domingo, 1 de maio de 2011

ENTREVISTA de CLAUDIO PASTRO a Antonio Fabiano


Fotografia de Antonio Fabiano


ANTONIO FABIANO: Levando-se em conta que há sempre um começo ou despertar da consciência de cada vocação, como aconteceu na sua história pessoal essa descoberta em relação à arte?

+++CLAUDIO PASTRO+++ Desde a infância tive uma vida difícil mas uma boa educação. Sou anterior ao Concílio Vaticano II quando a Igreja vivia de espiritualidade, o que hoje não existe. Morávamos em frente ao Convento das Irmãs da Assunção e, além da família, o que de fato educou-me (e educa) foi a liturgia. Desde bem cedo, antes de ir para a escola (primário/ginásio estadual) participava da Santa Missa. Na época, as únicas palavras que conhecia eram: disciplina, obediência, respeito e reverência profunda para com as coisas de Deus e dos outros. Note bem: graças a Deus, naquela ocasião não haviam televisão, telefone, computador, automóveis (poucos) etc. etc. etc. Shoppings... Vivíamos do Essencial (o pouco para viver e Deus prá tudo). Não se sonhava, nem de longe, com o individualismo (egoísmo) de hoje. Aí, nesse contexto, nasce minha vocação (toda planta para se desenvolver depende de bom terreno/terra). Sim, a liturgia, a beleza do rito, simples, solene, discreto e dignitoso de como eram celebradas as Santas Missas; o silêncio e o gregoriano; toda a beleza do ambiente onde se percebia a presença do Senhor da Criação e Redentor foi-me o momento, o lugar do despertar de minha vocação.


ANTONIO FABIANO: Ao dar vazão à criação, cada artista manifesta-se de um jeito próprio. Como você percebe em seu cotidiano esse processo? Qual o segredo testemunhado pelo ateliê de Claudio Pastro?

+++CLAUDIO PASTRO+++ Vivo em contínua presença de Deus. O meu cotidiano disciplinado e meticuloso permite a beleza desabrochar em mim. Acordo às 4h, rezo matinas (leituras) e Laudes e faço lectio até, mais ou menos, às 6h. Vou à Santa Missa e bebo, aí, na fonte da beleza porque entrego-me totalmente ao Mistério, ao Senhor da vida, Aquele que não engana e permite-me melhor discernir os meus atos no dia a dia.
Durante o dia trabalho continuamente em projetos de igrejas, pinturas, recebo pessoas que me pedem sugestões etc.
Chega a noite, rezo Vésperas e Completas. Adoro a Palavra de Deus que me instiga a fazer arte.
Às vezes vou a exposições, museus, bons filmes. Porém, se possível não saio da rotina e jamais vou dormir depois das 22h.


ANTONIO FABIANO: Seu trabalho inevitavelmente toca o sagrado, o mistério. Qual seu sentimento em relação ao conjunto da obra que nos lega?

+++CLAUDIO PASTRO+++ Gostaria que minha obra (com toda a humildade) fosse “a Encarnação do Verbo”, isto é, que fosse um prolongamento da Palavra e, melhor, a Palavra em formas e cores. Isso, pois a arte é universal, fala a todos de qualquer raça, língua ou condição social indistintamente. Depois, a arte, a arte sacra verdadeira, não se presta a ideologias ou falsas interpretações. Para tanto, é preciso distinguir arte sacra, que nos vem da objetividade do Mistério celebrado, e arte religiosa, subjetiva (meus sentimentos, meus gostos pessoais, meus santinhos de devoção) que fala mais de mim para mim mesmo ou no máximo para poucos, carolas da Igreja. Jesus veio e vem para todos os homens, indistintamente e a arte sacra é o próprio Deus falando através do artista que o serve em sua obra. Hoje não há arte sacra e sim uma horrorosa “arte” de mercado (música, pintura, imagens...).


