Violência parece ser a palavra de ordem de todos os dias. Já não podemos nos dar o luxo de viver em paz! É só ligar a TV, abrir o jornal, sair pela rua e...
Mas será que alguma vez houve a tão sonhada paz?
Você não precisa fazer nada para descobrir que estamos (todos) num lugar bem perigoso de se viver – se numa favela ou em palácios, tanto faz, dá no mesmo! Ao menos por enquanto não há outro mundo, só temos esse e nele há riscos.
Um filósofo até disse que este é exatamente o melhor dos mundos possíveis!... Você concorda com isso? Físicos arriscam outros, simultâneos. Pior para nós se universos paralelos forem de igual sorte confusos! Para onde fugir, um dia, quando for possível aquilo que vemos nos filmes de ficção científica?
No planeta Terra há violência desde os tempos das cavernas, quando homens conquistavam mulheres com tacapes e o amor jazia em sua forma primitiva. Parece que não evoluímos muito, desde então, embora sigamos com ilusões de civilização e progressos.
Este é o mundo que forjamos. Ele não acontece sozinho. Nós o fazemos em grande parte à nossa imagem e semelhança.
Violência é coisa muito antiga, como a guerra. Acho até que nos acostumamos a isso e gostamos um pouco de males assim. Há qualquer coisa de perverso no humano. Se você tiver coragem de olhar para dentro de você mesmo vai descobrir que faz sentido o que eu disse. Os que se acham muito bons, não são tanto quanto pensam que são.
As tecnologias nos alentam, é verdade. Mas ainda estamos na mesma e vivemos como nossos pais. Ou não. O mundo dos últimos cem anos é qualquer coisa inédita, para melhor ou pior. Mais para melhor, em termos técnicos. Só acho que somos retrógrados na moral e a nossa ética inexistiu na mesma proporção das ciências modernas; talvez até, inspirada nas nanotecnologias, tenha encolhido. Por que avançamos tanto em alguns pontos e continuamos tão estúpidos noutros? Um exemplo... É sensacional quanto há de ciência numa bomba atômica, mas ela em si é também ápice do fracasso humano!
As violências nos dão bom-dia todos os dias. Abrimos os olhos e, antes que tenhamos tempo de nos defender, mísseis caem sobre as nossas cabeças.
Tudo de alguma forma é mesmo violência! Para o bem ou para o mal. Até nascer é um trauma! Dizem que partos doem, para ambas as partes. Também delicadeza pode ser afronta a alguém! E eu conheço pessoas que humilham as outras com voz macia e ares de bondade. Isso é violência, não é?, tanto quanto aos brutos o é a delicadeza dos verdadeiros delicados, os puros de coração.
Sempre houve mais guerra do que paz no mundo (dizer isso é horrível, mas procede!); quem sonhou o contrário só sonhou, porque nunca se viu mais esta que aquela em tempo que se possa considerar razoável, desde que o mundo é mundo.
Contudo, a maior catástrofe se dá quando perdemos a paz que ainda pode existir dentro de nós. Basta que ninguém nos roube de nós e viveremos a verdadeira vida, como convém a livres, porque ninguém nasceu para ser escravo sequer de si mesmo. Cá dentro as leis podem ser outras, mesmo que nos tornemos só desejo de oásis no mundo hostil, o mesmíssimo onde amor e paz são coisas ainda e sempre possíveis.
Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 31 de janeiro de 2011.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com
segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
terça-feira, 25 de janeiro de 2011
HERANÇA
“O dado foi lançado, e estou escrevendo o livro; se para ser lido agora, ou pela posteridade, não importa. Ele pode esperar um século por um leitor, assim como o próprio Deus esperou seis mil anos por uma testemunha.”
Johannes Kepler (1571-1630)
Astrônomo alemão, em transportes de alegria por uma suposta descoberta, no quinto livro de Harmonias do Mundo.
Johannes Kepler (1571-1630)
Astrônomo alemão, em transportes de alegria por uma suposta descoberta, no quinto livro de Harmonias do Mundo.
segunda-feira, 24 de janeiro de 2011
AULA DE QUASE FÍSICA...
