segunda-feira, 20 de setembro de 2010

ADÉLIA PRADO, IGUAL A ELA MESMA.


Adélia Prado em imagem do Programa Sempre um Papo disponível na Web

ADÉLIA PRADO nasceu em Divinópolis - MG, em 13 de dezembro de 1935. Filha do ferroviário João do Prado Filho e de Ana Clotilde Corrêa. Perdeu a mãe em 1950 e, a partir de então, escreveu versos. Fez o curso de Magistério, de 1951 a 1953, dando aulas logo em seguida. Em 1958 casou-se com José Assunção de Freitas. Na década de 1960 começou a estudar filosofia, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Divinópolis. Em 1972 perdeu o pai. Formou-se em 1973. Por essa época enviou originais dos seus poemas a Affonso Romano de Sant’Anna, que os fez chegar ao poeta Carlos Drummond de Andrade. Este último, por sua vez, os recebeu com grande entusiasmo e reclamou urgente publicação. O resultado dessa ventura é a grande obra inaugural de Adélia, “Bagagem” (1976), que começa com estes versos de impacto:

COM LICENÇA POÉTICA

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

Lança-se Adélia Prado, madura, já mãe de cinco filhos e consciente do fazer poético. “Não sou matrona, mãe dos Gracos, Cornélia, / sou é mulher do povo, mãe de filhos, Adélia.” (Bagagem, ‘Grande desejo’). O livro “Bagagem” foi publicado no Rio de Janeiro, e em seu lançamento estiveram presentes, dentre outras pessoas, Antônio Houaiss, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Raquel Jardim, Nélida Piñon, Juscelino Kubitscheck, Affonso Romano de Sant'Anna, Alphonsus de Guimaraens Filho.
Em 1978 lançou “O coração disparado”, ganhador do Prêmio Jabuti de melhor livro de poesia. Não parou mais de escrever, poesia e prosa. Outros livros de POESIA: “Terra de Santa Cruz” (1981). “O pelicano” (1987). “A faca no peito” (1988). “Poesia reunida” (1991). “Oráculos de maio” (1999). “A duração do dia” (2010). Em PROSA: “Solte os cachorros” (1979). “Cacos para um vitral” (1980). “Os componentes da banda” (1984). “O homem da mão seca” (1994). Manuscritos de Felipa (1999). “Prosa reunida” (1999). “Filandras” (2001). “Quero minha mãe” (2005). “Quando eu era pequena” [infantil] (2006). Os livros de Adélia Prado estão sendo agora editados ou reeditados pela Record. Alguns de seus trabalhos foram traduzidos para outras línguas, além de seu nome constar em várias antologias. O espetáculo “Dona doida: um interlúdio”, baseado em textos de Adélia Prado, foi encenado por Fernanda Montenegro, com grande sucesso no Brasil e no exterior, em 1987. Em 2000, Adélia gravou “O tom de Adélia Prado”, CD no qual recita poemas de “Oráculos de maio”. Em 2003, “O sempre amor”. Ambos pelo selo Karmim.
Profundamente religiosa (cristã católica), sua poesia é marcada pelo sagrado. Deus é personagem maioral em sua obra. Mas equivoca-se quem pensa que esta é panfleto de ideologias ou via de proselitismo à fé que a autora em nível pessoal professa convictamente. Leituras pouco profundas, nesse sentido, foram feitas até por bons críticos, mas são por si mesmas insustentáveis.
Também o cotidiano adquire relevância em sua criação: “Eu só tenho o cotidiano e meu sentimento dele. Não sei de alguém que tenha mais.”, diz com frequência. Antes de ressurgir com o livro “O homem da mão seca” (1994), Adélia passou por um difícil tempo de “desolação”, um longo silêncio, período em que ficou sem publicar nada: “você quer, mas não pode. Contudo, a poesia é maior que o poeta, e, quando ela vem, se você não a recebe, este segundo inferno é maior que o primeiro, o da aridez.”
Críticas, toda pessoa importante as sofre, tão mais quanto seja exposta às vistas alheias no muito grande que faz. Há quem não entenda que alguns fazem a arte que podem, outros a que querem, porque podem e sobra talento. Adélia pertence a este grupo de abastados. Delineou cedo seu rumo poético, muniu-se de bagagem própria (não alheia), é coerente naquilo que faz e não desvirtuou sua opção para agradar a quem quer que fosse. É precário dizer que ela se fez “refém” das influências primeiras que jamais negou. Drummond? Guimarães Rosa? Quem dentre vós (maiores e melhores do meu país) nunca tiver devido algo a eles, que atire a primeira pedra! Mas, antes de tudo e como eles, Adélia é mineira! Nasceu sabida dessa “mineirice” inimitável. Ela só é igual a ela mesma. Reside talvez aí a dificuldade de enquadrá-la no cânon previsível de qualquer das escrituras cristalizadas. E isso é insuportável para alguns que não sabem o que fazer com a poesia desta mulher. Se avexem não, nós não críticos sabemos! (Antonio Fabiano)

[Algumas informações biográfica e as "falas" da autora foram coletadas dos seus livros editados pela Record].

Antonio Fabiano
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com

2 comentários:

  1. Jaécia Bezerra de Brito22 de setembro de 2010 às 23:27

    Imagino que quando Dona Adélia faz qualquer ação que não seja escrita, a poesia ganha cheiro, cor, dor, explode em versos subtendidos de viveres; chego até a imaginar esta senhorinha tomando seu café da manhã, o primeiro verso é saborear as mineirices, o segundo agradecer a existência das mineirices, o terceiro sorrir discretamente mineirices.

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  2. Sempre que posso acesso seu blog. Entro catando as postagens atuais e anteriores não lidas. E essa sobre Adélia Prado me passou despercebida; até hoje é claro.
    É com imenso prazer que leio ou escuto algo sobre a autora. Através de seus versos Adélia transmite o sentimento da vida cotidiana, saboreada a cada instante. Infelizmente a maioria de nós, pela vida atribulada que levamos, deixa passar despercebido o simples da vida, e assim passamos por ela tendo esquecido de viver.

    Um abraço

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