sábado, 26 de setembro de 2020

Leitura crítica do poema “Serpente Emplumada” de Antonio Fabiano, por Elizabeth de Souza Araújo. (Parte 3)


“Amor...

Palavra até então adormecida no poema.”

 

Vejamos um exemplo onde a definição (no caso, quase sempre imagética) amplifica o tema:

AMOR

Cremos fixar o imaginário de um quadro, de um poema, de um romance.

As imagens tênues do “AMOR” são emitidas pelos objetos descritos no poema em análise. O objeto dá-se, aparece, abre-se à visão, entrega-se a nós enquanto aparência: esta é a imago primordial que temos dele. Veja:


Pedra.

Dura pedra.

Ingrata

Pedra

Pedra

Grata.

Pedra.

Broca.

Pedra.


“E a desfaçatez de um poema / (Uivo)

Que se contorce / Para nascer”.

 

Toda imagem pode fascinar como uma aparição capaz de perseguir.

Essa imagem do “amor” é tão dura, mas tão real que nos parece fascinar. No poema o “Amor” é pedra, dura pedra, broca, rocha.

“Dobra-se a rocha. / Fecha-se a porta. / O que ficou ficou. / O que se sabe / É já antigo / Apenas lembra-se ......

Embora antigo, é conveniente lembrar “Como algo novo”.

Algo novo que precisa se saber “Do que ainda não se disse / Da pedra”.

O jogo que o poeta faz da pedra com o amor é que torna o Amor um sentimento abissal.

O resto da estrofe diz tudo sobre o Amor abissal. Num sentido figurado e misterioso, enigmático, como o Amor, na realidade, que por mais que se tente definir e sentir, definitivamente é impossível.

(“Morreria”)

“Conversa comprida é o amor!” (Fim do terceiro bloco)

A imagem é transformação de forças instintivas; estas, por sua vez, respondem, em última instância, pela sua gênese. Nunca é demais insistir: para Freud, força e sentido alimentam-se no inconsciente.

Li e reli o poema à procura de um sentido intelectual, mas só consigo “Sentir” um reino sensível de correspondências onde latejam os ritmos do inconsciente.

Em carta à Charles Morice, Mallarmé é categórico. “O canto (poema) jorra de uma fonte inata, anterior a um conceito, tão puramente que reflete, de fora mil ritmos de imagem”. O quarto bloco do poema poder-se-ia intitular de “Constelação”. Mas o que é uma constelação?

Constelação é um grupo de estrelas. Por extensão é um grupo de pessoas notáveis pela inteligência, cultura, etc., ou, que para nós representam muito sobre o aspecto afetivo.

Se é um grupo de pessoas, cada uma delas se define pelas suas ações.

Para não nos alongarmos numa análise por demais exaustiva, deixamos aqui de considerar a reprodução literal, aos estratos das unidades de significação e nos deteremos na decomposição do texto. Assim, no desenvolvimento do texto.

Poder-se-ia dividir essa grande estrofe em blocos menores de acordo com o assunto de cada um deles.

Primeiro bloco (menor) do quarto bloco (maior)

Referência: “O segredo / Gritado / Pelas imensidões cósmicas / Do mar do céu.”

Síntese: “Admirado por Kant”, filósofo alemão responsável pela fundamentação da metafísica dos costumes.

Primeiro personagem referenciado no poema.  

Segundo bloco (menor) do quarto bloco (maior)

Reflexão do eu-poético sobre ele próprio. Ele faz alusão ao céu estrelado, à lei moral e à “imensidão escura / De luz” – ideias contrastantes.

Síntese: coração perturbado. Efeito da constelação sobre o poeta.

Terceiro bloco (menor)

Se tudo é vão e efêmero, tudo passa até mesmo “A inteligência / De Blaise Pascal / (...) / E de milhares de outros gênios / Apagados pelo tempo”.

Síntese: Inconstância e fragilidade das coisas (Motivo).

Blaise Pascal – matemático, físico, filósofo e teólogo católico francês. Contribuiu para o estudo dos fluidos.

Segunda estrofe e/ou quarto bloco.

Focalizaremos os seguintes elementos:

“sabedoria dos pequenos / Maior que a dos filósofos”... Extasiados com a beleza sem nome (do céu), o céu simplesmente como ele o é. 

Céu degredo ð céu do exílio

Céu das almas dos homens...... duelo entre os dois (céus)

Filhos de Eva

Adão............................. Degredados (exilados)


Céu cintilante ð é o céu brilhante, mas nostálgico.

ð Brilho intenso ð de soluços, lágrimas acesas

                                nuvens ð efêmeras


No plano do desenvolvimento do texto, pela sequência das ideias acessórias e suas respectivas centrais chegamos à determinação do assunto e do tema.

Destarte, reconhecemos:

Assunto: mudança do estado de espírito do poeta.

                (ideia central)

Tema: transformação do poeta – a transformação se opera face à inexorável mudança do tempo. Veja como o céu se apresenta.

 

CONTINUA...

 

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