Entre ruídos e luzes, confusão de todos os lados, eu paro em meio à agitação da rodoviária de São Paulo e me pergunto se sou capaz de escrever a crônica devida à próxima segunda-feira. Não terei tempo depois! Beijei o frio da grande metrópole e queimei meus lábios que estão ardendo até agora! As pessoas passam sem parar... Para onde vão? Ah, essa espécie de criaturas sempre me fascinou! Sou amante incorrigível do gênero humano!... Já é quase fim de semana, eu devo embarcar em alguns minutos para BH, minha ansiedade não me deixa em paz e – o que é muito raro – esqueci de trazer comigo um livro pra essas horas. Bem, o livro eu trouxe. Mas só um e eu o li na vinda. Eu nunca perco tempo em filas e esperas, tenho sempre algo pra ler. Assim, eu não me estresso (quase) nunca! Mas, desta vez... Bem, desta vez eu só esqueci um livro e nada mais! Jurei que não ia me apoquentar, principalmente porque aquilo de estressar-se está na moda e eu não sou da moda! Como ia dizendo, estive em São Paulo para conferir palestra a um seleto grupo de pessoas. Gente tão simpática que suscita amor à primeira vista e saudades depois do parto! Partir é um parto! Missão cumprida, devo regressar à capital mineira. Enquanto espero (coisa que nem todo mundo gosta!), penso nos meus leitores imaginários (vocês são reais? eu não sei se eu sou real!...) e escrevo a crônica da próxima segunda. Isso também – devo confessar – contraria meu plano inicial que era escrever algo intitulado “Você não precisa de música para dançar”. O assunto seria outro. Achei tão bonito esse título, quando o pensei numa noite dessas, que decidi que viraria no mínimo literatura. Foi uma iluminação, mesmo sem ser tão original! A meu ver, naquela hora em que pensei isso, o título mereceria um texto quase pleno, prenhe de coisas sublimes e, quem sabe, novíssimas. Porém, como é possível escrever crônica assim? Gênero, esse, literário, mas tão inusitado, estranho em si mesmo, híbrido e sei lá mais o quê... Letra quase indecisa, imediata, meio displicente... Coisa – nome apropriado a isso! – quase perigando-se ao descartável, precipitando-se nas cavernas do banal, mas com (in)devidas tentações de eternizar-se – oxalá pelo raio de um dia, o dia!... Sim, porque fazer crônica é mais ou menos falar disto e daquilo e de algo entre ambos, desavergonhadamente, em primeira pessoa pronominal, reinventando-se com o leitor, discorrendo sobre tudo e, inclusive, sobre nada... sem fingir não ver o óbvio que é a matéria favorita do cotidiano! Mas eu queria encher de tudo as minhas crônicas, ao menos esta que se intitularia “Você não precisa de música para dançar”. Eu pensei que talvez conseguisse transmudá-la (a croniquinha) de “gênero menor” em algo que não dormisse pura, simples e momentaneamente nas retinas de um meu displicente ou aplicado leitor imaginário e, tampouco, se acordasse amanhã nos detritos do esquecimento. Ao menos essa, quis que durasse mais que um dia, sim, desejei isso, quando na verdade é fantasia pensar assim, sobretudo se é estéril a inspiração para o ofício. Fracassei. Mas, eu fiz menção de falar de dança! Esta é a palavra, e mal me vem aos lábios, soando sonora, me alerta a moça da rodoviária, toda voz, que o meu ônibus já vai partir e eu devo ir... Corro! Não vai dar tempo! Não vou falar de dança! Só ia dizer que... O que eu ia dizer? Esqueci, mas... Quando estou chateado eu danço, não tão literalmente! Eu danço no melhor e mais positivo dos sentidos! Sabe aqueles dias em que – por mais deuses que sejam alguns de vós e quiçá também eu mesminho – a gente tem vontade de gritar e chutar o pau da barraca ou a canela dos que nos aporrinham? Em momentos como esse eu danço! Apago as luzes do meu quarto – para não ficar com vergonha de mim mesmo, que sou muito tímido – e danço! Não sozinho, mas comigo mesmo! E se você puder dançar com outrem, além de você mesmo, isso é perfeito e incomparavelmente maior! Assim, eu danço até ficar feliz de novo! Nenhuma tristeza, nada, resiste à sedução da dança!... Mas agora eu desisto da crônica, porque o ônibus já está se movendo, os passageiros dançam nos assentos e algo com o título que eu queria não cabe em meu bloco de anotações, não cabe em nada! Se algo eu pudesse dizer, isto seria: dance! Quando apagarem-se as luzes, dance! Seja você mesmo a luz e dance! E se não tocarem nada, se sufocarem a música, dance! Que importa? Você não precisa de música para dançar e, quer saber, com a dança até mesmo a música vem! Ela não resiste a este encantador escândalo que é dançar sem música e vem! Aí tudo fica com cara de sol em veraneio de praias potiguares! Perfeito! Paro. O ônibus parte. Eu paro, mas tudo ao meu redor se move mais veloz e freneticamente... Prédios, fábricas, casas, Tietê, placas, placas, pontes, carros, placas... Estou com sono. Durmo. Acordo. Montanhas. A viagem é longa. De repente Minas, Minas, Minas... Minas que amo e não se acaba mais, Minas enorme, Minas toda a vida... Engarrafamento. Minas, obviamente, Belo Horizonte. Cheguei. Desisto de tentar escrever a crônica da próxima segunda-feira. Meus leitores imaginários entenderão.
Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 23 de agosto de 2010.
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LEitura muito agradável, passo aqui de vez em quando
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