Muitas vezes eu e meu irmão ficamos horas a fio conversando sobre física. Ele estuda de verdade essa coisa assustadora e é fera em cálculos. Eu, amador, prefiro as teorias – ou seja, números em letras, o que não é nada econômico, confesso, em se tratando deste assunto – tramas inimagináveis daqueles gênios amparados sobre ombros de gigantes, gigantes eles próprios. Leio alguns desses físicos com imenso fascínio e prazer. Quem pode negar a simplicidade e elegância da escrita de Albert Einstein? Gosto de física teórica, sim, clássica e quântica. E não me concebo démodé por ter gostado sempre de cosmologia, matéria que ainda alcancei na faculdade de filosofia, dada por um colérico professor italiano, competentíssimo. Mas quando penso, por exemplo, em física quântica, não sou daqueles que se perdem nas ideias de um modismo em voga... Alguns documentários que literalmente exploram o assunto mais parecem, a meu ver, ocultismo. Nisso sou, em devidas proporções, positivista, inclusive avesso à ideia de colocar “Deus” no corolário de uma e outra teoria; tanto quanto acho estúpido a física meter-se a criar polêmica em coisas que nem ela explica e são da competência da fé – para os que a têm, se podem, ou a querem ter. Mas, do que eu começava a dizer, meu irmão sempre tendeu para as ciências exatas. Eu, para as humanas. Fui péssimo (“péssimo” talvez seja exagero...) em matemática, química e física, no meu tempo de colégio. Era bom no resto, às vezes muito bom. Meu irmão manifestou bem precocemente aquela natureza de inteligência que eu não tinha. Ainda pequeno montou seu próprio computador (quando eles não eram tão populares ou acessíveis); fomos dos primeiros a ter internet na cidadezinha e, desde que eu me lembro, fazia ele engenhocas de eletrônica merecendo o apelido de “cientista maluco”. Maluco? Normal, muito normal, mais do que eu. Tão normal que até casou e tem três lindas filhas! Eu gostava de ouvir rádios em ondas curtas, quando adolescente. Aprendia línguas sozinho e viajava no mistério dessas ondas, coisa que sem dúvida a física explica mais que Freud. E, falando em ondas, lembrei-me do tio materno, hoje avô, ainda ocupado em rádios e frequências (frequências sem trema, reforma ortográfica que meu irmão não aceita e sobre a qual já quase brigamos). Nosso tio foi para o tempo dele um “prodígio”: ainda moleque, montou sozinho uma rádio, pirata diga-se, que revolucionou o lugar... Naquele espaço e tempo isso não era tão simples como pode parecer agora, em que não me espantaria se descobrisse que as sobrinhas pequenas são hackeres. O tio improvisava programas e até minha mãe, com sua linda voz, cantou e tocou acordeão nas paradas de sucesso. Bem, minha mãe não era ainda minha mãe quando fez isso; meu pai não tinha sido sonhado por ela, até então. Vim bem depois... Antes o tio virou notícia de jornal da capital. Jornal escrito, porque televisão era outra coisa rara. Deram-lhe um emprego em Natal, como troféu pela astúcia. E aqui eu paro, porque falando assim já me insinuo antigo. Antigo, sim, quer ver? As mesmas sobrinhas não entenderão quando eu disser que fiz curso de datilografia. Faço o teste... Elas não entendem. Terei de levá-las a um museu para que vejam aquelas máquinas em que “bati” os primeiros textos e futuros livros. Ah, o assunto era física, e o papo da vez, com meu irmão, pairava em torno da teoria das cordas ou, se preferirem, das supercordas. Superlativos são tão contundentes! Urdiduras, estas. Delicada é a rosa, a que importa...
Antonio Fabiano
Cerro Corá - RN, 24 de janeiro de 2011.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com
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Para Nilmar, com a recordação das nossas aulas de cosmologia e muitas saudades daquele simpático professor, tu que o digas...
Para meu irmão André e tio Assis.
“Se eu vi mais longe, foi por estar de pé sobre ombros de gigantes.”
Isaac Newton
Antonio Fabiano
Cerro Corá - RN, 24 de janeiro de 2011.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com
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Para Nilmar, com a recordação das nossas aulas de cosmologia e muitas saudades daquele simpático professor, tu que o digas...
Para meu irmão André e tio Assis.
“Se eu vi mais longe, foi por estar de pé sobre ombros de gigantes.”
Isaac Newton
sábado, 22 de janeiro de 2011
ACREDITAR
“é preciso acreditar em sua própria falácia até que ela se enverdadeirize...”
Theo G. Alves
(poeta e ficcionista potiguar)
Theo G. Alves
(poeta e ficcionista potiguar)
HISTÓRIAS E (IN)CONFIDÊNCIAS - para Fabiano, poeta das Novas (in)Confidências
Os jovens rapazes de boa índole sentados ao redor da grande mesa de madeira escura que duraria até hoje... aqueles moços da tal arcádia... Pelo menos é assim que penso neles. Chego a imaginá-los em volta dos mesmos pensamentos, escondidos sob suas máscaras de falsos pastores, tangendo ovelhas em humildes metáforas... Imagino-os caminhando em seus páramos de analogia profunda, em seus campos de pouco pasto, pelas serras mineiras, naquele friozinho gostoso, ótimo para fomentar ilusões e mentiras adornadas de beleza real...
Penso naqueles rapazes em suas belas casas de arte secular a vislumbrarem janelas em missão de poesia... a simplicidade estudada de versos pastoris... chego até a desvendar segredos corpóreos daquelas mocinhas em ilusão matrimonial... às vezes penso ter visto Marília em vestes brancas, mas quando a vejo, ela já não é mais de Dirceu, ela é de minha sede literária, de minha imaginação de criador de hipóteses no tempo e nas letras...
Quando imagino alguém com o nome de Cláudio Manoel da Costa, confesso que logo me vem à cabeça a ideia de um moço sofrido, que anda cabisbaixo e amargo pelas ruas ainda úmidas de sua cidade que não dá tréguas de chuva... mas o Glauceste, não... ah, esse é moço de branco... esse é moço de pastos que tem jeito de quem ama simples e quase esquece a carne... Cláudio era homem de muitos estudos... quando olho para ele, vejo um cheiro meio acre de Grécia antiga... penso em Petrarca... mas penso também num exegeta torto que tem problemas com mulheres e convivência de falácias com a família... e por isso penso em um milhão de outros nomes que, por ventura, sejam ecos seus... Mas o Glauceste, não, esse é moço manso, de sofrimento latente... é moço de quem se apertam as mãos e se diz “até mais, meu caro”, e de quem se diz “pobre, rapaz, sempre triste a escorregar pelos cantos...”, e lá adiante ia o moço pastor Glauceste Satúrnio, com seus sapatos ecoando nos prados...
