domingo, 23 de dezembro de 2012

Os Pobres na Estação Rodoviária - Lêdo Ivo

Foto: Acervo ABL / Divulgação

Os pobres viajam. Na estação rodoviária
eles alteiam os pescoços como gansos para olhar
os letreiros dos ônibus. E seus olhares
são de quem teme perder alguma coisa:
a mala que guarda um rádio de pilha e um casaco
que tem a cor do frio num dia sem sonhos,
o sanduíche de mortadela no fundo da sacola,
e o sol de subúrbio e poeira além dos viadutos.
Entre o rumor dos alto-falantes e o arquejo dos ônibus
eles temem perder a própria viagem
escondida na névoa dos horários.
Os que dormitam nos bancos acordam assustados,
embora os pesadelos sejam um privilégio
dos que abastecem os ouvidos e o tédio dos psicanalistas
em consultórios assépticos como o algodão que
[tapa o nariz dos mortos.
Nas filas os pobres assumem um ar grave
que une temor, impaciência e submissão.
Como os pobres são grotescos! E como os seus odores
nos incomodam mesmo à distância!
E não têm a noção das conveniências, não sabem
[portar-se em público.
O dedo sujo de nicotina esfrega o olho irritado
que do sonho reteve apenas a remela.
Do seio caído e túrgido um filete de leite
escorre para a pequena boca habituada ao choro.
Na plataforma eles vão o vêm, saltam e seguram
[malas e embrulhos,
fazem perguntas descabidos nos guichês, sussurram
[palavras misteriosas
e contemplam as capas das revistas com o ar espantado
de quem não sabe o caminho do salão da vida.
Por que esse ir e vir? E essas roupas espalhafatosas,
esses amarelos de azeite de dendê que doem
[na vista delicada
do viajante obrigado a suportar tantos cheiros incômodos,
e esses vermelhos contundentes de feira e mafuá?
Os pobres não sabem viajar nem sabem vestir-se.
Tampouco sabem morar: não têm noção do conforto
embora alguns deles possuam até televisão.
Na verdade os pobres não sabem nem morrer.
(Têm quase sempre uma morte feia e deselegante.)
E em qualquer lugar do mundo eles incomodam,
viajantes importunos que ocupam os nossos lugares
mesmo quando estamos sentados e eles viajam de pé.

Lêdo Ivo (1924-2012)
Poema de "A noite misteriosa".

Adeus ao poeta...

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

MEU NOVO LIVRO DE POESIA...


Novo livro de poesia de Antonio Fabiano, publicado pela editora Taba Cultural do Rio de Janeiro (2012.2). 
Capa: Durval (divulgação)
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Olá, pessoal! Este é o meu novo livro de poesia. Farei sorteio de alguns exemplares dele e de "Sazonadas" (2012.1), para quem me escrever pelo e-mail do blog com esse intuito. Se você curte poesia e quer ganhar os livros escreva por favor para: seridoano@gmail.com
Obrigado! Boa sorte!

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

LA NOCHE OSCURA de SAN JUAN DE LA CRUZ (1542-1591)


                    La noche oscura


    Canciones del alma que se goza de haber llegado al
    alto estado de la perfección, que es la unión con Dios,
    por el camino de la negación espiritual.


  En una noche oscura,
con ansias en amores inflamada,
(¡oh dichosa ventura!)
salí sin ser notada,
estando ya mi casa sosegada.                    

  A oscuras y segura,
por la secreta escala disfrazada,
(¡oh dichosa ventura!)
a oscuras y en celada,
estando ya mi casa sosegada.                    

  En la noche dichosa,
en secreto, que nadie me veía,
ni yo miraba cosa,
sin otra luz ni guía                              
sino la que en el corazón ardía.                

  Aquésta me guïaba
más cierta que la luz del mediodía,
adonde me esperaba
quien yo bien me sabía,
en parte donde nadie parecía.                   

  ¡Oh noche que me guiaste!,
¡oh noche amable más que el alborada!,
¡oh noche que juntaste
amado con amada,
amada en el amado transformada!                 

  En mi pecho florido,
que entero para él solo se guardaba,
allí quedó dormido,
y yo le regalaba,
y el ventalle de cedros aire daba.              

  El aire de la almena,
cuando yo sus cabellos esparcía,
con su mano serena
en mi cuello hería,
y todos mis sentidos suspendía.                 

