Poema de Adélia Prado - Foto de Ana Valadares (Divulgação)
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013
terça-feira, 19 de fevereiro de 2013
O FRADE E OS GIRASSÓIS NOTURNOS
O FRADE E OS GIRASSÓIS NOTURNOS
(Márcio Adriano Moraes)*
Para Antonio Fabiano
O
frade sobe ao monte. Sua visão noturna o faz enxergar girassóis nos campos
negros do céu, pintados com o expressionismo tenso de Van Gogh. Anjos descem em
cascatas, nas tristes horas das águas pluviais, enquanto o monge, de um
Carmelo, nas alturas, vê uma raça de assustados. Eis que brilha nos ascendentes
o medo de morrer, numa cidade assaltada por Leviatã, pelo pavor das estátuas
que se levantam para uma glória póstuma. Pessoas desaparecidas ressoam num país
distante, onde pais nascem tortos, ao som das vuvuzelas dos anjos que nunca
dormem, mas sonham em se ver livres do sonho. E o frade, nascido deste país
ditado por livros não editados, permanece sem perguntas nem ousadias.
Penetra
no labirinto de si para guerrear em prol da paz. Sobre sua cabeça, pairam asas
translúcidas, num constante temor servil. Sua ambição está nas forças belicosas
das potências dos sétimos céus. E então, Eclesiastes lembra: é vaidade, vaidade
das vaidades, tudo é vaidade.
Agora é o réu
de um tribunal, cujos juízes são cães. Seu delito: tentativa de assassinato.
Mas sua vítima não pode ser morta. Ela, a noite, já traz em sua pele a cor mortiça.
E o dia, em sua intensa claridade, convida a um enlace que se desfaz sempre com
o crepúsculo.
Seguem-se os
gritos. A dor do mundo crescida continuamente com a loucura do poeta que se
cala, e fala e grita e morre e mata. Filho adotivo das máquinas dos homens,
farto do falso maná do progresso, alimento custoso da ambição consumista. Arremessai,
portanto, dos altos prédios os filhos ainda não nascidos, trucidai-os no
próprio ventre com agulhas de tricô. Embriagai o mundo de esperança para
perdê-lo; e, assim, salvá-lo. Voltar ao primitivismo, à perfeição, ao estado
puro de existir. Estar de novo nu, como um recém-nascido.
O frade, em
sua noturna observação e desatino, lança a âncora de sua língua de seu próprio
navio nos mares misteriosos do coração das gentes. Corre seu sangue no chão
regado, entre o começo e o fim, pavor de vida. Mas os mares estão revoltos. O
choro em ondas a naufragar o marinheiro solitário que não sabe a razão de ter
se plantado tão longe deste mar... Mar vermelho... sopro intenso que arremessa
para as alturas, onde ciganas não leem a sorte, pois a sorte já está lida no
ouro exposto à luz do dia.
Ao redor de
uma fonte, o frade colide sua coreografia sedenta com as guirlandas das abelhas
que chegam ao jardim. Dançam e beijam a água na manhã de abril. Flores, fecundo
mistério das colisões. Mistério de parto, de avesso de coisa, escorregado tal
sabão para sonhar no mundo, 1975. Início do martírio da alma profundamente
espiritual.
Definitivamente,
nas mãos fortes a vida destroçada. O profundo silêncio do piano e do violino
quebra a vidraça neurastênica. Muriçocas desafinam com seus zunzuns os violinos
que dormitam. Os sons que poderiam ser e que não se engendraram. Onde estão os
astros: Picasso, Mozart, Shakespeare? Sonhos não nascidos e não amados daqueles
que quase se tornaram boa coisa na vida. Bom seria mesmo viver sem aflição, e
poder ver verdadeiramente o girassol ao pôr do sol, serenamente findo. Mas a
configuração do palco não permite aplausos, finda a música, finda a luz, o
calar é uma clave iludida na multidão.
De repente
desponta o sol, como água a ilibar o coração do frade que se abre como os
girassóis. “A obra é completa quando nos encerramos. Até lá, não.”
O frade desce
o monte. Emanuel lhe aponta a serpente emplumada. Então se alongam seus versos
pelo pórtico, como plumas de palavras que o guiam pelo mistério da poesia. A
solidão é o porto, ofídia verdade. Pacífico, gira e gira e gira e gira na
luminosidade do amor... “palavra até então adormecida no poema”. A pedra
ingrata, grata dobra-se em rocha, explosão de A a Z, constelação de segredos.
Do céu, degredo, do céu, a ilha. Noite e noite sempre, noite e noite alta,
muito alta, ainda mais alta, noite estrelada, noite Van Gogh. E na terra, o
Cristo Redentor de braços abertos indiferente à loucura dos hospitais e
hospícios, às favelas, à miséria, aos pobres e mendigos, aos moradores de ruas
e às crianças pedintes, às meninas e aos meninos abusados, à fome de uma nação
tão rica e tão surda. É carnaval!
