sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

PREFÁCIO de CANCIONEIRO DA TERRA por Wilson Azevedo

 PREFÁCIO

Por qué los árboles esconden
el esplendor de sus raíces?
Pablo Neruda
                                                                                                                       


Cancioneiro da terra é o terceiro livro de poesia que Antonio Fabiano traz a lume, depois de Sazonadas e de Girassóis noturnos, publicados no Rio de Janeiro, em 2012, pela editora Taba Cultural. E seriam muito mais, não fosse o próprio autor seu crítico mais impiedoso, rasgando e lançando à fogueira centenas de poemas que só poderiam ser de fato avaliados por uma visão exterior. [1]
Esse Cancioneiro escapou às chamas, para o enlevo daqueles que apreciam poesia e, especialmente, de quem conhece seu autor. E, certamente, o poeta o salvou por ser este um inventário de seus mais caros afetos: o canto telúrico à terra da qual teve de se ausentar.
Dividido em sete segmentos (da língua dos anjos até as línguas avoengas), Cancioneiro da terra revela um poeta em pleno domínio do verso, pois o primeiro desses segmentos é composto por quatorze sonetos metrificados em decassílabos. E a primeira impressão que se tem desse processo metrificador é que o poeta quer provar o domínio de uma técnica de versificação, qual aqueles modernistas que, depois de cometer “desvarios” como os conhecidos “Sapos” de Bandeira, voltaram a escrever poemas rimados e comportadamente metrificados; sonetos, inclusive.
Mas essa impressão se desfaz no conjunto do livro. Não por aqueles poemas em versos livres, mas exatamente por outro de forma fixa: o canto real [2] em que o poeta fixa a tradição, para dizer que ela morreu e ficou circunscrita àquela forma antiga de fazer poema.
Antonio Fabiano não precisa provar nada, pois se assim quisesse, já o teria feito em Sazonadas com o soneto “Infinito”, digno de figurar entre o que de melhor se produziu no gênero. E mesmo um poema longo como “Serpente emplumada”, de Girassóis noturnos (em versos livres que se estendem por mais de vinte páginas), impressiona pela contenção do verso.
A forma fixa, então, se explica por uma necessidade da estrutura do livro. A primeira parte, composta de sonetos, tem como fim: a) a fixação do sujeito poético: primeiramente, na terra em que nasceu, a Paraíba; depois, na qual foi transplantado ainda criança, o “Rio Grande”; b) a descrição da terra que, afinal, é indivisa: “Nordeste é o mundo inteiro!” (Poema para Francisco J. C. Dantas); c) o inventário das tradições de sua terra (religiosas, culturais...).
Já o canto real (de tradição antiga) é a forma pela qual o poeta evoca os seus (nossos) antepassados. É um modo de expressar a tradição das fórmulas mortas. E é a partir daí que o sujeito é desterrado do seu chão: “Minh’alma deslizou por sobre os mares”.
Esse deslocar errante em tudo contrasta com a primeira parte (Em línguas de anjos) onde estão fincadas as raízes do sujeito poético (por nascimento ou transplante), e reforça toda uma instabilidade do ser já explorada nos poemas em verso livre (em línguas de rios e em línguas de asas, principalmente).
E aqui vale uma observação sobre o tempo do livro. Do conjunto dos quatorze sonetos do segmento “em línguas de anjos”, apenas os sete poemas iniciais expressam-se no presente, predominando o passado, a partir do oitavo, e assim no restante do telúrico Cancioneiro.
E é exatamente em decorrência da predominância do tempo passado, que dizer de Cancioneiro da terra que ele é um livro telúrico seria apenas uma tautologia, pois é esse passado que lhe empresta uma sombra de melancolia. Assim, o Cancioneiro não é apenas telúrico, mas de um telúrico melancólico, pois esse livro vai muito além de um canto de exaltação ao solo: “Em chãos da Paraíba eu nasci, / Mas cedo vim morar no Rio Grande.” Ele não é telúrico apenas no sentido de que é um poema enraizado na terra das lembranças do poeta: “Lancei raízes nesta terra Norte... / Daqui sou filho — alma e coração!”
Isso porque ao inventariar as tradições ancestrais, na busca de suas raízes, o sujeito poético dá-se conta de que é ele próprio um desterrado: “Expatriado é o que eu sou” [...] “Folha de árvore que se soltou” (Talvez os mortos voltem). Assim como em todo o segmento “em línguas de asas”, em que ser degredado não é atributo apenas do sujeito poético, mas do sujeito moderno, embora sem menção explícita a ele, que perdeu suas referências, suas raízes; que não é mais capaz de fincá-las em lugar algum: “São as filhas degredadas do universo” (A chegada).
Dessa forma, telúrico (no sentido do livro) significa uma comunhão com a terra; não a prometida, mas a perdida, onde as raízes que de fato importam são as dos ancestrais (avoengas), pois, diferente dos versos de Neruda, esse Cancioneiro não esconde suas raízes. Elas continuam lá; as árvores é que feneceram, como em “Talvez os mortos voltem”:

