domingo, 20 de julho de 2025
sábado, 5 de julho de 2025
INFÂNCIA - Daniel Faria
e jogava ao pião com Deus
enquanto minha mãe estendia roupa
e o meu pai mendigava pão
e minha alegria nesse tempo
era muito próxima da dos meninos
e de Deus que ganhava sempre
e não sei quem perdi primeiro:
o pião ou Deus
apenas sei que Deus continua
a jogar com outros meninos
e que no Outono quando saio à praça
nos sentamos e falamos muito
do suave rodopiar das folhas
Daniel Faria
Oxálida, 1992
segunda-feira, 23 de junho de 2025
domingo, 22 de junho de 2025
DO INESGOTÁVEL
Observei-te sabendo já que eras um homem – a cabeça
De
pelicano dobrado
O bico
que te rasgava para fora
Adoeci
como lâmpada que se funde
A coroa
de espinhos sobre mim – a lembrança
Dobrei-me
nas tuas asas
Nas
chagas ainda quentes
No voo
como gota de sangue no peito
Que vive.
No coração
Que
partes e distribuis com as mãos
*
Todas as
minhas fontes vêm de ti
As
nascentes
E amo-te
com a constância do moribundo que respira
Já sem
saber de que lado o visita a morte
Procuro a ligação entre ti e a luz muito
[miudinha depois dos temporais
Entre a
luz e os estilhaços nas ruas bombardeadas
Desconheço
o colar onde unes tudo
Procuro
entender como é que moldas
Os meus
pés ao equilíbrio que os desloca no chão
Sei que
és tu que me levantas
Que
remendas o meu corpo cada dia
Em ti
encontro a pulsação
Que
rebenta – uma artéria como nunca
Tinha
jorrado. Cratera onde durmo
Recluso,
árvore à chuva
Em
dificuldade extrema
De
respiração
Ponho a cabeça entre os ramos, lanço
[os braços para fora
Como um
pássaro entre um bando
De
disparos
Tu moves
as agulhas, tu unes de novo
As minhas
asas à curva do céu
*
E desço à
verdura das tuas mãos
Como as
manadas que buscam as minas
Faltam-me
apenas os pés feridos dos que
[peregrinam
Faltam-me
no chão duro das promessas
Os
joelhos
Queria
tanto andar em redor, rodear-te,
[se soubesses como
Queria
amar-te tanto
O que sei
da unidade é a túnica
Tirada à
sorte. O que sei da morte e da vida
É o livro
escrito por dentro e por fora
Silêncio
escrito por dentro
Palavra
escrita a toda a volta da história
O que sei
do céu
É a mão
com que sossegas os ventos
Desço à
escritura como os veados aos salmos
FARIA, Daniel – POESIA – Edição Vera Vouga. Publicado em Portugal
por Assírio & Alvim. Porto
Editora, Ltda. 1ª edição: maio de 2012.
sábado, 7 de junho de 2025
sexta-feira, 23 de maio de 2025
POESIA - Daniel Faria
Há muitos metros entre um animal que voa
E a escada que desço para me sentar no chão
Mas basta-me um quadrado de sossego
Para a distância absoluta
Está para além do que se vê a janela
[onde me
debruço definitivo
Não é uma aparição
Nem se pode alcançar sem se ir em frente caindo
Só no fim da paisagem estou de pé
[como um
para-quedista que desce
Suspenso como os santos num arroubo místico
Erguido como um anjo em suas asas
E sinto-me ser alto como um astro. Nuvem
Como se fosse um homem
Que levita
POESIA de Daniel Faria. Edição
Vera Vouga. Publicado em Portugal por Assírio & Alvim. Porto Editora, Ltda. 1ª
edição: maio de 2012.
quinta-feira, 24 de abril de 2025
FADO
Sonhei que ‘stava morto... Ai que tristeza!
E tu me vinhas ver, em grande pranto...
Diziam-me, teus lábios, triste canto,
Enquanto eu – só – jazia na frieza.
Estranho luto, aquele, em teu burel!
No pobre esquife, a pálida aspereza
Da vida extinta, lânguida certeza
A esvaecer-se em face d’outro véu.
Amor... tu me choravas tanto e tanto,
Que os deuses, comovidos, de repente
Realizavam cândida proeza:
Ressuscitar ditoso... No entanto,
Fora melhor ‘star morto, brutalmente!
Pois não ‘stavas aqui... Ai que tristeza!
terça-feira, 4 de março de 2025
Affonso Romano de Sant'Anna (1937-2025)
DONA MORTE
Dona Morte
a Senhora está aprontando
demais
na minha porta
– sem falar no estrago
intempestivo o mês passado
devastando minha horta.
Como reverter tamanha
intromissão?
Sei que tem lá seus
misteres
sei que é tarde, já
escurece.
Espere um pouco, Dona
Morte
eu queria apenas
jogar só mais um pouco
com os três amigos que me
restam.
Affonso Romano de Sant’Anna
Sísifo desce a montanha, Rio de Janeiro: Rocco, 2011.
domingo, 2 de fevereiro de 2025
sábado, 1 de fevereiro de 2025
sexta-feira, 31 de janeiro de 2025
Paisagem Da Janela
Em um cubículo qualquer da capital mineira, janela para o mundo... Isso é tão BH pra mim! Poesia pura do lendário Clube da Esquina, que um dia aconteceu nas Gerais... Mas isso é tão normal!!