segunda-feira, 28 de março de 2016

OCO

a David

Quando entreguei a David Leite, amigo e editor, meu último livro de poesia (isso foi no final de 2014), tive a sensação que sempre me vem ao terminar um trabalho: o livro não precisa mais de mim. Em síntese, missão cumprida, esvaziamento. Alguns chamam isso de realização. Nestas horas sinto-me desnecessário, deliciosamente inútil. Um avesso de existir. Um alívio! Não sei explicar...
Acabo meus livros, esgotado. Como quem volta de uma (ia dizer guerra) festa, em que se divertiu (sofreu) muito. Quanto melhor (pior), mais exaurido! Algo semelhante ao que sentiria a casca da crisálida, se fosse capaz de sentir, depois de ser deixada para traz. É isso, eu sou uma casca de crisálida, agora que escrevo este texto. 
Mas poderia dizer isso de outras formas. Quer ver? O que sinto é como ficar a casa vazia de seu sentido. Ou como ter a boca sem língua. Ou como vencer a guerra, a travessia, deus e o mundo e, ao mesmo tempo, cair mortinho, mortinho da silva. E é a partir dessa hora que o livro passa a não ser mais meu ou a não ser só meu. Às vezes sinto pura saturação e não volto a lê-lo, mesmo gostando. Outras vezes o que escrevo me constrange. Será que é por isso que não releio? Já me equivoquei, já acertei em cheio!
Enquanto faço poemas, sinto agonia e alegria em nível hiperbólico. Algo estranho, absurdo. Sofro, sinto nojo, dor, prazer, beatitude. Alguns poemas são perfeitos, outros nascem tortos, mas devem ser o que são. Bandeira dizia que felizmente não há poetas perfeitos, poemas perfeitos sim. Alguma vez consegui, digo com humildade.
Se eu escrever que o poema brilha, ele só entra no meu livro se cegar meus olhos de luz. Isso é convencer-me. Se eu disser que o poema está doce ou maduro, ele só vai para o livro se eu puser nele o dedo e sentir sua polpa penetrável, sazonada, e a minha boca salivar e eu provar com a língua o seu açúcar e sentir sabor. Isso é convencer-me. Se eu disser que o poema está vivo, só vai entrar se realmente provar que está vivo e que tem sangue e alguma vez até sangrar! Quanto ao que vão pensar ou dizer depois, eu não me importo.
Assim, ao terminar um trabalho, o que experimento é certo estado de graça, com aniquilamento, o que não é nem bom nem mau.
Estou sendo muito honesto, leitor. Sinto-me, hoje, oco, estéril, incapaz de conceber qualquer coisa legível. Até que venha outra vez a luz e me fecunde...
Antonio Fabiano

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