E assim penso em todos eles de novo... os rapazes de boa índole, estudantes afiados do francês, com discursos de catequização política escorrendo das mãos de apoiarem mesas. Aqueles rapazes de lanternas na cabeça... acho que é isso: a tal das iluminaduras... ah, não: iluministas... isso, penso neles como reflexos desses tais iluministas... homens de razão em punho, de ideias em papel, e de coração em descaso... sinto pena daqueles moços estudantes burgueses de colarinho engomado... pensando assim, chego a sentir dó deles... imagino suas vidas tristes e entristeço com isso... dá-me a ideia de braços e pernas espalhados em postes no mundo todo, enquanto seus corações ainda dignificam o mármore em seus peitos intactos... não sei se eles foram tristes de verdade, mas desagrada-me que eles não tenham aprendido a fingir... e aqueles que não sabem fingir devem ser homens sempre muito tristes... é preciso acreditar em sua própria falácia até que ela se enverdadeirize... e aqueles moços nas tabernas escuras e úmidas, em que as únicas luzes refletidas eram as dos candeeiros adoecidos e escuridão às avessas das tais ideias iluministas não lembravam mais o que era acreditar...
Mas os guardadores de rebanhos, não... esses eram gente de verdade... bons escrevedores de versos antigos... de antes de seus tempos... e os pastores eram homens cultos que defendiam humildade de letras... mas os guardadores de rebanhos eram falsos homens-poetas de verdade...
Os jovens de preto eram definitivamente figuras obscuras e de rostos desvelados de noite. Os “poetas inconfidentes”: adornando exílios e prisões mundo a dentro... Os homens que saiam às ruas disfarçados gritando: “fugere urbem, fugere urbem!”... mas eram sofistas de seus desejos, esses rapazes... Entretanto, os pastores, não... a revolução desses era mais palpável, era mais poética... a revolução do estilo, que já nem revolucionava tanto assim... a revolução dos olhos, do prazer estóico embebido em razão, do desespero tranquilo, da dor velada... eram bons moços aqueles pastores, quase sagrados...
Mas, quando penso em todos eles, o que sinto mesmo, definitivamente como se fosse possível se definir o que se sente, é um orgulho estranho, que mesmo sabendo de onde vem e de serem suas fontes não tão límpidas assim, de tê-los todos amontoados em profusão poética num livro que não abandono nunca escalado na estante...
Theo G. Alves
Confessionário de 01 e 02 de abril de 2000.
(In: NAVEGOS – Órgão Informativo do Centro Acadêmico de Letras “Fátima Barros” – UFRN – Campus de Currais Novos – Ano II – Edição 14 – Abril/2000, p. 04).
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Theo G. Alves é poeta e um dos maiores ficcionistas do Rio Grande do Norte.
Penso naqueles rapazes em suas belas casas de arte secular a vislumbrarem janelas em missão de poesia... a simplicidade estudada de versos pastoris... chego até a desvendar segredos corpóreos daquelas mocinhas em ilusão matrimonial... às vezes penso ter visto Marília em vestes brancas, mas quando a vejo, ela já não é mais de Dirceu, ela é de minha sede literária, de minha imaginação de criador de hipóteses no tempo e nas letras...
Quando imagino alguém com o nome de Cláudio Manoel da Costa, confesso que logo me vem à cabeça a ideia de um moço sofrido, que anda cabisbaixo e amargo pelas ruas ainda úmidas de sua cidade que não dá tréguas de chuva... mas o Glauceste, não... ah, esse é moço de branco... esse é moço de pastos que tem jeito de quem ama simples e quase esquece a carne... Cláudio era homem de muitos estudos... quando olho para ele, vejo um cheiro meio acre de Grécia antiga... penso em Petrarca... mas penso também num exegeta torto que tem problemas com mulheres e convivência de falácias com a família... e por isso penso em um milhão de outros nomes que, por ventura, sejam ecos seus... Mas o Glauceste, não, esse é moço manso, de sofrimento latente... é moço de quem se apertam as mãos e se diz “até mais, meu caro”, e de quem se diz “pobre, rapaz, sempre triste a escorregar pelos cantos...”, e lá adiante ia o moço pastor Glauceste Satúrnio, com seus sapatos ecoando nos prados...
E assim penso em todos eles de novo... os rapazes de boa índole, estudantes afiados do francês, com discursos de catequização política escorrendo das mãos de apoiarem mesas. Aqueles rapazes de lanternas na cabeça... acho que é isso: a tal das iluminaduras... ah, não: iluministas... isso, penso neles como reflexos desses tais iluministas... homens de razão em punho, de ideias em papel, e de coração em descaso... sinto pena daqueles moços estudantes burgueses de colarinho engomado... pensando assim, chego a sentir dó deles... imagino suas vidas tristes e entristeço com isso... dá-me a ideia de braços e pernas espalhados em postes no mundo todo, enquanto seus corações ainda dignificam o mármore em seus peitos intactos... não sei se eles foram tristes de verdade, mas desagrada-me que eles não tenham aprendido a fingir... e aqueles que não sabem fingir devem ser homens sempre muito tristes... é preciso acreditar em sua própria falácia até que ela se enverdadeirize... e aqueles moços nas tabernas escuras e úmidas, em que as únicas luzes refletidas eram as dos candeeiros adoecidos e escuridão às avessas das tais ideias iluministas não lembravam mais o que era acreditar...
