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quarta-feira, 15 de março de 2023

FUMO - Florbela Espanca


arquivo pessoal

FUMO


Longe de ti são ermos os caminhos,
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninhos!

Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas…
Abertos, sonham mãos cariciosas,
Tuas mãos doces, plenas de carinhos!

Os dias são outonos: choram… choram…
Há crisântemos roxos que descoram…
Há murmúrios dolentes de segredos…

Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!
E ele é, ó meu Amor, pelos espaços,
Fumo leve que foge entre os meus dedos!…


Florbela Espanca
Livro de Sóror Saudade (1923) 
 

domingo, 13 de novembro de 2011

“O RESTO É PERFUME”...

“Olha – e apontava as primeiras estrelas que se acendiam na abóbada do céu –, aquilo são estrelas, dizem os homens... E por que não há de ser o pó dourado que tombou de uma grande asa de borboleta?”

Florbela Espanca

domingo, 19 de junho de 2011

FLORBELA ESPANCA


“E não haver gestos novos nem palavras novas!” [*]
Florbela d’Alma da Conceição Espanca
1894-1930


[*]Derradeiras palavras no “Diário do último ano”.

sábado, 18 de junho de 2011

O TEU OLHAR

Fotografia de Antonio Fabiano


“E ao sentir-te tão grande, ao ver-te assim,
Amor, julgo trazer dentro de mim
Um pedaço da terra portuguesa!”
Florbela Espanca

[HÁ NOS TEUS OLHOS DE DOMINADOR] – Florbela Espanca

Há nos teus olhos de dominador,
No teu perfil altivo de romano,
No teu riso de graça e de esplendor
Um misterioso ideal divino e humano.

Cruz de Cristo sangrando sobre o pano
Das velas altas, lá vai, sobre o fragor
Dum mar sereno, cristalino e plano,
A tua barca de conquistador!

Eu quero ir contigo a esses distantes
Reinos! Deixa-me erguer as brancas velas,
Ser um dos teus audazes navegantes!

Meus olhos cegos são dois poços fundos...
– Conta-me o céu! Ensina-me as estrelas!
Mostra-me a estrada dos teus Novos Mundos!

Outubro de 1930

Florbela Espanca
Esparsa Seleta (1917-1930)

À JANELA DE GARCIA DE REZENDE – Florbela Espanca

Janela antiga sobre a rua plana...
Ilumina-a o luar com seu clarão...
Dantes, a descansar de luta insana,
Fui, talvez, flor no poético balcão...

Dantes! Da minha glória altiva e ufana,
Talvez... Quem sabe?... Tonto de ilusão,
Meu rude coração de alentejana
Me palpitasse ao luar nesse balcão...

Mística dona, em outras primaveras,
Em refulgentes horas de outras eras,
Vi passar o cortejo ao sol doirado...

Bandeiras! Pajens! O pendão real!
E na tua mão, vermelha, triunfal,
Minha divisa: um coração chagado!...

Florbela Espanca
Reliquiae (1931, póstuma)

PRIMAVERA – Florbela Espanca

É Primavera agora, meu Amor!
O campo despe a veste de estamenha;
Não há árvore nenhuma que não tenha
O coração aberto, todo em flor!

Ah! Deixa-te vogar, calmo, ao sabor
Da vida... não há bem que nos não venha
Dum mal que o nosso orgulho em vão desdenha!
Não há bem que não possa ser melhor!

Também despi meu triste burel pardo,
E agora cheiro a rosmaninho e a nardo
E ando agora tonta, à tua espera...

Pus rosas cor-de-rosa em meus cabelos...
Parecem um rosal! Vem desprendê-los!
Meu Amor, meu Amor, é Primavera!...

Florbela Espanca
Reliquiae (1931, póstuma)

LOUCURA – Florbela Espanca

Tudo cai! Tudo tomba! Derrocada
Pavorosa! Não sei onde era dantes.
Meu solar, meus palácios, meus mirantes!
Não sei de nada, Deus, não sei de nada!...

Passa em tropel febril a cavalgada
Das paixões e loucuras triunfantes!
Rasgam-se as sedas, quebram-se os diamantes!
Não tenho nada, Deus, não tenho nada!...

Pesadelos de insônia, ébrios de anseio!
Loucura de esboçar-se, a enegrecer
Cada vez mais as trevas do meu seio!

Ó pavoroso mal de ser sozinha!
Ó pavoroso e atroz mal de trazer
Tantas almas a rir dentro da mim!

Florbela Espanca
Reliquiae (1931, póstuma)

sexta-feira, 17 de junho de 2011

“He hum não querer mais que bem querer...” CAMÕES

Direitos autorais: esta mão é minha!
(Fotografia de AF)


“A tua linda voz de Água corrente
Ensinou-me a cantar... e essa canção
Foi ritmo nos meus versos de paixão,
Foi graça no meu peito de descrente.”