“Talvez os mortos voltem
Com suas ilusões de vivos
E eu os ouço à noite
Em seus gemidos.
Nada sobrou dos bens antigos
[...]
Bem inventariados em papel
Que agora as traças comem”.

Outro poema que expressa bem esse telúrico melancólico é “Perfeição”:

“[...]
O que sei e guardo
É o frescor da manhã
O canto das rolinhas
O cheiro do curral
Leite quentinho
E meu indizível avô
Ainda vivo.
Mas outro nome pra isso é perfeição!
[...]”

Isto é, a “perfeição” ficou no passado, perdeu-se no tempo da infância, de quando o avô ainda estava vivo.
E ao circunscrever seu Cancioneiro (no caso desse poema, a “perfeição!”) no passado, o poeta também se insere em uma outra tradição (a que mais importa agora): a tradição poética. Pois é também nesse poema no qual se percebe aquilo que se convencionou chamar de intertextualidade, explícita no primeiro verso, numa clara referência a Drummond: “A lembrança de minha terra dói”; ou ao rio que passa na aldeia de Pessoa: “E agora eu sei que o sol das outras terras / Não é / Como o daqui”.
Parafraseando nosso poeta maior, qualquer leitor (desterritorializado ou não) pode ler este Cancioneiro e dizer: “minha terra é apenas uma fotografia na parede mas como dói”.

Wilson Azevedo *


[1] Refere-se ao episódio de julho de 2012, o qual narrou-se em bem-humorada crônica, aqui mesmo no blog, sob o título de “Julho em Chamas”: http://antoniofabiano.blogspot.com.br/2012/07/julho-em-chamas.html

[2] Canto real (chant royal) é uma complexa e rara forma fixa de origem francesa, composta geralmente de cinco estrofes de onze versos com o mesmo bordão final e um remate (envio ou oferta), além de rigorosa metrificação e rimas determinadas. Surgiu no século XIV e foi bastante cultivado até o século XVI. É uma espécie de variação da balada e absolutamente incomum em nossos dias. (N. do B.)

* Wilson Azevedo é intelectual potiguar e crítico literário.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

CANCIONEIRO DA TERRA por Paulo de Tarso Correia de Melo

Este Cancioneiro da Terra, de Antonio Fabiano, abre-se em sete partes. Arco-íris de palavras como cores que se interpenetram para constituírem um todo temático, o Nordeste, sob feliz epígrafe de Zila Mamede: “A terra de minha origem primitiva me chama”.
Chamado que se faz em várias línguas, nomeadas segundo as partes do livro onde se diversificam formas para cada uma das linguagens. “Em línguas de pedra e fogo” é vazada uma série de catorze sonetos nos quais se tenta uma renovação e regionalização da forma fixa consagrada, o que se consegue no caso de “Senhora da Manhã”:

Senhora das juremas, dos facheiros,
Do xiquexique rude, oiticicas;
Ó tu, Mãe, que a terra plenificas,
Vela por minha gente de ceifeiros!