Mas os guardadores de rebanhos, não... esses eram gente de verdade... bons escrevedores de versos antigos... de antes de seus tempos... e os pastores eram homens cultos que defendiam humildade de letras... mas os guardadores de rebanhos eram falsos homens-poetas de verdade...
Os jovens de preto eram definitivamente figuras obscuras e de rostos desvelados de noite. Os “poetas inconfidentes”: adornando exílios e prisões mundo a dentro... Os homens que saiam às ruas disfarçados gritando: “fugere urbem, fugere urbem!”... mas eram sofistas de seus desejos, esses rapazes... Entretanto, os pastores, não... a revolução desses era mais palpável, era mais poética... a revolução do estilo, que já nem revolucionava tanto assim... a revolução dos olhos, do prazer estóico embebido em razão, do desespero tranquilo, da dor velada... eram bons moços aqueles pastores, quase sagrados...
Mas, quando penso em todos eles, o que sinto mesmo, definitivamente como se fosse possível se definir o que se sente, é um orgulho estranho, que mesmo sabendo de onde vem e de serem suas fontes não tão límpidas assim, de tê-los todos amontoados em profusão poética num livro que não abandono nunca escalado na estante...
Theo G. Alves
Confessionário de 01 e 02 de abril de 2000.
(In: NAVEGOS – Órgão Informativo do Centro Acadêmico de Letras “Fátima Barros” – UFRN – Campus de Currais Novos – Ano II – Edição 14 – Abril/2000, p. 04).
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Theo G. Alves é poeta e um dos maiores ficcionistas do Rio Grande do Norte.
UM DIA DESSES (ou o livro de pessoa(s)) - Theo G. Alves
Estive a ler um poeta um dia desses. Não. Não se trata de um caso de metonímia. Estive mesmo a ler um poeta, um dia desses. Gosto de ler Pessoa(s). Sinto um prazer discreto quase histérico nesse exercício. Gosto de contar as letras desse alfabeto iliterário, gosto de discernir morfemas nesses livros de gente, que ultrapassam as estantes. Mas a leitura desse poeta um dia desses sensibilizou-me.
O poeta que estive a ler, um dia desses, era um conjunto de versos heroicos, de uma decassibilidade macia nos gestos. Um dia desses, o poeta que estive a ler descrevia harmonias das mais ricas rimas, das rimas mais ricas, escorregava uma prolixidade de cantos reais em seus olhares de inexatidão tranquila. O livro que estive a ler um dia desses, emanava a sobriedade de seus sonetos, esse pequeno sono de velar algo mais que palavras, sabia ser alguém ou ninguém de além e aquém das coisas... porque era poeta o livro que eu li um dia desses. Esse livro guardava receitas de fazer milagres com rosas e copos de martini, manuais indecifráveis de como desenhar poesia, respirava uma simpatia de perguntar verdades... Ah, o poeta que um dia desses eu lia e que ainda leio... um espelho de geometrizar desformas com o poder da imprecisão.
É. O melhor de ler Pessoa(s) é que esses livros nunca acabam. O melhor de ler poetas está em descobrir mais poesia em seu movimento que em seus próprios versos.
Theo G. Alves
(In: NAVEGOS – Órgão Informativo do Centro Acadêmico de Letras “Fátima Barros” – UFRN – Campus de Currais Novos – Ano I – Edição 11 – Outubro/1999, p. 07).
------------------------------------------------------------------
Autógrafo do amigo Theo, dedicado a mim e à poesia que eu fazia no nosso tempo de universidade. Dos meus guardados de afeto. Está aí mais uma de suas belas páginas literárias. Na ocasião em que isso foi publicado suprimiu-se a dedicatória...
O poeta que estive a ler, um dia desses, era um conjunto de versos heroicos, de uma decassibilidade macia nos gestos. Um dia desses, o poeta que estive a ler descrevia harmonias das mais ricas rimas, das rimas mais ricas, escorregava uma prolixidade de cantos reais em seus olhares de inexatidão tranquila. O livro que estive a ler um dia desses, emanava a sobriedade de seus sonetos, esse pequeno sono de velar algo mais que palavras, sabia ser alguém ou ninguém de além e aquém das coisas... porque era poeta o livro que eu li um dia desses. Esse livro guardava receitas de fazer milagres com rosas e copos de martini, manuais indecifráveis de como desenhar poesia, respirava uma simpatia de perguntar verdades... Ah, o poeta que um dia desses eu lia e que ainda leio... um espelho de geometrizar desformas com o poder da imprecisão.
É. O melhor de ler Pessoa(s) é que esses livros nunca acabam. O melhor de ler poetas está em descobrir mais poesia em seu movimento que em seus próprios versos.
Theo G. Alves
(In: NAVEGOS – Órgão Informativo do Centro Acadêmico de Letras “Fátima Barros” – UFRN – Campus de Currais Novos – Ano I – Edição 11 – Outubro/1999, p. 07).
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Autógrafo do amigo Theo, dedicado a mim e à poesia que eu fazia no nosso tempo de universidade. Dos meus guardados de afeto. Está aí mais uma de suas belas páginas literárias. Na ocasião em que isso foi publicado suprimiu-se a dedicatória...
sexta-feira, 21 de janeiro de 2011
CARETAS NO ESPELHO
Para Verônica, Verinha
Há ocasiões em que ao acordar faço caretas pro espelho. Depois sorrio e me dou bom-dia. Aprecio, então, esse espetáculo privado como o primeiro da matina. Poder rir de si mesmo não é tão mau negócio. Ser normal demais é chato! E tá na cara: pessoas muito sérias são caretas sem recesso, caretas substantivo, mais que adjetivo.