  Quedéme y olvidéme,
el rostro recliné sobre el amado,
cesó todo, y dejéme,
dejando mi cuidado
entre las azucenas olvidado.      


quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

sábado, 27 de outubro de 2012

Aos 104 anos, Manoel de Oliveira vai filmar conto de Machado de Assis

Manoel de Oliveira (Divulgação)

São Paulo – No cinema de Manoel de Oliveira há algo de intemporal que, paradoxalmente, se liga bastante, quando bem pensado, ao tempo presente. Essa característica dúbia fica bem evidente em O Gebo e a sombra, seu filme mais recente, apresentado na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

O velho mestre, de 104 anos, já está aprontando novo filme, para manter a média de um por ano. O próximo trabalho pode ser baseado em “A igreja do diabo”, conto de Machado de Assis, informou o ator português Luiz Miguel Cintra.  “Ele está muito bem, cheio de energia e trabalhando no roteiro de ‘A igreja do diabo’”, garantiu o artista. A ambivalência de Machado, em especial nesse conto em que o bem aparece apenas contra o pano de fundo do mal, e vice-versa, será inspirador para o cineasta. De certa forma é também o que ocorre com O Gebo e a sombra, baseado numa peça dos anos 1920 do dramaturgo português Raúl Brandão. A peça tem quatro atos, dos quais Manoel conservou apenas três.

Contador e cobrador de uma firma, Gebo é interpretado pelo grande ator francês Michael Lonsdale. Sua mulher, Doroteia, é vivida por Claudia Cardinale. O filho, João, por Ricardo Trêpa, neto do diretor. A mulher de João, Sofia, por Leonor Silveira. Jeanne Moreau faz uma vizinha intrometida, Candidinha. Leonor, Cintra e Trêpa fazem parte da trupe habitual de Oliveira. O restante do elenco dá ideia do prestígio internacional a que chegou o cineasta português. A locação é única, a sala de uma casa modesta, onde Gebo, em seu livro de anotações, faz e refaz cálculos, noite adentro. Bebe café para se manter acordado e diz que trabalha tanto, apesar da idade, para que a família não morra de fome.

A fotografia, magnífica, é construída em meios-tons, como iluminada apenas pelos candeeiros que se veem em cena. É propícia para um ambiente no qual tudo nunca é dito diretamente, porque se trata de preservar, acima de tudo, a figura da mãe, que pede notícias do filho.

Fonte: Estado de Minas
Quinta-feira, 25 de outubro de 2012

terça-feira, 16 de outubro de 2012

LIVRO ABERTO


NOITE ESTRELADA

Há uma noite no meu livro
Como também o vento que o atravessa e enche.
Amei os ventos desde menino.
“O vento sopra onde quer
– disse o meu Mestre –
Ouves o seu ruído
Mas não sabes de onde ele vem
Nem para onde vai.”
Há uma noite no meu livro
Como também o tempo
E a hora extrema
Que ultrapassa-se.
Para os mais violentos corações
Uma pérola escondida e o meu silêncio.
“Quem nasce do espírito
É como o vento”...
Há uma noite no meu livro.
Mas nela que era imensa
Fez-se o luzir intenso da verdade
A luz.
Dou-te um segredo lapidado:
A noite do meu livro
É estrelada.


INFINITO

As estrelas no céu guardam um nome,
Um segredo, um mistério em cada brilho.
Eu, com os pés descalços, o mar trilho
Da infinita Via Láctea, lume...

Pois fui rei noutros mundos em outrora...
E este céu, que ao silêncio se abisma,
Portentoso e cúmplice da cisma,
Em cada canto um pranto por mim chora.

Ao transpor das esferas o portal,
Não perdi minha glória d’ imortal...
Inda canta a minh’alma, diz em grito:

Eu sou irmão dos deuses!... De saudade
Todos os astros choram a irmandade
Partida nas distâncias do infinito!...


(FABIANO, Antonio. “Sazonadas”, Rio de Janeiro: Taba Cultural, 2012).


ASSIM...


DELICADO

Minhas mãos teceram este poema
Com fios de tua ausência
(Solidão)
Cativas do silêncio
– Nostalgia –
Traços da mais efêmera ilusão...

De agruras me fiz
E de arredias
Tardes
Em linhas d’uma espera inacabada
Onde eu não sei saber-te mais que amor!

Vivo de mim já não lembrado!
Por teu querer tornei-me delicado!
E quando agora eu toco as coisas frias
Que a vida espalha pelo tempo e cantos
Não o faço com mais força do que a brisa
Nem com ruído mais que este do orvalho
Tombando sobre as taças!...


