quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Leitura crítica do poema “Serpente Emplumada” de Antonio Fabiano, por Elizabeth de Souza Araújo. (Parte 1)

 Tentativa de uma leitura crítica do poema “Serpente Emplumada” do livro “Girassóis Noturnos”. Poesia de Antonio Fabiano.

A primeira impressão ou sensação ao ler o poema “Serpente Emplumada” de Fabiano com os primeiros versos:

Pórtico. Pórtico.

é a de que se trata de uma entrada. Entrada aonde e para onde vai. É como se o poeta empreendesse uma viagem no tempo e no espaço. Uma viagem de barco. Uma barca semelhante à barca de Noé. Renovada, moderna. Dentro dela há de tudo: pessoas, animais, (bichos), filósofos, políticos corruptos ou não, o céu, o mar e a terra com tudo o que nela há. Inclusive do Carnaval à História Bíblica.

“Serpente Emplumada” é um grande poema, contendo dentro dele vários blocos poéticos. Cada bloco com seu assunto diversificado.

O primeiro bloco trata da “Solidão”. O eu-poético está só e começa a descrever o cenário vivenciado por ele.

Neste cenário ele observa, na terceira estrofe, alguns aspectos ou nuances de uma noite. Nesta terceira estrofe percebe-se, ainda, a visualização de uma realidade, dentre as muitas existentes no poema.

“Sibilava a noite / Entre partos de estrelas / Quando a flor do poema / Com escamas e plumas / Se abriu.

Os grifos revelam esta realidade. São imagens inéditas e verossimilhantes. Por que verossimilhantes? Porque as estrelas nascem como nasce uma criança (no parto da mãe).

É uma comparação, ou melhor, um paralelo meio grotesco, porém Poesia é imitação, imitação de uma ação, ou seja, o poeta imita uma ação possível, capaz de suceder, análoga às ações praticadas no corpo da realidade concreta.

É nítido o paralelo entre “flor do poema” versus “plumas” e “escamas” versus “serpente”, remetendo tudo para o título do poema: “Serpente Emplumada”, como um encaixe. É uma realidade concreta (da poesia) perfeita, portanto uma visualização verossímil feita pela imaginação do poeta.

O liame se faz entre os modos sonoros e um espaço e um espaço anterior ou subjacente às palavras manchado de sensações, visagens, emoções, humores, formas corpóreas de significar.

O poema é um emaranhado de ideias que se poderiam transmudar, inicialmente, em sensação, como no segundo verso do poema:

“Solidão” – a palavra solidão engloba muitas sensações ou sentimentos de alegria, tristeza, ansiedade, preocupações e até paixões.

Não é ofício de poeta narrar o que realmente acontece; é sim o de representar o que poderia acontecer, quer dizer: o que é possível, verossímil e necessariamente.

Veja só, o eu-poético, assim como o leitor, deve ter sentido grande alegria quando percebeu, no início da sua viagem, que a “flor do poema / (...) / Se abriu” – terceira estrofe do primeiro bloco.

Começa então a sua viagem, a viagem empreendida pelo poeta, quando ele se depara com o “Porto”. A palavra “Porto” lembra entrada, embarque. É quando o poeta penetra no Reino das Palavras, para destrinçar os aspectos ou nuances que caracterizam os elementos dessa viagem. Uma viagem na noite, guiada por “Estrela”, “Corpo celeste”, “massa luminosa”, “Facho de luz”. E mais: “Bailarina / – menina” no “Clarão da ribalta”.

E ainda mais embalado pela “Cantiga de mãe” / “Garota de Ipanema” e o “chilrear de pássaro”. É muita emoção e humor!

A emoção e o humor são a tônica dominante de todo o poema, mas na quinta e sexta estrofes evidenciam-se mais precisamente, pela alegria intensa, contida e revelada no texto, a nota característica de sua viagem e da feitura do seu grande poema “Serpente Emplumada”.

Segundo a Psicologia e a Neurociência Afetiva, o humor é um estado afetivo, mais difuso, menos intenso e independe de um objeto, pessoa ou evento desencadeador. As emoções, todavia, são reações intensas, breves e direcionadas a um estímulo, ou seja, as emoções são reações agudas como a raiva, a tristeza, o medo e a alegria, nitidamente presentes em todo o poema. (Dados colhidos da INTERNET)

Ora o que acabamos de observar insinua já uma primeira conclusão, conclusão do primeiro bloco poético, caracterizado por uma adversativa – “Mas”.

Mas o contraste a que aludimos exerce-se também no interior do próprio poema, quando o eu-poético assim se expressa:                          

“Grama azul é pouco / Tanto quanto nuvens / Para dizer / Sobre o que rastejava / A deidade”.

Isto significa dizer que tudo que foi dito anteriormente é pouco, diante do que a “deidade” (divindade) rastejava, isto é, procurava, perquiria, indagava.

“Ofídia verdade”.

Mas o que isto significa? Não se pode dar um significado preciso, exato, pois não se trata de um problema matemático, sim Poesia que não é feita para se dar um conceito acabado. A poesia é para se sentir. Porém, tem-se uma ideia sobre “Ofídia verdade”. Trata-se de um ser criado por Deus que chegou até o homem para distorcer a verdade. (grifos nossos).

Sob a aparência interna e externa percebe-se um contraste entre “deidade” (divindade) e “Ofídia verdade”. Deidade é benigna (realidade sobrenatural) e “Ofídia” – representação da malignidade. Mas por que “Ofídia verdade”? Porque é uma realidade existencial e é, nisto, em que consiste a diferença.  

Daqui à verificação de certas relações construtivas (em termos estruturais e semânticos) vai um passo largo e extenso.

 

CONTINUA...


Nenhum comentário:

Postar um comentário