Florbela Espanca

EU – Florbela Espanca

Até agora eu não me conhecia,
Julgava que era Eu e eu não era
Aquela que em meus versos descrevera
Tão clara como a fonte e como o dia.

Mas que eu não era Eu não o sabia
E, mesmo que o soubesse, o não dissera...
Olhos fitos em rútila quimera
Andava atrás de mim... E não me via!

Andava a procurar-me – pobre louca! –
E achei o meu olhar no teu olhar,
E a minha boca sobre a tua boca!

E esta ânsia de viver, que nada acalma,
É a chama da tua alma a esbrasear
As apagadas cinzas da minha alma!

Florbela Espanca
Charneca em Flor (1931, póstuma)

NOITINHA – Florbela Espanca

A noite sobre nós se debruçou...
Minha alma ajoelha, põe as mãos e ora!
O luar, pelas colinas, nesta hora,
É água dum gomil que se entornou...

Não sei quem tanta pérola espalhou!
Murmura alguém pelas quebradas fora...
Flores do campo, humildes, mesmo agora,
A noite, os olhos brandos, lhes fechou...

Fumo beijando o colmo dos casais...
Serenidade idílica de fontes,
E a voz dos rouxinóis nos salgueirais...

Tranquilidade... calma... anoitecer...
Num êxtase, eu escuto pelos montes
O coração das pedras a bater...

Florbela Espanca
Charneca em Flor (1931, póstuma)

SER POETA – Florbela Espanca

Ser Poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma e sangue e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

Florbela Espanca
Charneca em Flor (1931, póstuma)

AMAR! – Florbela Espanca

Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz foi pra cantar!

E se um dia hei de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...

Florbela Espanca
Charneca em Flor (1931, póstuma)

quinta-feira, 16 de junho de 2011

A FLOR DO SONHO...


Fotografias de Antonio Fabiano

“A Flor do Sonho alvíssima, divina
Miraculosamente abriu em mim”...
Florbela Espanca

FANATISMO – Florbela Espanca

Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida.
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer a razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida ...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!

“Tudo no mundo é frágil, tudo passa ...”
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, digo de rastros:
“Ah ! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: Princípio e Fim!...”

Florbela Espanca
Livro de “Sóror Saudade” (1923)

FUMO – Florbela Espanca

Longe de ti são ermos os caminhos,
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninhos!

Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas...
Abertos, sonham mãos cariciosas,
Tuas mãos doces, plenas de carinhos!

Os dias são outonos: choram... choram...
Há crisantemos roxos que descoram...
Há murmúrios dolentes de segredos...

Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!
E ele é, ó meu Amor, pelos espaços,
Fumo leve que foge entre os meus dedos!...

Florbela Espanca
Livro de “Sóror Saudade” (1923)

NOTURNO – Florbela Espanca

Amor! Anda o luar, todo bondade,
Beijando a terra, a desfazer-se em luz...
Amor! São os pés brancos de Jesus
Que andam pisando as ruas da cidade!

E eu ponho-me a pensar... Quanta saudade
Das ilusões e risos que em ti pus!
Traçaste em mim os braços duma cruz,
Neles pregaste a minha mocidade!

Minh’alma, que eu te dei, cheia de mágoas,
É nesta noite o nenufar dum lago
Estendendo as asas brancas sobre as águas!

Poisa as mãos nos meus olhos, com carinho,
Fecha-os num beijo dolorido e vago...
E deixa-me chorar devagarinho...

Florbela Espanca
Livro de “Sóror Saudade” (1923)

quarta-feira, 15 de junho de 2011

VAIDADE – Florbela Espanca

Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!

Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Sonho que sou Alguém cá neste mundo...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a terra anda curvada!

E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho...
////////////////////E não sou nada!

Florbela Espanca
Livro de Mágoas (1919)

LÁGRIMAS OCULTAS – Florbela Espanca

Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era qu’rida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!

Florbela Espanca
Livro de Mágoas (1919)

terça-feira, 14 de junho de 2011

NOIVADO ESTRANHO – Florbela Espanca

O Luar branco, um riso de Jesus,
Inunda a minha rua toda inteira,
E a Noite é uma flor de laranjeira
A sacudir as pétalas de luz...

O Luar é uma lenda de balada
Das que avozinhas contam à lareira,
E a Noite é uma flor de laranjeira
Que jaz na minha rua desfolhada...

O Luar vem cansado, vem de longe,
Vem casar-se co’a Terra, a feiticeira
Que enlouqueceu d’amor o pobre monge...

O Luar empalidece de cansado...
E a Noite é uma flor de laranjeira
A perfumar o místico noivado!...

30/4/1917

Florbela Espanca
Trocando Olhares (1915-1917)