CARENTE

Ando carente de um amor, o que fluísse
Sobre o meu mau-humor e este sentir de
Lancinantes dardos que atormentam-me;
O que viesse sobre a minha amarga dor
E excitados lábios, muros da boca,
Feitos para o beijo,
Na cor profunda, vívida
De um não sei quê já bem suave e quase
Fugidio...

É como a chama de uma vela o meu amor,
Bem delicado...
É como um sopro que aviva o fogo... Ardor...
E dança... E brilha... E dança...

Oh, ginga abrandante, velha e ingênua ginga,
Do ritual criado pra dar trégua a meu horrível tédio!
Quero o amor que seja como as águas
Das cataratas de Iguaçu
E eu derramado, como de um vaso espedaçado,
Ao jorro de um luzir de estela
Que resplendesse ainda mais alto e intenso!

Eu quero o sopro dos alentos,
Mergulhar bem fundo
Em desmaiadas plagas,
Perder-me no azul
De uns olhos lindos
E ali morar, morrer, me afogar...
Depois boiar
Sempre à deriva do que tênue se passa
Entre o luar
E as águas deste humilde charco,
A condição humana ou, mais que tudo,
O meu silêncio
Gritado no secreto sono. 


TROPEL

Em mim, meu bem, o sagrado e o profano se misturam
com a mesma precisão enigmática
de um rio em curso
veloz
a devassar o chão molhado
de tua espera!

De dentro de mim, só para ti,
ruge um tropel
como se houvesse no meu peito e no meu corpo
mil cavalos sem asas a desejar teus prados!

Pelos cantos dos teus olhos
tu me furtas
e eu me adentro sorrateiro
sem dizer palavra alguma
dono e ladrão de delícias...

(...nossos desejos reticentes coincidem).

Por esta causa tornei-me como os braços de um rio
que em sonho sonha-se mar
soberano e doce...

E não me estanco de te abraçar!

(FABIANO, Antonio. “Sazonadas”, Rio de Janeiro: Taba Cultural, 2012).



AMOR MAIOR

Os ipês não saem da minha cabeça.
Na verdade há uma coroa de flores amarelas
Posta em meu pensamento.
É um tormento quando há floração:
Durante vinte dias sofro
A beleza me fere e mata!
Mas não era de ipês que eu ia falar...
É de uma árvore sem folhas que eu vi e amei
E que não é ipê. Era sombria e de longos galhos
Ali como se estivesse desde a eternidade
(embora eu não saiba o que é isso).
Talvez pelo meu exaltado estado
De espírito
Fiz de ti frondosa árvore
O objeto de meu puro amor.
E o meu amor haveria de te cobrir de folhas e dar frutos
Apressando as estações
Ultrapassando-as
Superando-se a cada passo
Na crença de que amor que é amor
Não espera nada.
Por quanto tempo eu te amei não sei.
Amor apaga tempo e outras noções.
Eu quando amei parei uma ou três vezes
O sol com a mão no meio céu
Para que fosse pleno o dia e para que durasse
A eternidade (esta que eu não sei).
Mas somos tão pequenos ó árvore!
O infinito nos sufoca e humilha.
E eu que parti primeiro
Traí meu objeto de amor.
Tuas folhas cairão de novo
Como os meus cabelos.
Outros virão e te amarão
Com amor sempre novo
(pois se é amor é sempre novo)
Mas nunca como eu
Que te dei flores frutos
Ainda que humildes
E a paina espalhada pelo chão de um dia
Com beleza macia e vento a te soprar cantares.
De ver-te infindas vezes
(tão obcecadamente)
Eu me ceguei.
A medo eu nada disse
Porque era impotente o meu silêncio
De contemplação.
É maldita a sorte de quem ama árvore eterna
E desce ao fundo de sua raiz.
Mas saberá alguém amar e não descer?
Quando a minha boca ficou vazia de palavras
E mais que ela o coração
Eras ainda bela e altiva!
Eu nunca conheci amor maior
Que o de dar flores a uma árvore
E isto eu te dei.


(FABIANO, Antonio. “Sazonadas”, Rio de Janeiro: Taba Cultural, 2012).

MAIS ALGUNS...


PONTEIROS

Um segundo
tempo-instante
adiciona-se
ao relógio virtual.

Um segundo
nome
– algarismo romano –
(re)define o outro tempo
ultra-real.

Qualquer coisa
ou outra coisa
caiu...
...foi arrastada
pelos ponteiros
primeiro e segundos
da marcação a-temporal
de nossa história da humanidade.

Relógios marcam horas,
não poesia.
Relógios marcam coisas,
não pessoas.
Relógios tocam tudo,
menos a música do tempo.