“Em línguas de rios”, como a água é rara, apenas dois poemas mais alongados, em versos curtos e coleantes.
Chega-se, então, ao que nos parece o ponto alto do livro. “Em línguas de asas”, série de doze poemas que tenta reproduzir o “Estremeço e vibração de pássaro”, epígrafe de José Gonçalves para textos que refletem sobre aves migratórias e a errática migração humana.
“Em línguas de homens”, o sertanejo acende um cigarro de palha cósmico e ilumina o universo.
“Em línguas de chuva”, fala-se de lembranças campesinas de perfeita felicidade.
A língua do mar mostra a força do Cancioneiro em “Caracol” e encerra-se com a série de cinco poemas que finalizam com o refrão: “Navio navegando mares mágoas...”.
       Termina o livro “Em línguas avoengas”, reflexão sobre as mais volumosas águas da lembrança. “A Bicicleta” ensina-nos a pedalar até o fim da vida e o último poema, “O Caminho”, a guardar estrelas para o dia seguinte.

Paulo de Tarso Correia de Melo
Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras


domingo, 14 de dezembro de 2014

SAN JUAN DE LA CRUZ

Manuscrito de Jaén (Cántico B)




Otras del mismo a lo divino

            Tras de un amoroso lance, 
y no de esperanza falto,
volé tan alto, tan alto,
que le di a la caza alcance.  
   
1.

        Para que yo alcance diese
a aqueste lance divino,
tanto volar me convino
que de vista me perdiese;
y con todo, en este trance, 
en el vuelo quedé falto;
mas el amor fue tan alto, 
que le di a la caza alcance. 
   
2.

           Cuando más alto subía
deslumbróseme la vista,
y la más fuerte conquista
en oscuro se hacía;
mas, por ser de amor el lance,
di un ciego y oscuro salto,
y fui tan alto, tan alto,
que le di a la caza alcance.
   
3.

Cuanto más alto llegaba
de este lance tan subido, 
tanto más bajo y rendido 
y abatido me hallaba;
dije: ¡No habrá quien alcance!;
y abatime tanto, tanto,
que fui tan alto, tan alto,
que le di a la caza alcance.  
   
4.

Por una extraña manera, 
mil vuelos pasé de un vuelo, 
porque esperanza de cielo
tanto alcanza cuanto espera; 
esperé sólo este lance, 
y en esperar no fui falto, 
pues fui tan alto, tan alto,
que le di a la caza alcance.  

San Juan de la Cruz (1542-1591)

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

PROMOÇÃO

Olá, pessoal!

Gosto que gostem da minha poesia! Obrigado! Mas não sou eu que distribuo o livro... Na verdade, ele já circulava em Natal-RN há dias quando chegou às minhas mãos nesta semana e eu pude finalmente vê-lo! Ficou bonito. Todavia, tenho aqui em São Paulo alguns exemplares. Escrevam para o meu e-mail e prometo enviar, gratuitamente, alguns exemplares para os que curtem poesia! Farei sorteio. Ah, não se esqueçam de mandar o endereço para correio. E, antes que perguntem, sim, mandarei para os leitores de fora do Brasil. Quando sobrar um tempinho, publicarei aqui no blog alguns poemas do Cancioneiro. Obrigado!
Antonio Fabiano
seridoano@gmail.com


quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

ANTÔNIO AMARO (1918-1992)

Antônio Amaro com auxiliar e uma de suas câmeras fotográficas
Foto: Acervo da Família