ANTONIO FABIANO: Que tipo de espiritualidade quer suscitar nas pessoas, quando se ocupa de executar qualquer das suas obras?

+++CLAUDIO PASTRO+++ Que se sintam felizes em presença de Deus e não se sintam oprimidos pelo peso que, muitas vezes, a própria Igreja (clero) nos impõe.


ANTONIO FABIANO: Em verdade, não há consenso sequer entre os artistas, a respeito de um tema que também é filosófico e, inclusive, teológico: o da beleza. Como Claudio Pastro, o homem que lida dia e noite com o belo da arte, definiria a beleza?

+++CLAUDIO PASTRO+++ A beleza é Deus. Quando nos falta a atenção para com Ele e ficamos presos aos nossos “negócios” criamos uma divisão com as demais criaturas (homens, natureza, o cosmo); surge, assim, o diabo, senhor do mundo. Há uma quebra com a unidade e Deus é Um; somos Um com Ele ou não somos. Hoje paira no mundo o individualismo, a ganância, o egoísmo, a “beleza” de mercado... e surge o feio.
A beleza de um traço, de uma cor, de um som, de um gesto (postura) vem-nos do Único belo ou os traços e cores são caóticos, os sons são berrantes e dissonantes e até o modo de andar, caminhar, celebrar se espelham no horror da TV, dos Shoppings.


ANTONIO FABIANO: Que influências há na obra de Claudio Pastro? Que mestres mais lhe inspiraram? A qual tradição filia-se?

+++CLAUDIO PASTRO+++ Sempre amei os primitivos cristãos. Os traços e cores infantis (olhos da pureza) da arte românica e a dignidade hierática, nobre, da arte do ícone bizantino quando os pobres apóstolos e santos (os humanos) se revestem da beleza de Deus. Atualmente, gosto da limpeza (clean) da arte atual desde o impressionismo até o ART NOUVEAU (Liberty) e artistas como Matisse, Galileo Emendabile e outros. Filio-me a tudo que é Arte Sacra, inclusive fora da Igreja, como a arte de nossos índios, a africana, a islâmica, a budista etc. Onde há amor e verdade, há Deus e beleza.


ANTONIO FABIANO: Claudio Pastro fez, no dizer do povo, Escola. Muitos se dizem até seus “discípulos”. Que relação estabelece com estes artistas e trabalhos de algum modo vinculados a si?

+++CLAUDIO PASTRO+++ Primeiro, fico agradecido e feliz que gostem e se inspirem em meu trabalho. Sei que minha arte não segue os parâmetros comuns da arte religiosa conhecida (anjinhos, santinhos etc.). Então, isso indica-nos que as novas gerações buscam o Novo, o sempre novo do Evangelho, longe de muitos ranços do católico “tradicional”. Infelizmente, muitos chamados “discípulos” esquecem que os traços da obra não bastam parecer e serem simples se não nascem de uma espiritualidade encarnada. Entrei em igrejas com “essa arte” e claramente ela não revelava o Espírito celebrado nesse lugar, não revelava nada.
Alguns discípulos fizeram estágios comigo, conviveram comigo, e perceberam a exigência da Arte Sacra que está ligada a uma postura de vida no dia a dia. A Arte Sacra vem do Espírito e não só da técnica.


ANTONIO FABIANO: Ser artista nos dias atuais é tarefa nada fácil. Muitos confundem o que isto seja ou põem a arte a serviço de interesses, e até se banaliza o mais sério, em face da superabundância de coisas medianas que grassam no afã de atender a uma demanda imediatista ou embalada por modismos. É muito difícil viabilizar seu trabalho no Brasil, para que todos os que o merecem o recebam? Que maiores dificuldades tem encontrado em seu ofício, aqui e fora do país?