Ponteiros
...giram giram
e sempre voltam
para acariciar ou espetar os homens
com aquela verdade
que quando a entendemos
já não temos mais tempo.


ESTÁTUA DE SAL

Rua dos ursos polares tão branca e feia
Eu quis dar-te um poema para que existisses
Além da cal na pele escura dos homens
Que em ti suam e fazem do pó labuta
A vida e o fim seus.
Rua tão triste de ursos mascarados
Onde os que passam apressam o passo
E passam sem querer voltar.
Onde o meu paço de poesia ergueu-se
Ignorando carros transeuntes pés
Gente que nem te olha e só te pisa e ignora.
Rua onde eu passei com o coração flechado
E fui capaz de urgir o tempo ao olhar pra trás.
Olhei e vi figuras bípedes
Seres congelados no passado
Os que deixaram de existir há tempos
Os que não voltam mais para o presente
Que me dariam em noite de Natal.
Eram pálidas as figuras e mais pálidas
As que amei – em meu desesperado amor.
Eram estátuas de um museu de musas
E eu (porque olhei pra trás)
Tornava-me também estátua
Nua e fria.

Um silêncio delirante cobriu meu sonho
E a noite imensa.


MINHA TERRA

Minha terra!
O tempo passa e amadurecemos.
Mas envelheço e tu remoças
Na força dos que chegam
Fortes mais que eu.

Como um condenado nas galés
Hoje eu te olho.
Como forasteiro e só.
Dos porões da história
A que nunca escrevi
Hoje eu te sinto e choro.

Porque passei.
Passei e
Não me viste!
Ataviei-me de beleza
E nem sequer me olhaste.

Fiz-me teu filho por escolha e
Sem o ser degenerado
Órfão deixaste-me.
Eu de outros ventres parido...
Eu o não legitimado.

Dobra o sino. Em meu lamento?
Não era pra ser triste este poema.

Aqui perdido
Outra vez
Me tens – me tens
A sonhar teus voos
Glória mil vezes
Maior que a possível
E não me tens... me tens...
Me tens...

Minha terra! Minha terra!...
Quando dizer isso dói tão fundo
E aí deixar-te.
Onde chover é tão bonito
E a saudade não termina
Nunca.

Aí, onde as serras ganham contornos de infinito
E o rio grande que nasce pequeno
Te dá águas para o mar
E outra vez te deixa para nunca mais.

Mas porque saio de ti
Que em mim não findas
A claridade dos teus dias
Vai pelos meus passos
Vida afora.


(FABIANO, Antonio. “Sazonadas”, Rio de Janeiro: Taba Cultural, 2012).


quinta-feira, 27 de setembro de 2012

La Promenade - CHAGALL

Marc Chagall. The Promenade (La promenade). 
1917-18. Oil on canvas. 169.6 x 163.4 cm. 
State Russian Museum, St. Petersburg, Russia.

DIA FELIZ

A verdade sobre a posse das coisas está no fundo ...

... deserto é farelo de montanha
na versão do vento.

E o que é fundo vem à tona e será topo
e o que é força será fóssil.

Cláudia Ahimsa

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

AFFONSO ÁVILA (1928-2012)

Affonso Ávila - Foto de Carol Reis (Divulgação)

Morre aos 84 anos um dos homens mais importantes da poesia brasileira do século XX. Além de poeta inspirador de toda uma geração, foi ensaísta e estudioso da história mineira e do barroco brasileiro, com trabalhos de alta repercussão. Affonso Ávila nasceu em Belo Horizonte em 19 de janeiro de 1928. Faleceu aqui mesmo nesta quarta-feira de 26 de setembro de 2012. 

domingo, 19 de agosto de 2012

GIRASSÓIS CORTADOS de VAN GOGH

Dois Girassóis Cortados - 1887
Óleo sobre tela (43 x 61 cm)
Nova York: Museu Metropolitano de Arte

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Wisława Szymborska (1923 - 2012)


Nadmiar
Wisława Szymborska 

Odkryto nową gwiazdę, 
co nie znaczy, że zrobiło się jaśniej 
i że przybyło czegoś czego brak.

Gwiazda jest duża i daleka, 
tak daleka, że mała, 
nawet mniejsza od innych 
dużo od niej mniejszych. 
Zdziwienie nie byłoby tu niczym dziwnym, 
gdybyśmy tylko mieli na nie czas.

