De uns tempos pra cá vislumbrei o poder infinito de uma obra que quer nascer e seu pai, parturiente, não pode ou se recusa a abrir as pernas para que isso aconteça. Mas o que digo? São também por coisas assim, extravagantes, que a literatura nossa de cada dia se faz e às vezes dá sinal no cotidiano. Aqui, parece, evoco quase sem querer o velho Sócrates, com a sua duvidosa – dadivosa? – maiêutica.
Eu não tenho a pretensão realmente inútil e pouco humilde de ser entendido por todos. Às vezes só um poeta entende outro (alguns não se entendem nunca!), e talvez aqui resida o pior limite dos que por esse nome são chamados ou se fazem chamar. Não é da natureza da poesia fazer-se entender vulgarmente. E não sei se todos estão aptos a gostar de poemas, se todos nasceram para essa coisa maravilhosa. Só penso que muitos não a amam, porque não foram educados para isso. Também aprende-se a amar o que quer que seja digno de amor. Amar é aprendizado. E poesia existe para ser sentida, profundamente, por todos que a queiram sentir. Ninguém é menos digno de recebê-la.
Eu sou partidário daquilo que disse Bandeira: não há poetas perfeitos, há poemas perfeitos. Quando esbarramos num, é difícil não perceber! Eles têm função epifânica na vida da gente, desinstalam-nos, revolvem-nos...
Do que eu dizia, uma vez dada ao mundo a suposta obra... ah, uma vez dada, ela deixa de ser nossa! Se é que alguma vez foi nossa!... Alguns poemas – porque estamos falando particularmente de poesia – alguns dos que escrevi são tão apreciáveis a meu rude paladar, que não posso deixar de louvar muito qualquer coisa suprema que mos tenha dado! Quando leio o que escrevi, depois de feita a parte que me é cabível, eu não reconheço aquilo como obra minha (ao menos no sentido mais exacerbadamente possessivo do pronome), ainda que me reconheça ali ou ligado àquilo por vínculo autoral. Se a obra já está “pronta”, se ela não precisa de mim pra mais nada, proclama-se ela mesma “livre”. E ao escrever isso penso particularmente num verso de Manoel de Barros que diz que... Bem, revirei sua Poesia Completa, não achei o que eu sei que está lá, escondido; quando o achar, se eu me lembrar, cito-o. Perdoem-me.
Mas, do que intentei dizer, se a obra é imperfeita, faço guerra até que a poesia desça ao poema ou o poema se torne menos indigno da poesia ou haja poesia a encorpar os ossos secos sobre os quais devo poetizar!...
A verdade é que muitas vezes sobra apenas um enorme sentimento de insatisfação, de um “aquém terrível aquém”, de um fracasso meu perante a pretendida lavra. Um escritor de verdade deve ter princípios. E escritores, profissionais ou não, sofrem terríveis derrotas. Eu nunca desisto, enquanto sobra força e ocasião. Por isso refundo mil vezes a mesma coisa, para que se torne outra coisa, melhor, mais digna de quem vai recebê-la e dignificá-la. E embora não me faça refém de interlocutores, há sempre o fantasma do possível leitor... Tenho leitores? O que é um leitor?
Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 20 de junho de 2011.
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