Bom mesmo é ser feliz das felicidades possíveis. O impossível pode ser sonhado, o resto a gente vive e vai fazendo escolhas. Dias há e tempo pra tudo...
É tão bom ter amigos!
Antonio Fabiano
Cerro Corá - RN, 21 de janeiro de 2011.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com
Há ocasiões em que ao acordar faço caretas pro espelho. Depois sorrio e me dou bom-dia. Aprecio, então, esse espetáculo privado como o primeiro da matina. Poder rir de si mesmo não é tão mau negócio. Ser normal demais é chato! E tá na cara: pessoas muito sérias são caretas sem recesso, caretas substantivo, mais que adjetivo.
Bom mesmo é ser feliz das felicidades possíveis. O impossível pode ser sonhado, o resto a gente vive e vai fazendo escolhas. Dias há e tempo pra tudo...
É tão bom ter amigos!
Antonio Fabiano
Cerro Corá - RN, 21 de janeiro de 2011.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com
VIOLINOS DORMITAM
Não para de chover...
Muriçocas descansam intimidadas
No que sobra de dia.
Permanecem pousadas
Enquanto ordem não lhes dá a natureza
Para que voem atrevidas.
São violinos que dormitam?
Tocarão desafinadas
Quando chegar a noite
E eu não quiser ouvi-las.
Descobrirão
Caladas
Que meu sangue é bom.
Antonio Fabiano
Direitos reservados
quinta-feira, 20 de janeiro de 2011
RUY DUARTE DE CARVALHO (1941-2010)
A terra que te ofereço - Ruy Duarte de Carvalho
1
Quando,
ansiosa,
pela primeira vez
pisares
a terra que te ofereço,
estarei presente
para auscultar,
no ar,
a viração suave do encontro
da lua que transportas
com a sólida
a materna nudez do horizonte.
Quando,
ansioso,
te vir a caminhar
no chão de minha oferta,
coloco,
brandamente,
em tuas mãos,
uma quinda de mel
colhido em tardes quentes
de irreversível
votação ao Sul.
2
Trago
para ti
em cada mão
aberta,
os frutos mais recentes
desse Outono
que te ofereço verde:
o mês mais farto de óleos
e ternura avulsa.
E dou-te a mão
para que possas
ver,
mais confiante,
a vastidão
sonora
de uma aurora
elaborada em espera
e refletida
na rápida torrente
que se mede em cor.
3
Num mapa
desdobrado para ti,
eu marcarei
as rotas
que sei já
e quero dar-te:
o deslizar de um gesto,
a esteira fumegante
de um archote
aceso,
um tracejar
vermelho
de pés nus,
um corredor aberto
na savana,
um navegável
mar de plasma
quente.
Ruy Duarte de Carvalho
(A Decisão da Idade, 1976)
Quando,
ansiosa,
pela primeira vez
pisares
a terra que te ofereço,
estarei presente
para auscultar,
no ar,
a viração suave do encontro
da lua que transportas
com a sólida
a materna nudez do horizonte.
Quando,
ansioso,
te vir a caminhar
no chão de minha oferta,
coloco,
brandamente,
em tuas mãos,
uma quinda de mel
colhido em tardes quentes
de irreversível
votação ao Sul.
2
Trago
para ti
em cada mão
aberta,
os frutos mais recentes
desse Outono
que te ofereço verde:
o mês mais farto de óleos
e ternura avulsa.
E dou-te a mão
para que possas
ver,
mais confiante,
a vastidão
sonora
de uma aurora
elaborada em espera
e refletida
na rápida torrente
que se mede em cor.
3
Num mapa
desdobrado para ti,
eu marcarei
as rotas
que sei já
e quero dar-te:
o deslizar de um gesto,
a esteira fumegante
de um archote
aceso,
um tracejar
vermelho
de pés nus,
um corredor aberto
na savana,
um navegável
mar de plasma
quente.
Ruy Duarte de Carvalho
(A Decisão da Idade, 1976)
OS PAPÉIS DO INGLÊS
...só se fosse olhar o céu
as cortinas da chuva
adormecer na brisa do calor
e borbulhar suor
no eco dos trovões...
Para quem? Ou a quem?
(...)
Era uma hipótese deslumbrante, delirante, aterradora, sublime, essa de que afinal tinha sido atrás dos papéis do Inglês que o meu pai tinha acabado por colocar-me! Eu estava siderado de emoção, e não era caso para isso?, e saí de casa com a certeza de ir descortinar baleias nos horizontes da Praia Amélia. Vi as baleias, sim, o que é sinal de sorte. Anunciavam o que estava para vir, no imediato e a dar lugar à estória, à nossa estória, enfim.
Ruy Duarte de Carvalho
In: Os Papéis do Inglês ou O Ganguela do Coice
(Ficção angolana)
-----------------------------------------------------------
Trechos de “Os Papéis do Inglês” (2000) de Ruy Duarte de Carvalho, angolano de origem portuguesa, escritor, cineasta e antropólogo. Autor de vários livros de poesia e uma das vozes mais importantes de Angola e da lusofonia. Recebeu em 1989 o Prêmio Nacional de Literatura de Angola.
