quarta-feira, 19 de agosto de 2015

CONVIVÊNCIA CRÍTICA - Hildeberto Barbosa Filho

Foto Divulgação

CONVIVÊNCIA CRÍTICA
Hildeberto Barbosa Filho [*]
De olho na estante (7)

Segundo Ferreira Gullar, “Nas pontas dos pés” (Mossoró: Sarau das Letras, 2015), de Antonio Fabiano, possui “linguagem fluente, sem ênfase”, alçando-se, portanto, “acima da banalidade da vida”. Antonio Carlos Secchin, por sua vez, em breve texto de apresentação, releva o tom recatado e delicado de sua dicção lírica, “despojada de toda pompa, e, por isso mesmo, cúmplice das pequenas maravilhas de que se tece o cotidiano”.
Temos, assim, ressaltados pelos poetas/críticos elementos de forma e fundo peculiares à poética desse paraibano de Patos, que cresceu e viveu em Cerro Corá (RN) até 2004, ano em que ingressou na Ordem do Carmelo Descalço.
À sutileza e à limpidez da linguagem corresponde uma temática voltada para as experiências do dia a dia, aquilo que poderíamos denominar de o complexo da “vida simples”, para lembrar uma expressão de Jurandy Moura, transfigurado, no entanto, pelo poder das palavras, em suas possibilidades imagéticas, rítmicas e ideativas.
Frei Antonio Fabiano não teme o apelo silencioso, mas urgente, das coisas comuns e das circunstâncias banais que o circundam no plano existencial, para, com os utensílios idiomáticos, utilizados com parcimônia e sabedoria poéticas, transcender o imediatismo pragmático das vivências que a realidade nos impõe, desvelando seus aspectos essenciais e imperceptíveis.
Em “O bailarino”, diz que “voava / Por sobre a copa das árvores / Enchia de nada a noite”; em “A luz bruxuleante”, acerca-se de sua “nudez / Tangida pelo dedo de um demônio”, assegurando, mais à frente do poema, que “Por entre bicicletas / Moinhos e tímidos sorrisos / Existimos”; em “Grão milagre”, descobre que “não se pode interromper / Com as mãos a dança de um rio... / A gente é e para isso nasce. / O pulso às vezes dói mas é sublime e /  mesmo que eu não quisesse – / Morava e ainda mora e há de morar / Nas veias como em ostra o grão milagre!...”.
Motivos como a casa, o pai, a infância, o corpo, a poesia, o palhaço, a velhice, entre tantos outros, são contemplados pelo olhar lírico desse poeta que, como poucos, sabe unir a dimensão lúdica do texto (ver, sobretudo, “Poema nuvem”, à página 31) a seu viés reflexivo, onde, em particular, impõe-se a força do pensamento poético. Um poema como “Estridência” ilustra bem o que quero dizer. Vejamos: “Há dias de sagrado ócio / Em que a vontade é de / Não fazer mais nada // Só beber a estridência de estar aqui / Como quem bebe o canto / De cigarras e grilos // Brindar sua canção / Às vezes tão incômoda / Como a vida // Esta vidinha / Que não trocamos por nenhuma / Das eternidades”.
O mesmo se pode afirmar de “Isto não é um haicai”, em seu recorte autoirônico: “Um dia não haverá / Lembrança disto que fomos / (Por mais belos que sejamos)”. 
Além dessa coletânea, o autor publicou, em 2012, “Sazonadas” e “Girassóis noturnos”, e, em 2014,”Cancioneiro da terra”. Sua poesia tem sido reconhecida, em seu valor intrínseco, por professores e poetas, como Maria Lúcia Dal Farra e Paulo de Tarso Correia de Melo.

***

[*] – Hildeberto Barbosa Filho é professor universitário, escritor, crítico literário, poeta e jornalista. Ocupa a Cadeira nº 06 da ACADEMIA PARAIBANA DE LETRAS. 


Bibliografia atualizada deste artigo: Revista da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras. Nº 45. Natal, outubro-dezembro de 2015 (páginas 14-15).

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