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quarta-feira, 3 de novembro de 2010

“MAGMA” de JOÃO GUIMARÃES ROSA: um livro de poesia!


Máquina datilográfica de Guimarães Rosa.
Em sua casa museu, Cordisburgo - MG.
Fotografia de Antonio Fabiano


Poemas – Definição
O cigarro de fumaça impalpável e brasa colorida,
que se fuma a si mesmo num cinzeiro,
será um poeta?...
(Guimarães Rosa – “Magma”)

JOÃO GUIMARÃES ROSA escreveu um livro intitulado “Magma”. Seria um livro de estréia, obra poética do escritor de prosa hoje louvado entre os maiores da literatura de nossa língua e universal. O livro recebeu, em 1936, um prêmio de poesia concedido pela Academia Brasileira de Letras (Concursos Literários de 1936). Isto seria bastante, a confirmar-lhe o valor e a autonomia nele existentes. Mas há quem diga que o seu subtítulo poderia ser este: começo e fim do poeta Guimarães Rosa. Este mineiro, como sabemos, não se consagrou por versos... No discurso de agradecimento pelo prêmio, o “poeta” mostrava-se já não muito afinado com o trabalho: “O Magma, aqui dentro, reagiu, tomou vida própria, individualizou-se, libertou-se do meu desamor e se fez criatura autônoma, com quem talvez eu já não esteja muito de acordo, mas a quem a vossa consagração [referindo-se aos imortais da ABL] me força a respeitar” (Revista da Academia Brasileira de Letras, Anais de 1937, ano 29, vol. 53, p. 261 a 263). Curiosamente, o livro permaneceu inédito, tornou-se uma espécie de lenda. Veio a ser publicado somente na década de noventa (portanto, postumamente), mais de meio século depois daquela alvorada! Não faltou quem temesse que algo assim “mediano” desestabilizasse a monumental reputação do escritor. Ora, “Magma” não é tão pequeno ou médio como temiam, estão – isto, sim! – outros livros do autor para além de grandes! Aquele não foi o único livro de sua autoria que o nosso Rosa, mineiro desconfiado, desejou não publicar... Felizmente desobedeceram-lhe, pelo que muito agradecemos. “Magma” está aí, luminoso, em seu lugar modestíssimo, se o compararmos com um grande “Grande sertão: veredas” e outros tantos livros deste imortal monstro sagrado. Mas quem disse que tudo deve ser igual?

Poemas – Riqueza
Veio ao meu quarto um besouro
de asas verdes e ouro,
e fez do meu quarto uma joalharia...

Reportagem
O trem estacou, na manhã fria,
num lugar deserto, sem casa de estação:
a parada do Leprosário...

Um homem saltou, sem despedidas,
deixou o baú à beira da linha,
e foi andando. Ninguém lhe acenou...

Todos os passageiros olharam ao redor,
com medo de que o homem que saltara
tivesse viajado ao lado deles...

Gravado no dorso do bauzinho humilde,
não havia nome ou etiqueta de hotel:
só uma estampa de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro...

O trem se pôs logo em marcha apressada,
e no apito rouco da locomotiva
gritava o impudor de uma nota de alívio...

Eu quis chamar o homem, para lhe dar um sorriso,
mas ele ia já longe, sem se voltar nunca,
como quem não tem frente, como quem só tem costas...

Magma / João Guimarães Rosa. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.

Interessados podem adquirir o livro “MAGMA” pela EDITORA NOVA FRONTEIRA.

Para Iris Gomes da Costa, com carinho.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

GRUTA DO MAQUINÉ: "– Plein!... ritmos do Infinito..."

Gruta do Maquiné
João Guimarães Rosa

A gruta de Ali-Babá ainda existe,
graças a Deus, ainda existia,
quando eu disse:
– “Abre-te, Sésamo!...”,
na fralda da serra,
e fui entrando, deixando cá fora
também o sol, a meio céu, querendo entrar...


Bafio quaternário. O preto
da imensa noite, anterior ao mundo,
com pesadelos agachados
e pavores dormindo pelos cantos,
enrolados nas caudas de gelatina fria,
vem comprimir o peito e os olhos.
E ao acendermos as velas e as lanternas,
a treva se retrai, como um enorme corvo,
das paredes paleozóicas,
salitradas.


Subterrâneos de Poe, salões de Xerazade,
calabouços, algares, subcavernas,
masmorras de Luís XI, respiradouros
do centro da terra,
buracos negros, onde as pedras jogadas
não encontram fundo, como pesadelos
de um metafísico...


Flores de pedra,
cachoeiras de pedra,
cabeleiras de pedra,
moitas e sarças de pedra,
e sonhos d’água, congelados em calcário.
Andares superpostos, hieroglifos, colunas,
estalagmites subindo
para estalactites,
marulhos gotejando das pontas rendilhadas:


– Plein!... ritmos do Infinito...
– Plein!... e séculos medidos por milímetros...


Não falemos, que as nossas vozes, baças,
recuam espavoridas
das galerias ressumantes, das reentrâncias
de um monstruoso caracol...


Rastros de ursos apeleus e trogloditas,
candelabros rochosos,
lustres pendentes de ogivas,
e a visão de Lund, sorrindo, sonhando
com fêmures de homens primitivos,
com megatérios e megalodontes...


Mas é preciso sair. Já é a hora
da noite deslizar para fora da furna,
e subir, desenrolando as voltas
de píton ciclópico,
para encaixar todos os anéis, na altura,
com milhões de escamas fosforescendo
e o enorme olho frio vigiando...

(Poema de João Guimarães Rosa.
In: MAGMA. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997).

Fotografias de Antonio Fabiano


PS: Se você nunca esteve na Gruta do Maquiné, basta sentir este poema do Guimarães Rosa. Não mais precisa ir lá.
Esta postagem é dedicada a Rafael, que sugeriu tais versos às fotografias.