Ruy Duarte de Carvalho (Santarém, 1941 – Swakopmund, 2010)
Ruy Duarte de Carvalho - Luís Barra
as cortinas da chuva
adormecer na brisa do calor
e borbulhar suor
no eco dos trovões...
Para quem? Ou a quem?
(...)
Era uma hipótese deslumbrante, delirante, aterradora, sublime, essa de que afinal tinha sido atrás dos papéis do Inglês que o meu pai tinha acabado por colocar-me! Eu estava siderado de emoção, e não era caso para isso?, e saí de casa com a certeza de ir descortinar baleias nos horizontes da Praia Amélia. Vi as baleias, sim, o que é sinal de sorte. Anunciavam o que estava para vir, no imediato e a dar lugar à estória, à nossa estória, enfim.
Ruy Duarte de Carvalho
In: Os Papéis do Inglês ou O Ganguela do Coice
(Ficção angolana)
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Trechos de “Os Papéis do Inglês” (2000) de Ruy Duarte de Carvalho, angolano de origem portuguesa, escritor, cineasta e antropólogo. Autor de vários livros de poesia e uma das vozes mais importantes de Angola e da lusofonia. Recebeu em 1989 o Prêmio Nacional de Literatura de Angola.
Ruy Duarte de Carvalho (Santarém, 1941 – Swakopmund, 2010)
Ruy Duarte de Carvalho - Luís Barra
quarta-feira, 19 de janeiro de 2011
“É QUASE INSUPORTÁVEL ESTA FELICIDADE DE IPÊS!...”
terça-feira, 18 de janeiro de 2011
LONGO FIO
“Agora não há outra música senão a das palavras, e essas, sobretudo as que estão nos livros, são discretas, ainda que a curiosidade trouxesse a escutar à porta alguém do prédio, não ouviria mais do que um murmúrio solitário, este longo fio de som que poderá infinitamente prolongar-se, porque os livros do mundo, todos juntos, são como dizem que é o universo, infinitos.”
José Saramago
Ensaio sobre a cegueira
José Saramago
Ensaio sobre a cegueira
segunda-feira, 17 de janeiro de 2011
POR QUE VIVER PODE SER TÃO TRÁGICO?
Que viver é um espetáculo maravilhoso, já quase ninguém duvida! A vida é bela! A vida. Mas por que essa maravilha às vezes pode tornar-se tão adversa? A pergunta vem de um fato. Não, eu não me refiro ao primeiro paredão do Big Brother Brasil deste ano. Falo de outro “reality show”, o mais terrível que já vimos em tempo “vivo” e aquele que nunca quereríamos ter visto. Esqueceremos?
O que dizer quando acontece algo semelhante a isto que se deu no estado do Rio de Janeiro e já é considerada a maior catástrofe natural de todos os tempos em terras brasileiras? Esta semana fomos levados a crer que para muitos o mundo acabou. E não estamos certos? Centenas de pessoas desapareceram nas águas que nem são as de março!
Enquanto escrevo isso ouço da TV que mais de 640 mortos já foram resgatados. Ainda são muitos os desaparecidos sob o solo, pessoas ilhadas sem comunicação, sem luz, sem água ou qualquer alimento. Por enquanto não se sabe quantas mil famílias ficaram desabrigadas. E há calamidade pública não apenas no Rio, mas também em outras partes do Brasil onde chove sem parar...
O país inteiro vestiu luto, em meio à tragédia, mas enxugando as lágrimas se mobilizou de norte a sul para ajudar as vítimas das enchentes. Tarde demais para procurar culpados, sejam eles Deus, nós mesmos ou displicentes governantes. O que vimos foi, literalmente, do meio da lama deste fim de mundo surgir a flor da solidariedade. Mais que isso, a esperança de que tudo pode ser refeito do zero. Vimos seres ainda humanos emergindo do caos para uma nova ordem.
Como teimar em continuar vivendo, quando desaba sobre nós o teto da vida? Com que cara insistimos em permanecer aqui, quando aquele quase nada que tínhamos sumiu por completo? O que dizer a quem nos interpela a respeito de pais e filhos desaparecidos nas terríveis águas deste janeiro triste, triste, de 2011?
Apesar de tudo, sob escombros pessoas cantaram, acreditaram que viver é possível. E viveram. Bombeiros morreram, sim, estes heróis que sempre estão onde mais precisamos deles, mas só para que outros mais pudessem viver. Mães parturientes nessa urgência deram à luz seus filhinhos. Velhos nasceram de novo e até quem perdeu tudo e todos ocupa-se agora como voluntário em salvar vidas de vizinhos. Há muita bondade neste mundo. E esperança. Os que ainda choram alternam pranto e riso, porque brasileiro é assim, não se deixa vencer pela tristeza. O curso deste outro rio imprevisível que é a vida não para nunca...
Antonio Fabiano
Cerro Corá - RN, 17 de janeiro de 2011.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com
------------------------------------------------------------
PERDA MENOR: A casa onde o maestro Tom Jobim compôs “Águas de março” e outras tantas canções já não existe. O temporal que devastou a Região Serrana do Rio de Janeiro também destruiu essa construção histórica para a música popular brasileira.
