Cultural e Literária Nikkei Bungaku do Brasil


MONTE FUJI  富士山 

Vou a Fuji-san
Mas então detenho o passo.
Fuji-san vem ao meu encontro
Por sobre as águas do lago Kawaguchi.
Eu não me movo
Nem ele se move.
Estamos sentados
Sentados como flor de lótus
A olhar um para o outro.
Fuji-san branco e azul
Em seu quimono de festa
Me conta um segredo antigo.
Flutuamos no silêncio.
Quantas flores de cerejeira
Eu levaria a Fuji-san!

Antonio Fabiano
アントニオファビア

BIBLIOGRAFIA: Revista Brasil Nikkei Bungaku, nº 50. Edição bilíngue: português/japonês. São Paulo: Associação Cultural e Literária Nikkei Bungaku do Brasil, 2015, p. 06.

NOTAS (não presentes à edição):

Fuji-san é como em japonês podemos nos referir ao Monte Fuji.
Kawaguchi é um dos Cinco Lagos de Fuji, ao redor da vertente norte do monte.
Flor de lótus no oriente significa pureza espiritual; sentar-se na posição que recebe este nome indica meditação. Não se pode ignorar, todavia, que um dos nomes em desuso e de origem poética, utilizado para referir-se ao Fuji, é Pico de lótus.
As cores branca e azul que no poema vestem Fuji-san são a neve e o céu que o adornam. A ideia de transitoriedade e estabilidade, esta paradoxal oscilação, perpassa todo o poema. É transitório ou possui caráter de movimento: vou, vem, olhar, branco (neve), festa, contar, flutuar etc. Sugere estabilização: detenho o passo, não me movo, não se move, sentados, azul (límpido céu), segredo antigo, silêncio etc. As cores citadas têm forte conotação na cultura tradicional japonesa. A cor branca possui desde a antiguidade uma natureza sagrada e auspiciosa, dentre outras coisas é vista como abençoada, símbolo de pureza. O azul, além de pureza e limpidez, traduz estabilidade e calma, lembra não apenas o céu, como no poema, mas, consequentemente, o Mar do Japão, que quase não tem ondas, e o Oceano Pacífico.
A flor de cerejeira simboliza, dentre outras coisas: amor, felicidade, renovação, esperança. É a flor nacional do Japão. A floração das cerejeiras caracteriza o fim do inverno e o começo da primavera. Há festas no Japão para a contemplação deste espetáculo da natureza: hanami. A flor de cerejeira foi também apreciada pelos samurais e associada ao seu código, o bushido; ligava-se a sua existência efêmera à fugacidade da vida e ao lema dos antigos guerreiros japoneses, de viver o presente, de modo intenso e com absoluta coragem.
Eu levaria... Ao término do poema, o poeta decide não escalar o Monte Fuji. Isto se deduz pelo tempo verbal do último verso. Fuji-san, em seu encanto supremo, foi considerado belo e sagrado demais para que ele o pisasse. 


Capa Divulgação

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

CONVIVÊNCIA CRÍTICA - Hildeberto Barbosa Filho

Foto Divulgação

CONVIVÊNCIA CRÍTICA
Hildeberto Barbosa Filho [*]
De olho na estante (7)

Segundo Ferreira Gullar, “Nas pontas dos pés” (Mossoró: Sarau das Letras, 2015), de Antonio Fabiano, possui “linguagem fluente, sem ênfase”, alçando-se, portanto, “acima da banalidade da vida”. Antonio Carlos Secchin, por sua vez, em breve texto de apresentação, releva o tom recatado e delicado de sua dicção lírica, “despojada de toda pompa, e, por isso mesmo, cúmplice das pequenas maravilhas de que se tece o cotidiano”.
Temos, assim, ressaltados pelos poetas/críticos elementos de forma e fundo peculiares à poética desse paraibano de Patos, que cresceu e viveu em Cerro Corá (RN) até 2004, ano em que ingressou na Ordem do Carmelo Descalço.
À sutileza e à limpidez da linguagem corresponde uma temática voltada para as experiências do dia a dia, aquilo que poderíamos denominar de o complexo da “vida simples”, para lembrar uma expressão de Jurandy Moura, transfigurado, no entanto, pelo poder das palavras, em suas possibilidades imagéticas, rítmicas e ideativas.
Frei Antonio Fabiano não teme o apelo silencioso, mas urgente, das coisas comuns e das circunstâncias banais que o circundam no plano existencial, para, com os utensílios idiomáticos, utilizados com parcimônia e sabedoria poéticas, transcender o imediatismo pragmático das vivências que a realidade nos impõe, desvelando seus aspectos essenciais e imperceptíveis.
Em “O bailarino”, diz que “voava / Por sobre a copa das árvores / Enchia de nada a noite”; em “A luz bruxuleante”, acerca-se de sua “nudez / Tangida pelo dedo de um demônio”, assegurando, mais à frente do poema, que “Por entre bicicletas / Moinhos e tímidos sorrisos / Existimos”; em “Grão milagre”, descobre que “não se pode interromper / Com as mãos a dança de um rio... / A gente é e para isso nasce. / O pulso às vezes dói mas é sublime e /  mesmo que eu não quisesse – / Morava e ainda mora e há de morar / Nas veias como em ostra o grão milagre!...”.
Motivos como a casa, o pai, a infância, o corpo, a poesia, o palhaço, a velhice, entre tantos outros, são contemplados pelo olhar lírico desse poeta que, como poucos, sabe unir a dimensão lúdica do texto (ver, sobretudo, “Poema nuvem”, à página 31) a seu viés reflexivo, onde, em particular, impõe-se a força do pensamento poético. Um poema como “Estridência” ilustra bem o que quero dizer. Vejamos: “Há dias de sagrado ócio / Em que a vontade é de / Não fazer mais nada // Só beber a estridência de estar aqui / Como quem bebe o canto / De cigarras e grilos // Brindar sua canção / Às vezes tão incômoda / Como a vida // Esta vidinha / Que não trocamos por nenhuma / Das eternidades”.
O mesmo se pode afirmar de “Isto não é um haicai”, em seu recorte autoirônico: “Um dia não haverá / Lembrança disto que fomos / (Por mais belos que sejamos)”. 
Além dessa coletânea, o autor publicou, em 2012, “Sazonadas” e “Girassóis noturnos”, e, em 2014,”Cancioneiro da terra”. Sua poesia tem sido reconhecida, em seu valor intrínseco, por professores e poetas, como Maria Lúcia Dal Farra e Paulo de Tarso Correia de Melo.

***

[*] – Hildeberto Barbosa Filho é professor universitário, escritor, crítico literário, poeta e jornalista. Ocupa a Cadeira nº 06 da ACADEMIA PARAIBANA DE LETRAS. 


Bibliografia atualizada deste artigo: Revista da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras. Nº 45. Natal, outubro-dezembro de 2015 (páginas 14-15).