sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Leitura crítica do poema “Serpente Emplumada” de Antonio Fabiano, por Elizabeth de Souza Araújo. (Parte 8)

Dando continuidade à análise, tentaremos perseguir o caminho trilhado desde o início, a fim de desvendar o mistério para a compreensão da significação do poema.

O poeta está fazendo uma pergunta geral sobre todo o poema que encantou seu mundo de homem-jovem, expressões que soam estranhas ao ouvido civilizado, mas que revelariam a essência desse habitante sem raízes que busca no vazio os comprovantes de sua essência poética:

 

“Mas como pode caber

Num homem tão pequeno

Tanta poesia

Tanto sonho e desejo?”

 

Esses versos mágicos invocados pelo adulto de hoje, no caso o poeta, revelam um toque de singularidade no tratamento da temática ubi sunt, uma vez que o poeta não indaga diretamente pelos seus antepassados, mas procura no tempo a imagem perdida de si mesmo. – p. 73 - Análise da Obra - Carlos Drumond de Andrade – Affonso Romano de Sant’Anna.

Finalmente num ímpeto da alma, ele assim se expressa:

 

                   “(Sonho)

 

                   Shangri-La

                   É coração de amigo...”

 

Nesse poeta, a reconquista do “paraíso perdido” (“Shangri-La”) obedece a um impulso para alargar a sua vida, compensando o que as preocupações circunstanciais lhe tomam cada dia.

Essa volta do passado é um movimento interno da consciência por abranger todas as direções do tempo a fim de se conhecer a si mesmo.

O sonho vai justificar toda a atmosfera do poema, bem como a sua linguagem.

O poeta está empenhado numa guerra, dentro de si mesmo, para descobrir a sua essência, que toma a forma de uma preocupação imprevisível, a fim de descobrir o sentido, em sua mente, das imagens (a sua estrutura profunda).

 

         “Ó beatitude

         Maravilhosa descoberta:

         Todos os músicos

         São deuses disfarçados!”

 

O comportamento do poeta se traduz, neste momento, pelo princípio da IMPREVISIBILIDADE, ORIGINALIDADE E CRIATIVIDADE. Pois o poeta, surpreendentemente, conseguiu sentidos novos em relações novas entre as palavras, palavras por sinal bem conhecidas de todos nós. Mas uma nova construção, uma nova maneira de dizer, produziu novo sentido, daí o seu caráter de IMPREVISIBILIDADE que ninguém poderia esperar.

CRIATIVIDADE E ORIGINALIDADE

O poeta soube construir frases e ideias diferentes, incomuns à maneira de dizer e falar, como por exemplo:

 

“Um canto / Quase inaudível / Veio da ave / Sem nome / Que viu na flor / O mel / Do seu delírio / Um lírio? / Não tinha nome. / E a beijou? / Qual beija-flor. / Pois era a cor e / A própria flor / O mel / Do seu delírio. // Voou...”

 

É nítida a presença do enjabement. O enjabement é, portanto um recurso voluntariamente empregado pelo poeta a fim de criar uma unidade melódico-emotivo-semântica mais extensa que as anteriores. – p.185 - A Criação Literária de Massaud Moisés. Veja: “... da ave / Sem nome........ Do seu delírio........ a cor e / A própria flor........ mel / Do seu delírio.”

Isso demonstra um determinado PROCESSO POÉTICO, A PRÓPRIA POESIA.

 

Finalmente um momento ímpar dentro do poema: compreender o mistério que é o da “Serpente Emplumada” que dá título ao poema.

É um mito asteca: “A Serpente Emplumada”. Os astecas acreditavam que viviam sob o sol de “Quetzalcoatl”, o deus serpente emplumada, deus da criação, da aprendizagem e do vento. O sol se move levado por sua respiração. Quando os guerreiros morrem, suas almas se transformam em raras aves emplumadas e voam para o sol. Quetzalcoatl era o rei da cidade dos deuses. Era totalmente puro, inocente e bom. Muito mais outros fenômenos ele provocava, como fazer chover, por exemplo.

Agora, veja só que beleza de descrição no poema sobre a serpente emplumada!

 

“Ondula! Ondula

Serpente

De cauda prateada

De plumas

Enfeitada

Cabeça

Adornada

Como velhos índios chefes

Banidos do meu país de nus!”

 

A colocação das palavras é tão perfeita que é como se a nossa percepção sensorial visualizasse o serpear (o andar sinuosamente) da serpente.