O que dizer quando acontece algo semelhante a isto que se deu no estado do Rio de Janeiro e já é considerada a maior catástrofe natural de todos os tempos em terras brasileiras? Esta semana fomos levados a crer que para muitos o mundo acabou. E não estamos certos? Centenas de pessoas desapareceram nas águas que nem são as de março!
Enquanto escrevo isso ouço da TV que mais de 640 mortos já foram resgatados. Ainda são muitos os desaparecidos sob o solo, pessoas ilhadas sem comunicação, sem luz, sem água ou qualquer alimento. Por enquanto não se sabe quantas mil famílias ficaram desabrigadas. E há calamidade pública não apenas no Rio, mas também em outras partes do Brasil onde chove sem parar...
O país inteiro vestiu luto, em meio à tragédia, mas enxugando as lágrimas se mobilizou de norte a sul para ajudar as vítimas das enchentes. Tarde demais para procurar culpados, sejam eles Deus, nós mesmos ou displicentes governantes. O que vimos foi, literalmente, do meio da lama deste fim de mundo surgir a flor da solidariedade. Mais que isso, a esperança de que tudo pode ser refeito do zero. Vimos seres ainda humanos emergindo do caos para uma nova ordem.
Como teimar em continuar vivendo, quando desaba sobre nós o teto da vida? Com que cara insistimos em permanecer aqui, quando aquele quase nada que tínhamos sumiu por completo? O que dizer a quem nos interpela a respeito de pais e filhos desaparecidos nas terríveis águas deste janeiro triste, triste, de 2011?
Apesar de tudo, sob escombros pessoas cantaram, acreditaram que viver é possível. E viveram. Bombeiros morreram, sim, estes heróis que sempre estão onde mais precisamos deles, mas só para que outros mais pudessem viver. Mães parturientes nessa urgência deram à luz seus filhinhos. Velhos nasceram de novo e até quem perdeu tudo e todos ocupa-se agora como voluntário em salvar vidas de vizinhos. Há muita bondade neste mundo. E esperança. Os que ainda choram alternam pranto e riso, porque brasileiro é assim, não se deixa vencer pela tristeza. O curso deste outro rio imprevisível que é a vida não para nunca...
Antonio Fabiano
Cerro Corá - RN, 17 de janeiro de 2011.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com
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PERDA MENOR: A casa onde o maestro Tom Jobim compôs “Águas de março” e outras tantas canções já não existe. O temporal que devastou a Região Serrana do Rio de Janeiro também destruiu essa construção histórica para a música popular brasileira.
sexta-feira, 14 de janeiro de 2011
quinta-feira, 13 de janeiro de 2011
NOS CAMINHOS DE AUTA DE SOUZA (crônica de dez anos atrás)
Fotografias de Antonio Fabiano (2000)
Fui a Macaíba no intuito de conhecer o lugar onde nasceu e viveu a poetisa do “Horto”, Auta de Souza. Esta simpática cidade litorânea, cenário de grandes vultos e acontecimentos históricos, dista de Natal cerca de 18 km.
Para além do aspecto turístico, almejava ainda, com tal viagem, fazer algumas fotografias e ampliar o meu material de pesquisa sobre a menina morta aos vinte e cinco anos incompletos, que escreveu versos incríveis e foi tida como “expressão mais alta do lirismo norte-rio-grandense”. Talvez não seja mais verdade essa última assertiva, mas sem dúvida alguma foi a maior do seu tempo, e das mais importantes até hoje.
Logo que chegamos a Macaíba procurei o casarão onde vivera Auta, hoje reformado e transformado em uma escola que tem seu nome. Polêmica reforma, diga-se, pois o casarão, lamentavelmente, não mais conserva os traços originais.
Cidade não muito grande, Macaíba tem uma gente simpática, educadíssima... Foi lá que Auta de Souza nasceu, em 12 de setembro de 1876. E em Natal, como todos sabem, “quebrou seus laços”, na madrugada de 7 de fevereiro de 1901.
Quando cheguei ao casarão, escola, fui recebido pela diretora, que me apresentou todas as salas e cômodos do estabelecimento, além do mitificado jasmineiro que Auta plantou. O primeiro jasmineiro foi destruído acidentalmente por um muro que caiu sobre si; aquela réplica é muda do jasmineiro original. Vi também o busto da poetisa, no pátio do colégio, entre um jardim de flores e crianças.
Após um “cafezinho” e conversa rápida com os funcionários do local, fui levado à sala onde a poetisa nasceu. O cômodo, evidentemente, está reformado. Funciona como uma das salas reservadas de trabalho, mas conserva ainda, impregnado em suas paredes, um cheiro antigo. Ali, há muito tempo, a “pobre moça tuberculosa” do poema Dolores, que como ninguém experimentou a dor e os desgostos da vida, escreveu muitos dos seus versos. Nessa sala há uma fotografia de Auta, numa moldura antiguíssima, além de outras fotos e arquivos. Lá, me apresentaram as versões do Hino à Auta de Souza. Ouvi tudo com atenção e ainda guardo na memória as cadências do momento. A diretora, extremamente atenciosa, não hesitou em colocar a meu dispor os arquivos da escola, fotografias, livros, trabalhos de artistas locais referentes à poetisa. Fiz cópia desse material, para embasamento científico, embora a riqueza escrita mais ampla, documental, eu a tenha encontrado em Natal, incluindo o famoso livro de Câmara Cascudo, “Vida Breve de Auta de Souza”, de edição extinta, que localizei na sala de obras raras da Biblioteca Central Zila Mamede (UFRN). Cascudo foi o mais arguto dos escritores a documentar Auta de Souza. Esse livro consiste na mais autêntica e rica biografia da poetisa.
