A literatura, a minha literatura!... E pareceu-me de repente tão ousado pensar assim. Eu, versado em puríssimas humildades. Eu, filho da verdade, talhado em pedras de sabão de Minas, cônscio de uma missão deveras exigente. Eu, antes de tudo, comedor de camarão. Rapaz modesto e acanhado, índio se tivesse nascido na floresta e não apenas nu.
Mas por que não dizer, também, eu emissário de um rei desconhecido? Ou eu egocêntrico? Ou eu qualquer coisa esnobe? Ou eu ninguém. Talvez, com menos doçura, perder-me em armadilhas de belezas não tão óbvias!
A verdade triunfará.
Tenho a cabeça nas nuvens, mas os pés bem firmes no chão. Isso de mim faria – se eu o dissesse às gentes que nasceram lírios, príncipes, deuses – um louco e para além gigante. Mas para além gigante ninguém enxergaria. Só louco. E criaturas perfeitas me julgariam, com severas sentenças me condenariam... A mim, outra vez pecador por dizer eu.
Soberba consciência! Eu pecador! Sim, pecador! Mas é falsa esta humildade e aquela outra! Sou um pobre diabo impelido a extremos, atormentado por asas de aves raras que se negam a pousar nas mãos de qualquer um!
Nasci depois de tudo, ou antes de tudo, de uma hora em que qualquer coisa realmente grande vai acontecer. Não conheci exílios, não militei por nenhuma causa nobre, não salvei meu país, não redimi os homens da terra. A ampulheta rompeu-se antes do tempo, e este é o das poucas ou nenhumas expressões, poucas ou nenhumas ousadias. Inventei isso, como inventamos tudo? Não reivindiquei nada, não construí nada, não fui nada além do que assumi. Eu o às vezes também não lúcido, ilógico. Sujeito perdoável, até.
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Passei horas tocando violino. Até que a minha mão se tornasse outra vez leve. Até que ela virasse um beija-flor em voo, suave, para oscular as notas da minha partitura original. Ninguém sabe o que é ficar tanto tempo sem seu arco. Tantos dias sem o brio das cordas. Meses de castigo, por não sei o quê. Agora tento me reconciliar com o céu que eu toco e me toca. Ah, sem essa oblação, músico e instrumento se desrealizam!...
De repente, bem de repente, a minha mão se torna o beija-flor! Voou... Voou... Tocou os impossíveis recônditos do silêncio. Meu violino agora sou eu. Sou eu. Sou eu. Ele outra vez impávido! Eu. Ressuscitando mortos, coisas muito antigas, esperanças de eternidade. Uma explosão de ondas de abraços. Porque eu sem culpa, na verdade que liberta, na beleza de dizer isto e ser eu. Eis o mistério que a vida inteira não ocultei...
Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 06 de junho de 2011.
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Para Luana Cristina
Há tempos em que nos esquecemos da leveza, e no desabrochar dos espinhos caímos como gotas nas frágeis pétalas.
ResponderExcluirObrigado pela dedicatória, fiquei honrada por se tratar de um texto tão perfeito. Obrigado
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