Wiek gwiazdy, masa gwiazdy, położenie gwiazdy, 
wszystko to starczy może 
na jedną pracę doktorską 
i skromną lampkę wina 
w kołach zbliżonych do nieba: 
astronom, jego żona, krewni i koledzy, 
nastrój niewymuszony, strój dowolny, 
przeważają w rozmowie tematy miejscowe 
i gryzie się orzeszki ziemne.

Gwiazda wspaniała, 
ale to jeszcze nie powód, 
żeby nie wypić zdrowia naszych pań 
nieporównanie bliższych.

Gwiazda bez konsekwencji. 
Bez wpływu na pogodę, modę, wynik meczu, 
zmiany w rządzie, dochody i kryzys wartości.

Bez skutków w propagandzie i przemyśle ciężkim. 
Bez odbicia w politurze stołu obrad. 
Nadliczbowa dla policzonych dni życia.

Po cóż tu pytać, 
pod iloma gwiazdami człowiek rodzi się, 
a pod iloma po krótkiej chwili umiera.

Nowa. 
- Przynajmniej pokaż mi, gdzie ona jest. 
- Między brzegiem tej burej postrzępionej chmurki 
a tamtą, bardziej w lewo, gałązką akacji. 
- Aha - powiadam.



Excesso – Wisława Szymborska 
(Tradução de Regina Przybycien)

Foi descoberta uma nova estrela,
o que não significa que ficou mais claro
nem que chegou algo que faltava.

A estrela é grande e longínqua,
tão longínqua que é pequena,
menor até que outras
muito menores que ela.
A estranheza não teria aqui nada de estranho
se ao menos tivéssemos tempo para ela.

A idade da estrela, a massa da estrela, a posição da estrela,
tudo isso quiçá seja suficiente
para uma tese de doutorado
e uma modesta taça de vinho
nos círculos aproximados do céu:
o astrônomo, sua mulher, os parentes e os colegas,
ambiente informal, traje casual,
predominam na conversa os temas locais
e mastiga-se amendoim.

A estrela é extraordinária,
mas isso ainda não é razão
para não beber à saúde das nossas senhoras
incomparavelmente mais próximas.

A estrela não tem consequência.
Não influi no clima, na moda, no resultado do jogo,
na mudança de governo, na renda e na crise de valores.

Não tem efeito na propaganda nem na indústria pesada.
Não tem reflexo no verniz da mesa de conferência.
Excedente em face dos dias contados da vida.

Pois o que há para perguntar,
sob quantas estrelas um homem nasce,
e sob quantas logo em seguida morre.

Nova.
– Ao menos me mostre onde ela está.
– Entre o contorno daquela nuvenzinha parda esgarçada
e aquele galhinho de acácia mais à esquerda.
– Ah – exclamo.

(Szymborska, Wisława. Poemas / Wisława Szymborska; edição bilíngue: português/polonês; seleção, tradução e prefácio de Regina Przybycien – São Paulo: Companhia das Letras, 2011). 


domingo, 29 de julho de 2012

OLHA SÓ...


Folha de S. Paulo, domingo 29 de julho de 2012 – ilustrada E5: Affonso Romano de Sant’Anna, o autor que ajudou a definir os principais movimentos literários do século XX no Brasil, celebra 50 anos de produção literária. Nem o poeta havia se dado conta disso... Ilustra a matéria, a foto de um evento literário realizado no Rio de Janeiro, em 1973, onde aparecem: Affonso, Gilberto Gil, João Cabral de Mello Neto e Chico Buarque, dentre outros.

domingo, 15 de julho de 2012

CARAVAGGIO: MEDUSA MURTOLA


CARAVAGGIO - Medusa Murtola
Século XVI (1597)
Escudo com a cabeça de Medusa.
Óleo sobre tela de linho aplicada a um escudo de madeira de álamo.
Coleção Particular.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