Todavia esta é uma explicação muito superficial do que significa realmente a “Serpente Emplumada”.

Vale a pena lembrar o que afirma A. Moles (1971) sobre a percepção estética:

“A percepção estética é o resultado de uma “integração cerebral” que visa obter a unicidade, procurando um traço de relação na complexidade dos elementos constituintes. O material dessa percepção (visual ou sonora) é constituído por átomos de sensação fornecida pela excitação sensorial dos órgãos envolvidos. Quanto à percepção propriamente dita, ela se identifica com o reconhecimento de macro signos, conjuntos reconhecidos como totalidades operantes. A tomada de consciência dos dois canais da percepção do poético, oral e visual, leva assim a acentuar seu aspecto unitário. (grifos nossos).

A teoria da estética informacional (A. Moles, 1958), visa também a apreciar e talvez medir (ver os trabalhos de C. E. Shannon) a ressonância de uma mensagem artística sobre o receptor. Supomos que o codificador e o descodificador possuíssem os mesmos repertórios compostos de elementos conhecidos ou facilmente reconhecíveis (regras de sintaxe, dicionários, sons da língua). Nessa situação, a todos o artista procura criar uma mensagem composta de tal maneira que traga, àquele que o receba, certa quantidade de novidade, quantidade que não deve ir além de determinado limite, a fim de que o receptor possa projetar formas sobre aquilo que lhe é transmitido.

Nada mais velado (novidade) do que trabalhar, pelo menos para mim, com o título exótico como o da “Serpente Emplumada”.

A inquietação inerente a este estudo volta-se, fundamentalmente, ao desvelamento sistemático do ato de ler. Verifica-se que esta tarefa exige do inquiridor um trajeto de investigação que não fuja às características estritamente humanas da leitura. A busca de uma síntese a partir de diferentes perspectivas ou pontos de vista, discutindo e “entrelaçando” conceitos iluminados por discursos diversos é que vai garantir a incisividade e profundidade pretendidas nesta reflexão.

É a teoria da estética informacional – “a ressonância”  (reforço das vibrações e, portanto, do som), se confirmando.

Todo o texto enquanto tal apresenta uma forma ou estrutura e possui, necessariamente, uma essência. Ao se situar diante de um fenômeno (o texto), na busca de compreender sua estrutura e essência, o inquiridor coloca entre parênteses sua experiência anterior e, guiado por sua consciência, designa, nomeia e dinamiza esse fenômeno no sentido de fazê-lo ganhar maior significação. A palavra não é mais “ruído e signo sem fundo”. (Barthes, 1953): ela se insere num espaço; e esse espaço que é comunicado ao mesmo tempo que a palavra, resulta numa geometria indissociável da sintaxe. (grifo nosso).

A função poética valoriza os elementos funcionais segundo sua natureza própria. Não apenas confere “um sentido mais puro às palavras” [N.T.: Mallarmé], mas produz sentido. O funcionamento sintático não desempenha, necessariamente, um papel mais importante que os outros; pode até mesmo ser totalmente encoberto por sistemas recorrenciais, mais poderosos, no plano sonoro ou semântico. – p.106 - Linguística e Poética - Daniel Delas e Jacques, Filliolet.

Todavia quem se propuser estabelecer esquemas de funcionamento, por analogia com o funcionamento poético real, necessariamente conferirá ao funcionamento sintático um lugar primordial pois este organiza o surgimento do material verbal. (grifo nosso).

Aqui se observa mais nitidamente a importância do contexto, ou seja, do elemento sintático. A palavra isolada é desprovida, por vezes, de significação, justamente porque, podendo aplicar-se a vários objetos diferentes, impede o estabelecimento da intencionalidade. Suponhamos o vocábulo “floresta”. Apenas pelo contexto se define o objeto intencional como fator de fundamental importância na caracterização da linguagem poética, pois, no caso de figurar num conjunto frasal: “floresta das almas”, maiores possibilidades oferecerá à experiência estética.

A expressão “floresta das almas”, por exemplo, apenas pelo contexto se define o objeto intencional como um ato militar. Na história lendária da serpente emplumada, quando os guerreiros morrem, suas almas se transformam em raras aves emplumadas e voam para o sol. O sol se move levado por sua respiração. Muito mais pode ser lido sobre a serpente emplumada via Internet, de onde retiramos algumas dessas informações.

 

CONTINUA...

 

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