Dança a alma
indômita, felina, com seu traje carnavalesco: a bandeira nacional; na praça dos
Três Poderes em Brasília. É carnaval! É carnaval.
O frade, com
coração de poeta, escuta o grito deste chão. Finca na sua terra a estaca de uma
nova bandeira. E esplêndida, sob os pés, nasce a flor da lama. Tão bela, tão
bela que faz o coração tremer. O poema aconteceu. Sonho. Qual um beija-flor,
voou ondulante para pousar e encerrar no cume da montanha, onde o poeta paira
numa nuvenzinha sobre o mar. E cai a chuva, caudalosa, no silêncio, lavando
tudo, tudo. Tudo está consumado. E a vida. O frade e Deus. E Deus viu que tudo
era bom.
O frade volta
à sua cela. Histericamente, acorda ao som dos tique-taques, dos trrriiiinnnnn.
O sino badala nas torres da igreja. É chegada a hora. O Frade sai de sua
abstração e enfrenta o poema concreto. Os ponteiros quebrados lhe avisam a
dimensão. Morrer é caro demais. E as horas passam em todos os relógios do
mundo. O tempo não precisa de relógios, o mundo nasceu sem relógio. Mas o homem
marca o mundo com seus ponteiros e exige momentos, hora marcada. O cuco sai de
sua porta, sem que lhe batam: toc toc. O mundo não para. E por mais que se
reguem os girassóis, à noite, eles dizem: não...
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*Márcio Moraes – escritor e
poeta mineiro.
Graduado
em Letras Português, especialista em Linguística e pós-graduando em História
Sociedade e Cultura. Professor de Literatura, Língua Portuguesa e Redação.
Natural de Montes Claros (MG). Participante ativo do Salão Nacional de Poesia
Psiu Poético, sendo um dos poetas homenageados no XXII Psiu em 2008. Autor dos
livros de poemas Genuíno (2007) e Via Crucis (2009). Possui trabalhos
publicados em Coletâneas e Antologias do Psiu Poético, Belô Poético, Poetas de
Todos os Cantos, Faces Contemporâneas da Poesia Brasileira, entre outras.
Alguns de seus poemas, crônicas e contos foram premiados em concursos
literários, entre os quais: Concurso Literário Prefeitura de Suzano 2009;
Concurso Gioconda Labecca 2010; Concurso de Crônicas da Universidade Federal
Uberlândia 2010. Colabora com a imprensa de Montes Claros com publicações de
crônicas, poemas e resenhas literárias. Possui publicações de artigos
científico-literários em anais e revistas literárias no âmbito acadêmico. Além
de poeta, Márcio Moraes também é músico.
Fonte:
UBE (União Brasileira de Escritores)
domingo, 23 de dezembro de 2012
Os Pobres na Estação Rodoviária - Lêdo Ivo
Foto: Acervo ABL / Divulgação
eles alteiam os pescoços como gansos para olhar
os letreiros dos ônibus. E seus olhares
são de quem teme perder alguma coisa:
a mala que guarda um rádio de pilha e um casaco
que tem a cor do frio num dia sem sonhos,
o sanduíche de mortadela no fundo da sacola,
e o sol de subúrbio e poeira além dos viadutos.
Entre o rumor dos alto-falantes e o arquejo dos ônibus
eles temem perder a própria viagem
escondida na névoa dos horários.
Os que dormitam nos bancos acordam assustados,
embora os pesadelos sejam um privilégio
dos que abastecem os ouvidos e o tédio dos psicanalistas
em consultórios assépticos como o algodão que
[tapa o nariz dos mortos.
Nas filas os pobres assumem um ar grave
que une temor, impaciência e submissão.
Como os pobres são grotescos! E como os seus odores
nos incomodam mesmo à distância!
E não têm a noção das conveniências, não sabem
[portar-se em público.
O dedo sujo de nicotina esfrega o olho irritado
que do sonho reteve apenas a remela.
Do seio caído e túrgido um filete de leite
escorre para a pequena boca habituada ao choro.
Na plataforma eles vão o vêm, saltam e seguram
[malas e embrulhos,
fazem perguntas descabidos nos guichês, sussurram
[palavras misteriosas
e contemplam as capas das revistas com o ar espantado
de quem não sabe o caminho do salão da vida.
Por que esse ir e vir? E essas roupas espalhafatosas,
esses amarelos de azeite de dendê que doem
[na vista delicada
do viajante obrigado a suportar tantos cheiros incômodos,
e esses vermelhos contundentes de feira e mafuá?
Os pobres não sabem viajar nem sabem vestir-se.
Tampouco sabem morar: não têm noção do conforto
embora alguns deles possuam até televisão.
Na verdade os pobres não sabem nem morrer.