JULHO EM CHAMAS

Aos 33 devo estar pronto para morrer crucificado. Ou queimar poemas. Por isso, depois do meu aniversário deste ano, tomei a resolução de acertar as contas de vez com o meu passado, ao menos com o meu passado de poeta. Revisitei pastas antigas de poesia... E eram muitas, porque eu escrevia compulsivamente em fins dos anos noventa e virada do milênio. Agora estou antigo lá, jovem e imaturo lá, transformado para sempre em cinzas. Poemas revisitados causam estranhamento algumas vezes. No meu caso, escrevê-los foi um exercício salutar, mas felizmente nunca os publiquei e, embora muitos os lessem, eu não os dava a ninguém, salvo raríssimas exceções. Minha mania de escrever livros inteiros em um só dia ou em uma só noite, acabou. Não é coisa de gente séria escrever tanto assim! Neste início de julho lembrei-me do amigo Wilson Azevedo, para mim “Zé”, intelectual e crítico literário que se admirava da produção prolífica do “Anto”, e perguntava irônico se eu psicografava. Ele viu, tantas vezes, nascer livro após livro, da verde pena do poetinha. Aos 33 entendi que nem tudo que se escreve presta ou deve ser guardado. Alguma coisa deve ser guardada, por algum tempo. Mas não tudo, nem para sempre. O poeta não pode se levar muito a sério – eu não me levo! – mas poesia é coisa séria, quero dizer, reclama responsabilidades. Desgostei gravemente do que escrevi antigo, quando jovem e imaturo lá. Grato por ter escrito, mais grato ainda por não ter publicado, e grato ainda por poder dar cabo disso tudo agora de uma vez por todas. Resolvi, então, queimar meus livros inéditos. Mais uma vitória sobre mim mesmo, sobre o meu gênio e teimosia de levar adiante o que não tem remédio. Passei noite inteira abrindo pastas, resoluto, separando papeis... Ó feliz semana!... Crescente alívio e euforia de estar devolvendo ao nada aqueles versos de outrora...  De manhã tive vontade de espalhar os papeis sobre a grama verdinha do claustro. Certamente cobririam tudo! Eram muitos, mais do que eu podia carregar sozinho! Faria uma bela foto de recordação. Mas isso ia, indevidamente, atrair a atenção dos irmãos e há entre nós o chamado “decoro carmelitano”... Seria extravagante demais! Melhor nem tentar!... Então levei todas as peças para um lugar do quintal, e a quantidade de papeis era tamanha que assombrou os irmãos que trabalhavam àquela hora. Um deles me ajudou a espalhar tudo, de maneira que se ateasse fogo rapidamente, quando eu riscasse o fósforo. Outro irmão lamentou que eu queimasse tal registro, deveria ter pra mim ao menos algum valor sentimental. Ando pouco sentimental, ultimamente. Outro frade caçoou de mim e se pôs a inventar nomes de mulheres que, enquanto ria, fingia ler nos papeis, como se dissesse que eu almejava queimar antigos amores para me tornar santo de vez! Bobagem. Em minutos era já imenso o fogo, julho todo em chamas de uma quase meia vida inteira!... Agora é um alívio enorme não ter mais aqueles versos e poder começar do zero... Quase do zero, pra ser sincero! Os maiores poetas do meu país levam décadas para publicar livros fininhos de poemas bons. Era imoral escrever tanto assim! Mas foi bom ter escrito. Não julgo a poesia que virou fuligem, nem julgo a mim mesmo que a escrevi e a queimei. Existiu para o tempo que existiu e basta! Há muitos anos eu me escandalizei de uma amiga poetisa que ficou com raiva de um amor e rasgou todos os seus versos. Eu não fiquei com raiva de nada, mas posso finalmente entendê-la. Rasgar ou queimar poemas é tão libertador! Estou muito contente! Não destruiria estes versos se estivesse convencido de que eram realmente bons... Anotarei abaixo alguns dados dos livros, porque prometi a Cláudia que o faria, e queria também guardar esta lembrança que já não ameaça a reputação do poeta atual. O inventário de bens inúteis e perdidos para sempre é o que se segue, nesta lista de títulos já conhecidos de alguns amigos que leram os livros e que pateticamente guardarão só a lembrança do que não existe mais. Os poemas que estavam em arquivo digital também foram deletados, se alguém por acaso quer saber. E que ninguém lamente nada. Eu não lamento. Aos 33 estou pronto para morrer crucificado. Ou queimar poemas...  

Segue-se o cemiteriozinho de poemas... 
Precedidas de cruzes estão as obras incineradas. E, de asteriscos, as poucas que foram conservadas. De cruzes e asteriscos somente as que foram parcialmente conservadas.