Antônio Cipriano dos Santos nasceu em 13 de junho de 1918, em Parelhas-RN. Foram seus pais: Amaro Cipriano dos Santos, o renomado Mestre Amaro, e Carmelita Maria da Conceição. Ficou então conhecido pelo nome de Antônio Amaro. Chegou a Cerro Corá-RN no início dos anos 1940. Muito jovem tornou-se motorista. Prestou serviços à Inspetoria de Obras Contra as Secas, abrindo rodovias hoje conhecidas e percorridas por muitos norte-rio-grandenses. Em 1945 casou-se com Inácia Iná Dantas, passando a residir na Várzea dos Evaristos (Cerro Corá), onde nasceram os cinco filhos do casal: Sobrinho, Assis, Geraldo, Juarez e Tárcio. Antônio Amaro desenvolveu outras atividades: fogueteiro, fotógrafo, comerciante, ferreiro. Durante muito tempo fabricou fogos de artifício, na época conhecidos por "fogos de vista", como "balões", "fogos de roda", de "lágrimas", "chuveiros", "foguetões", os quais eram chamados "massa luz". Trabalhava nesse ofício em festas de padroeiros, como São João Batista, em Cerro Corá; Sant’Ana, em Currais Novos; nas novenas religiosas; inaugurações de obras; manifestações políticas e em outras ocasiões festivas. Ao interessar-se por fotografia, logo adquiriu habilidades e vasta experiência nesse campo, tornando-se um profissional competente e desenvolvendo amplo trabalho de cobertura dos acontecimentos daquele tempo, em Cerro Corá e região. Antônio Amaro usava as máquinas fotográficas do tipo caixão, também denominadas "lambe-lambe" ou "mão no saco", as mais modernas do tempo. As fotos que existem até hoje, de excelente qualidade, em preto e branco, eram reveladas por ele mesmo, em casa. Nos últimos anos, num carro-pipa de sua propriedade foi responsável pelo abastecimento de água da cidade. Manteve-se, por um período, no comércio de queijo. Foi também fabricante de silos para cereais, barris, bicas e outros utensílios de uso doméstico e agrícola, em alumínio e zinco. Sua última profissão. Antônio Amaro faleceu em 11 de dezembro de 1992, em Cerro Corá, aos 74 anos, vítima de um câncer na vesícula. Aquele era o mesmo dia de aniversário de emancipação política da cidade que ele amou e escolheu para si.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

CANCIONEIRO DA TERRA (2014)


Copyrigth@by Antonio Fabiano
Ficha Técnica:
Fotografia: Antônio Amaro (1918-1992)
Capa: Brito e Silva - DRT/RN 166
Revisão: Leonam Cunha
Projeto Gráfico: Maria do Socorro de Oliveira - DRT/RN 165
Edição: Sarau das Letras

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SARAU DAS LETRAS EDITORA LTDA.
Rua Antonio Vieira de Sá, Quadra 45, Casa 3, Anexo.
Conjunto Portal do Sol, Nova Betânia, Mossoró-RN
CEP 59607-100
Contatos:
davidmleite@hotmail.com
clauderarcanjo@gmail.com
* David de Medeiros Leite e Clauder Arcanjo (editores)

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

PAISAGEM SECA - fotografia de Antônio Amaro (1918-1992)

Está prestes a sair meu "novo" livro de poesia: Cancioneiro da Terra (Editora Sarau das Letras). Partilho com vocês a fotografia da capa, em preto e branco e com efeito sépia. A fotografia original (em preto e branco, mas não exatamente nos tons que se veem aí...) foi feita por meu avô Antônio Amaro, em meados do século passado. A original, que pertence ao acervo da família, está em alguns pontos bastante danificada. Portanto, o que aí temos é uma restauração parcial, em duas versões, para que uma delas seja incluída no livro. Os trabalhos de restauração, capa e projeto gráfico foram realizados em Natal/RN, por Brito e Silva e Maria do Socorro de Oliveira.


PAISAGEM SECA

Versão 1
Fotografia de Antônio Amaro (1918-1992)


Versão 2
  Fotografia de Antônio Amaro (1918-1992)

A fotografia original de "Paisagem Seca" já foi exposta ao público em atividade cultural de Cerro Corá/RN, ao lado de outros trabalhos de Antônio Amaro