+++CLAUDIO PASTRO+++ O clero, o clero é o maior entrave para a arte sacra. Falta-lhe a sabedoria do Espírito que se exercita na oração e liturgia diária. Depois, a única preocupação do clero é com o dinheiro e suas inspirações na mundaneidade. Aqui no Brasil a falta de cultura do Espírito (desde seminários, reitores, bispos...) é imensa. Não hesitam comprar um carro zero (seja lá o preço que for) e esquecem que o Espírito passa pela arte e a boa arte tem preço. Certa vez, pintei um painel de 2 x 2m numa manhã e alguém disse-me: “você pinta rápido e caro” e, eu respondi, “sim, pintei numa manhã e trinta anos de pesquisa, estudos, oração etc.” Arte não se compra por metro e tempo, ela é de outra natureza.
É muito triste ser medido por pessoas grosseiras.
Muitas igrejas pintei pela metade do preço e até gratuitamente quando percebi que a comunidade era santa e desejosa do belo, de Deus, e não de modismo ou luxo. Isso ninguém ficou sabendo.


ANTONIO FABIANO: Claudio, você poderia nos falar de como começou o projeto de Aparecida e até nos dar notícias do andamento dos trabalhos por lá?

+++CLAUDIO PASTRO+++ Em 1997 e, depois, em 1999 fui convidado por Dom Aloísio Lorscheider (então cardeal arcebispo de Aparecida) e Pe. José Darci Nicioli (atual reitor da Basílica) para aí trabalhar. Eu e outros fomos muito testados e restei eu aprovado.
Creio eu que eles (e outros) perceberam em mim a força do Concílio Ecumênico Vaticano II, além de minha fé, evidente.
A concepção de todo o interior da Basílica (arquitetura da realeza/sécs. IV e V) é um neo-românico basilical e mais o espírito pós-conciliar pede-nos não devocionismos mas a Palavra para a constante educação da fé de nosso povo e o espaço inspirado no Apocalipse, a atualidade da Liturgia.
Em breve, começaremos a cúpula central que levará 5 ou 6 anos de trabalho. Desejamos concluir o interior da Basílica para 2017, ano do 3˚ Centenário do encontro da imagem nas águas do rio Paraíba do Sul.


ANTONIO FABIANO: Pode nos dizer algo, aos que admiram seu trabalho e pessoalmente o querem bem, pela pessoa que é?

+++CLAUDIO PASTRO+++ Peço-lhes que rezem por minha saúde, afinal somos corpo, alma e espírito e a doença sempre quebra com essa harmonia. Fui transplantado em 2003 (fígado), tive um coma de 2 meses em 2001, fui operado 19 vezes em 2004 e, agora, desde outubro de 2010 já fui operado 10 vezes. Ainda passarei por mais operações nesse ano.
Quanto à minha arte, espero que ela continue a levar Deus a todos. Do contrário, melhor que eu pare.
A todos, que nossos olhos não se desviem do Senhor Jesus, único Caminho, Verdade, Vida e Beleza de nossas vidas.


CLAUDIO PASTRO & ANTONIO FABIANO
Páscoa de 2011
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com

4 comentários:

  1. Querido amigo,
    Não posso deixar de lhe agradecer pela belíssima entrevista. Além de nos trazer muitas informações da arte e, também enobrece a nossa alma em buscar aqui que é belo " o Deus". Parabéns... Fellipe

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  2. Verdadeiramente Cláudio Pastro é uma "Teofania"! Suas obras são ícones que revelam a sensibilidade de uma vivencia da fé pautada na oração, na escuta atenta da Palavra. Deus fala através das pinceladas desta grande artista. Parabéns ao Claúdio Pastro e ao Fabiano pela feliz intrevista.

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  3. Lucinéia disse:
    Sou estudante de artes visuais e estou fazendo monografia sobre o artista claudio pastro e a entrevista ajudou a somar mais informações para o meu trabalho.è muito importante termos um artista nosso realizando trabalhos feitos de coração,peço a deus que lhe dê muita saúde para continuar...
    obrigada

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  4. Excelente entrevista! Parabéns, ainda mais pela reflexão sobre um tema tão importante e, por vezes, esquecido.

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