(Têm quase sempre uma morte feia e deselegante.)
E em qualquer lugar do mundo eles incomodam,
viajantes importunos que ocupam os nossos lugares
mesmo quando estamos sentados e eles viajam de pé.
Lêdo Ivo (1924-2012)
Poema de "A noite misteriosa".
Adeus ao poeta...
quinta-feira, 20 de dezembro de 2012
MEU NOVO LIVRO DE POESIA...
Novo livro de poesia de Antonio Fabiano, publicado pela editora Taba Cultural do Rio de Janeiro (2012.2).
Capa: Durval (divulgação)
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Olá, pessoal! Este é o meu novo livro de poesia. Farei sorteio de alguns exemplares dele e de "Sazonadas" (2012.1), para quem me escrever pelo e-mail do blog com esse intuito. Se você curte poesia e quer ganhar os livros escreva por favor para: seridoano@gmail.com
Obrigado! Boa sorte!
sexta-feira, 14 de dezembro de 2012
LA NOCHE OSCURA de SAN JUAN DE LA CRUZ (1542-1591)
La noche oscura
Canciones del alma que se goza de haber llegado al
alto estado de la perfección, que es la unión con Dios,
por el camino de la negación espiritual.
En una noche oscura,
con ansias en amores inflamada,
(¡oh dichosa ventura!)
salí sin ser notada,
estando ya mi casa sosegada.
A oscuras y segura,
por la secreta escala disfrazada,
(¡oh dichosa ventura!)
a oscuras y en celada,
estando ya mi casa sosegada.
En la noche dichosa,
en secreto, que nadie me veía,
ni yo miraba cosa,
sin otra luz ni guía
sino la que en el corazón ardía.
Aquésta me guïaba
más cierta que la luz del mediodía,
adonde me esperaba
quien yo bien me sabía,
en parte donde nadie parecía.
¡Oh noche que me guiaste!,
¡oh noche amable más que el alborada!,
¡oh noche que juntaste
amado con amada,
amada en el amado transformada!
En mi pecho florido,
que entero para él solo se guardaba,
allí quedó dormido,
y yo le regalaba,
y el ventalle de cedros aire daba.
El aire de la almena,
cuando yo sus cabellos esparcía,
con su mano serena
en mi cuello hería,
y todos mis sentidos suspendía.
Quedéme y olvidéme,
el rostro recliné sobre el amado,
cesó todo, y dejéme,
dejando mi cuidado
entre las azucenas olvidado.
quinta-feira, 13 de dezembro de 2012
sábado, 27 de outubro de 2012
Aos 104 anos, Manoel de Oliveira vai filmar conto de Machado de Assis
Manoel de Oliveira (Divulgação)
São Paulo – No cinema de Manoel de Oliveira há algo de intemporal que, paradoxalmente, se liga bastante, quando bem pensado, ao tempo presente. Essa característica dúbia fica bem evidente em O Gebo e a sombra, seu filme mais recente, apresentado na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
O velho mestre, de 104 anos, já está aprontando novo filme, para manter a média de um por ano. O próximo trabalho pode ser baseado em “A igreja do diabo”, conto de Machado de Assis, informou o ator português Luiz Miguel Cintra. “Ele está muito bem, cheio de energia e trabalhando no roteiro de ‘A igreja do diabo’”, garantiu o artista. A ambivalência de Machado, em especial nesse conto em que o bem aparece apenas contra o pano de fundo do mal, e vice-versa, será inspirador para o cineasta. De certa forma é também o que ocorre com O Gebo e a sombra, baseado numa peça dos anos 1920 do dramaturgo português Raúl Brandão. A peça tem quatro atos, dos quais Manoel conservou apenas três.
Contador e cobrador de uma firma, Gebo é interpretado pelo grande ator francês Michael Lonsdale. Sua mulher, Doroteia, é vivida por Claudia Cardinale. O filho, João, por Ricardo Trêpa, neto do diretor. A mulher de João, Sofia, por Leonor Silveira. Jeanne Moreau faz uma vizinha intrometida, Candidinha. Leonor, Cintra e Trêpa fazem parte da trupe habitual de Oliveira. O restante do elenco dá ideia do prestígio internacional a que chegou o cineasta português. A locação é única, a sala de uma casa modesta, onde Gebo, em seu livro de anotações, faz e refaz cálculos, noite adentro. Bebe café para se manter acordado e diz que trabalha tanto, apesar da idade, para que a família não morra de fome.
A fotografia, magnífica, é construída em meios-tons, como iluminada apenas pelos candeeiros que se veem em cena. É propícia para um ambiente no qual tudo nunca é dito diretamente, porque se trata de preservar, acima de tudo, a figura da mãe, que pede notícias do filho.
Fonte: Estado de Minas
Quinta-feira, 25 de outubro de 2012
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