sábado, 22 de janeiro de 2011

UM DIA DESSES (ou o livro de pessoa(s)) - Theo G. Alves

Estive a ler um poeta um dia desses. Não. Não se trata de um caso de metonímia. Estive mesmo a ler um poeta, um dia desses. Gosto de ler Pessoa(s). Sinto um prazer discreto quase histérico nesse exercício. Gosto de contar as letras desse alfabeto iliterário, gosto de discernir morfemas nesses livros de gente, que ultrapassam as estantes. Mas a leitura desse poeta um dia desses sensibilizou-me.
O poeta que estive a ler, um dia desses, era um conjunto de versos heroicos, de uma decassibilidade macia nos gestos. Um dia desses, o poeta que estive a ler descrevia harmonias das mais ricas rimas, das rimas mais ricas, escorregava uma prolixidade de cantos reais em seus olhares de inexatidão tranquila. O livro que estive a ler um dia desses, emanava a sobriedade de seus sonetos, esse pequeno sono de velar algo mais que palavras, sabia ser alguém ou ninguém de além e aquém das coisas... porque era poeta o livro que eu li um dia desses. Esse livro guardava receitas de fazer milagres com rosas e copos de martini, manuais indecifráveis de como desenhar poesia, respirava uma simpatia de perguntar verdades... Ah, o poeta que um dia desses eu lia e que ainda leio... um espelho de geometrizar desformas com o poder da imprecisão.
É. O melhor de ler Pessoa(s) é que esses livros nunca acabam. O melhor de ler poetas está em descobrir mais poesia em seu movimento que em seus próprios versos.

Theo G. Alves

(In: NAVEGOS – Órgão Informativo do Centro Acadêmico de Letras “Fátima Barros” – UFRN – Campus de Currais Novos – Ano I – Edição 11 – Outubro/1999, p. 07).

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Autógrafo do amigo Theo, dedicado a mim e à poesia que eu fazia no nosso tempo de universidade. Dos meus guardados de afeto. Está aí mais uma de suas belas páginas literárias. Na ocasião em que isso foi publicado suprimiu-se a dedicatória...

2 comentários:

  1. Esta nas entrelinhas muita coisa de que eu me lembro. De como liam os originais um do outro, e se criticavam; da alusão ao poeta português que ambos amavam; da despersonalização aprendida de Pessoa, que ambos praticavam na poesia; da obsessão de Fabiano pelas formas fixas, que ele dominava com maestria; do canto real (chant royal) famoso que ele escrevera, se não me engano "A cidade onírica" - foi a única pessoa viva que eu conheci a exprimir-se em poesia por aquela forma francesa -; alusão também ao célebre conto de Fabiano, "O Milagre das Rosas"; os copos de martini de Théo, nas festas do Campus em que esta geração de escritores brilhou; isto de soneto como "pequeno sono", de um poema de Fabiano a Théo, ou vice-versa, já não me lembro bem... Será que poderia (re)publicar esses textos no blog? Que saudade!

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  2. Que memória! Acho que nem eu nem Theo lembrávamos tanto! Obrigado! Procede, o que você diz. Theo é um grande amigo, desde sempre. Eu diria até mais, é um irmão... Minha obsessão pelas formas fixas durou o tempo de meus estudos de poética clássica na faculdade, era uma espécie de laboratório, levado muito a sério, claro, como tudo que faço. Escrevi, assim, coisas interessantes como o famoso canto real, para Elizabeth, mas também poemas muito ruins que, graças a Deus, nunca foram nem serão publicados. Aprendi muito! O outro poema a que se refere, do "pequeno sono", foi de fato escrito por mim, não me lembro agora o título mas começava mais ou menos dessa forma: "Senhor, / dá-me um soneto, / esse pequeno sono"... Oportunamente trarei ao blog esses textos antigos, como pede. Obrigado pelo interesse!

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