+ Uma coleção de 106 poemas, dos quais salvei apenas um, bem remoto, pelo simples fato de que uma vez ao lê-los mamãe gostou mais dele (“O beija-flor”).
+ Uma coleção de 118 poemas, igualmente avulsos e de minha primeira produção.
+ Primeiros Sonetos – 48 peças, das quais salvei apenas duas de 1999 (“Encanto” e “Mudei-me para as alturas!”).
+* Cancioneiro da Terra – salvo parcialmente. Este seria o meu primeiro livro de poesia, a ser editado em Natal, em fins dos anos 90 ou início dos anos 2000. Felizmente morreu no prelo. Quero reescrevê-lo. Por isso foram salvas algumas peças.
+* Versos de Arribação – salvo parcialmente. Todos escritos em 09 de junho de 2000.
+ Livro do Canto Real – sob a homônima forma fixa de origem francesa, experimentais de 1999. Salvei quatro peças, uma das quais se tornara bastante conhecida e celebrada naquela ocasião...
+ Ósculo – um livro de sonetos, mais de 60, que escrevi e reescrevi algumas vezes, dedicado a Florbela Espanca. Versos muito experimentais e ruins, poemas sentimentais e verborrágicos, dos quais salvei duas ou três peças, menos piores, para refundição. Versos decassílabos, predominantemente heroicos...  
+ Auto da Ventura – 31 poemas de 1999. Era um livro em que os poemas disputavam entre si, alternadamente. Um heterônimo meu em formas fixas, outro totalmente livre. Ambos se contaminavam e se fundiam ao final do livro, que terminava com uma página em branco.
+ O Livro do Riso – 22 poemas. Todos escritos na manhã de 08 de julho de 1999. Este livro era dedicado aos meus irmãos.
* O Livro das Visões – este eu o salvei integralmente. São 42 poemas “concretos”, por assim dizer, de julho de 1999.
+ Alvorada – 32 poemas escritos em Currais Novos, em 03 de fevereiro de 1999.
+ Ele – 28 poemas de caráter sebastianista, escritos em 2000.
+ Livro de Eus (I) – 23 poemas egocêntricos de 05 de setembro de 1999. Tinha por epígrafe isto que escrevi: “Sou meu porto, meu mar, navio e âncora...” Por aí se pode deduzir o desastre do livro, não obstante os apontamentos de Elizabeth, que guardei, vendo coisa boa nos dois livros.
+ Livro de Eus (II) – 18 poemas de igual feição, datados de 09 de setembro de 1999.
+ Livro de Eus (III) – seus poemas foram dispersos antes deste julho, quando me cansei do projeto.
+ O Livro da Insônia – 21 poemas escritos em 06 de setembro de 1999, dos quais salvei apenas um dedicado ao meu amigo Theo.
+ In Di Gentes – 28 poemas de um curioso livro escrito entre os dias 02 e 03 de outubro de 1999. A voz poética era a de um mendigo, e coincidência ou não, na noite em que eu encerrava o projeto havia um pedinte dormindo em minha porta. Guardei apenas os apontamentos de Elizabeth.
+ Livro das Sinfonias – 26 poemas de 1999 e 2000, dos quais salvei apenas um poema de um verso de 26-02-2000, além de um desenho feito para o livro, do ilustre artista plástico Assis Costa.
+ Folhas Soltas – 13 poemas de 1999, absolutamente desnecessários.
+ Aos olhos da manhã – 17 poemas matutinos, de 1999.
+ Lume Azul – 34 poemas escritos em 12 de outubro de 1999.
+ Aqui Viagem – 24 poemas de 1999. Expressava uma ideia de movimento, sob a perspectiva de alguém parado dentro do móvel.
+ O Céptico – 28 poemas do ano 2000. Era um livro muito contrário a tudo em que eu acredito. Escrevi da perspectiva dos meus amigos intelectuais, daquele tempo, que se diziam ateus.
+ Ópio – 35 poemas do ano 2000. Era um livro ridículo que começava sóbrio e terminava bêbado.
+ Livro das Variações – 32 poemas escritos na noite de 26 de maio de 2000.
+ Livro do Amor Passageiro – 28 poemas escritos em 05 de junho de 2000.
+ Livro do Outro Amor – destruído antes deste fatídico julho.
+ O Penedo Místico – 22 poemas do ano 2000, dos quais salvei apenas um.
+ O Tempo e o Verso – 26 poemas escritos em 15 de junho de 2000.
+ Pluviais – 20 poemas. Era um livro que eu gostava e que tinha como epígrafe a estrofe de um poema do meu amigo Theo.
+* Livro de Haicais – salvei algumas estações dos diminutos poemas de inspiração japonesa, foram preservados cerca de 50.
+ A Cor Original – destruído antes deste fatídico julho.
+ Piadas e Plágios Originais – cerca de 15 poemas sem graça, mas que se pretendiam de “humor”, onde figuravam versos ridículos como estes que satirizavam outros poetas, especialmente do Romantismo brasileiro: “Se eu morresse amanhã... / Ai, se eu morresse amanhã...  / A véspera da minha morte seria hoje!”; ou se contava a história de um homem fortão que morrera engasgado com um pedaço de maçã do amor etc.
+ Uma coleção de Elegias – dos quais se salvaram um ou dois poemas de valor sentimental.
+ Antropoesia – 24 poemas de novembro de 2000.
+ Estelares – 12 poemas de 2000. Não abandonei a temática, reincidente na poesia atual, como se pode ver...
+ Hora do Silêncio – 32 poemas de 2001. Poemas de verdadeira estagnação literária.
+ Gitano – 10 poemas de 2000 a 2002. Dois ou três foram reescritos e assim salvos.
+ Lapsos Lapsos Lapsos – 19 péssimos poemas de 1999 e 2000.
+ Inspiração – 16 poemas (pouco inspirados) de 1999 e 2000.
+ Repúdio – 8 poemas amargos e reprováveis.
+ (Poesia Finissecular) – Não sei qual devia ser o título, tratava-se de uma coleção de 14 poemas escritos no último dia do milênio, entre as 14:47h e 23:37h de 31 de dezembro de 2000. Fetiche de uma mente desocupada...
+ Pele Vermelha – 15 péssimos poemas de 2002.
+ Foram queimadas ainda 187 peças avulsas, poemas com datas diversas.
+ Foram incineradas mais sete coleções sem títulos, com os respectivos números de poemas: 21, 21, 14, 17, 28, 18 e 16.
+ Encontro-me de Dois com Pessoa (para Fernando Pessoa, eles mesmos...) – um extenso poema verborrágico de 18 páginas.
+ Algumas dezenas de poemas escritos em inglês e outras línguas. Salvou-se em áudio “Hermosa China”, um poema que celebrava o retorno de Hong Kong ao seio da pátria chinesa em 1º de julho de 1998 (data do poema) e que foi divulgado em várias emissões da Rádio Internacional da China (Pequim) nos dias 03 e 06 de agosto de 1998. Guardei ainda outro poema, em espanhol, que me tocou profundamente ao relê-lo, intitulado “Ancha Pelea” de 26 de março de 2001.
* Poupei com certa ressalva um livro-diário, escrito em língua inglesa e bilinguado em português (prosa poética), datado de maio de 2000.
* Salvei com algumas restrições o longo poema “Nos corredores de uma alma” de 03 de junho de 1999. Originalmente era um conto e talvez deva voltar à sua primeira forma.
* Salvei “Todos os Relógios do Mundo (Linguagem das Horas)”, um longo poema, de forma pouco usual na minha escrita, datado da noite ou madrugada de 17 de setembro de 1999.
* Foram preservados uns poucos versos que eventualmente migrarão para livro do futuro ou terão o mesmo fim dos outros.



