segunda-feira, 16 de maio de 2011

O MENINO E O LIVRO

Estava pensativo, molemente distraído, quando ouviu uma voz franzina que vinha de entre as coisas deixadas sobre a mesa. Não podia ser! Disfarçou o espanto. Continuou ali, paralisado pela surpresa. A voz insistiu. Agora com mais força: “Vamos!”... Era um convite? Ele reagiu com cavalos marinhos. ??? Até que o silêncio mesmo abriu atalhos entre ambos. O menino começou a conversar com o livro, com o coração do poeta que estava nele, com a poesia que escorria dele. Encheu-se de clarão aquela noite.
Era um livro ou um rio? Pouco importava se nunca tivesse visto o mar. Era um mar também. E, por causa disso, não descansaria... Não descansaria até que se fizesse claro o enigma. Até que se fizesse, talvez, claro enigma.
“Quem é você?”, perguntou o menino. E ainda não sabia que a resposta duraria toda uma vida. A vida. As primeiras letras começaram a pular. As primeiras letras começaram a dançar bem diante de seus olhos. Outra vez a voz lhe disse: “Vamos!”... E começou a cumplicidade, a vida íntima mutuamente trocada, inconfidências confidenciadas... Porque livros vivem e até mortos revivem pela força da palavra! Era como se o mundo coubesse – e de fato cabia – numa só palavra, a que não seria dita, a que, afinal, seria o segredo guardado.
Era o livro de um poeta? Ou era poeta o menino que se via no espelho do livro? O livro, máquina maravilhosa, para além das máquinas do mundo, estava ali e abrira-se. Definitivamente abrira-se. Tudo então era possível...
Ele se encantou. Começou a ler e não parou nunca mais. Deixou-se ler primeiro, porque era puro de coração e aberto às coisas novas, às coisas novidadas, prenhes de milagre e cataratas ridentes de significação. Leu, leu – lido que estava, lindo e lido outra vez – leu até não chegar ao fim. Descansou feliz, porque livros existem dos bons e também poetas como aquele.
O menino entendeu, mesmo sem entender tudo.
Estava aberta a clareira, inaugurado o sonho, o diálogo sem fim...

Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 16 de maio de 2011.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com
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Para Cláudia Ahimsa

Um comentário:

  1. Nossa!! muito linda essa crônica, leva-me a viajar nas aulas de poesias e contação de Histórias que repasso aos alunos na nossa sala de leitura, de onde saem muitos talentos de crianças que buscam ainda nesse país o prazer, o gosto, o deixar-se levar, fazer e viajar na leitura.

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