quarta-feira, 22 de maio de 2013

ORAÇÃO DO MILHO - Cora Coralina

Cora Coralina (divulgação)

ORAÇÃO DO MILHO
Introdução ao Poema do milho

Senhor, nada valho.
Sou a planta humilde dos quintais pequenos e das lavouras pobres.
Meu grão, perdido por acaso,
nasce e cresce na terra descuidada.
Ponho folhas e haste, e se me ajudardes, Senhor, 
mesmo planta de acaso, solitária, 
dou espigas e devolvo em muitos grãos
o grão perdido inicial, salvo por milagre,  
que a terra fecundou.
Sou a planta primária da lavoura.
Não me pertence a hierarquia tradicional do trigo
e de mim não se faz o pão alvo universal.
O Justo não me consagrou Pão de Vida, nem lugar me foi dado nos 
                                                                                             altares.
 Sou apenas o alimento forte e substancial dos que
 trabalham a terra,  onde não vinga o trigo nobre.
 Sou de origem obscura e de ascendência pobre,
 alimento de rústicos e animais do jugo.

Quando os deuses da Hélade corriam pelos bosques,
coroados de rosas e de espigas,  
quando os hebreus iam em  longas caravanas
buscar na terra do Egito o trigo dos faraós,
quando Rute respingava cantando nas searas de Booz
e Jesus abençoava os trigais maduros,
eu era apenas o bró nativo das tabas ameríndias.
Fui o angu pesado e constante do escravo na exaustão do eito.
Sou a broa grosseira e modesta do pequeno sitiante.
Sou a farinha econômica do proletário.
Sou a polenta do imigrante e a miga dos que começam a vida em 
                                                                                 terra estranha.
Alimento de porcos e do triste mu de carga.  
O que me planta  não levanta comércio,  nem avantaja dinheiro.
Sou apenas a fartura generosa e despreocupada dos paióis.
Sou o cocho abastecido donde rumina o gado.
Sou o canto festivo dos galos na glória do dia que amanhece.
Sou o cacarejo alegre das poedeiras à volta dos seus ninhos.
Sou a pobreza vegetal agradecida a Vós, Senhor, 
que me fizestes necessário e humilde.
Sou o milho.

Cora Coralina 

Um comentário:

  1. Tão elegante quanto você e a menina dos Goiases deveria eu ter agradecido pelo lindo livro; mas andei dispersa, ou focada demais, nem sei, e o tic-tac me atropelou. Cora e você são serenos, e até sei onde buscam essa busca pelo equilíbrio; mas Jaé nunca foi, parece menina pequena inquieta,e a vida vai sendo conduzida feito a estrada de Santos kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk. Muito agradecida pelo livro. Todo amor, paz e saúde pra você. Cheiro grande.

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