domingo, 1 de julho de 2012

Frank Sinatra - "The Girl From Ipanema" (Concert Collection)




Frank Sinatra's "The Girl From Ipanema" performance from the "A Man and His Music + Ella + Jobim " special, part of the Frank Sinatra: Concert Collection 7-DVD box set.
Licença Padrão do YouTube.

terça-feira, 26 de junho de 2012

LOUCURA SANTA


O santo enlouqueceu.
Invadiu o céu
Derrubou tronos e estrelas
Cortou as asas de seis anjos
Desacatou a própria Mãe de Deus
E foi-se embora.
Nada de raiar sanguínea e fresca a madrugada!
O dia apareceu de vez e sem rodeios,
Só com humanas emergências!...
(Ou era a noite
Desbotando-se em pavores
Que empalidecera?)
Voaram, meteóricos,
Pedaços de nuvens e constelações
Inteiras,
Cacos de manhãs ainda fechadas,
Prematuras,
Coisas mais do empíreo
Pela terra inteira!
(Terra. Terra.
A que já nem era azul
Vista da Lua
Mas daltonicamente
De outra cor!)
Dispersou-se, esbaforida, a corte toda
Em celestial horror!
Santos velhos, com divinos cansaços,
Prudentes virgens, com suas lamparinas,
Mártires, palmas, auréolas pendidas,
Todos para os seus nichos,
Foram se esconder!
E anjos, que ainda podiam voar,
Partiram em revoada
Pras igrejas de Minas mais barrocas!
Foi uma coisa trágica e linda de se ver!...
A santos e loucos não se imputa culpa.
Restou só Deus, ali,
Fazendo-se de grave...
Meio perplexo,
Contendo o riso (quase a não disfarçá-lo!),
Boquiaberto,
A olhar o santo, o louco,
Admirado...

(FABIANO, Antonio. SAZONADAS, Rio de Janeiro: Taba Cultural, 2012.)