Antes de deixar a cidade passei pela Igreja onde se encontram os restos mortais de Auta de Souza e alguns familiares. A lápide da poetisa traz seus versos: “Longe da mágoa, enfim, no Céu repousa / Quem sofreu muito e quem amou demais”.
Para quem não sabe, os renomadíssimos Eloy de Souza (antigo parlamentar e jornalista) e Henrique Castriciano (escritor, poeta, ativo participante da vida política e social do Estado), foram irmãos de Auta de Souza. Outra curiosidade digna de nota é que a primeira edição do Horto, por intervenção daquele irmão que então vivia no Rio de Janeiro, foi prefaciada por Olavo Bilac.
No fim da tarde, já prestes a voltar, passei pelo Museu do Ferreiro Torto. Este fica quase fora da cidade, num local esquisito, cercado de mata e silêncio. Lá, por um triz não fomos assaltados por um grupo de “pivetes” que ainda nos ameaçaram... O zelador do museu, homem atencioso, foi nosso protetor e excelente guia. Aliás, tinha o mesmo nome de meu pai: Juarez. Ana Paula, que me acompanhou durante o percurso, deu-lhe uma gorjeta e muitos “obrigada, obrigada!”... Ele abriu o museu, com boa vontade, exclusivamente para nós, visto que chegamos ali quando já havia encerrado o expediente.
A título de informação: o Solar do Ferreiro Torto, expressão da imponência do poder colonial no Rio Grande do Norte, foi construído no século XVII. O seu primeiro nome, lá pelos idos de 1614, foi “Engenho do Potengi”. Cenário de terrível massacre, testemunhou lutas de holandeses contra portugueses, ficou fechado por cem anos, foi novamente ocupado, chegou a ser destruído em batalhas, foi reconstruído (passou por ele famílias ilustres), funcionou como sede do Poder Executivo municipal, até virar (ufa!) o que hoje em dia é, Museu. Dali o visitante pode também conhecer o cais, ouvir histórias de escravos e senhores, ver de perto os manguezais do Rio Jundiaí, etc.
Na mesma ocasião desta “expedição” passei, com a amiga Dione, pelo histórico Forte dos Reis Magos de Natal. Fiz lá umas fotografias. Deste Forte, por demais famoso, tem-se muito o que contar...
Antonio Fabiano
(NAVEGOS – Órgão Informativo do Centro Acadêmico de Letras “Fátima Barros” – UFRN – Campus de Currais Novos – Ano II – Edição 15 – Mai-Jul/2000).
UM SONHO – poema de Auta de Souza
Tudo era calmo... Junto, ao pé do altar,
Meu coração rezava docemente;
E um círio branco, triste, a soluçar,
Dizia à flor num murmurar dolente:
“Vê minha irmã, aqui na solidão
Dorme Jesus, sozinho, abandonado...
Não sente palpitar um coração
Que lhe traga um sorriso abençoado.
Ele diz: Vinde a mim, vós que chorais,
E o vosso pranto mudarei em flores;
Eu quero recolher os vossos ais
No cofre onde descansam minhas dores.
Fala Jesus, e o mundo não responde.
Os homens folgam nos salões ruidosos,
E aqui, dorida, nossa voz esconde
A mágoa funda dos que vão chorosos.”
Calou-se o círio, e a rosa entristecida,
Entreabrindo o cálice perfumado,
Murmurou, numa prece indefinida
De mãe que pede pelo filho amado:
“Quero o meu leito, aqui junto ao Sacrário,
Minha tumba nos braços desta Cruz;
É tão doce subir para o Calvário
Beijando a terra onde pisou Jesus!
E depois... Quando a luz te consumir,
Cairão minhas folhas ressequidas.
Outros círios e rosas hão de vir
Redizer nossas queixas doloridas.”
Assim falou a rosa e, desfolhada,
Tombou, chorando, sobre a pedra fria.
Da pobre vela reduzida ao nada
O pranto apenas sobre o altar se via.
.........................................................
Eu acordei... Uma tristeza infinda
Lembrou do sonho a imaginária dor,
E, de meu leito, eu escutava ainda
Gemer o círio e soluçar a flor.
Jardim – 1895
(SOUZA, Auta de. Horto, 4.ª ed., Natal: Fundação José Augusto, 1970.)
Meu coração rezava docemente;
E um círio branco, triste, a soluçar,
Dizia à flor num murmurar dolente:
“Vê minha irmã, aqui na solidão
Dorme Jesus, sozinho, abandonado...
Não sente palpitar um coração
Que lhe traga um sorriso abençoado.
Ele diz: Vinde a mim, vós que chorais,
E o vosso pranto mudarei em flores;
Eu quero recolher os vossos ais
No cofre onde descansam minhas dores.
Fala Jesus, e o mundo não responde.
Os homens folgam nos salões ruidosos,
E aqui, dorida, nossa voz esconde
A mágoa funda dos que vão chorosos.”
Calou-se o círio, e a rosa entristecida,
Entreabrindo o cálice perfumado,
Murmurou, numa prece indefinida
De mãe que pede pelo filho amado:
“Quero o meu leito, aqui junto ao Sacrário,
Minha tumba nos braços desta Cruz;
É tão doce subir para o Calvário
Beijando a terra onde pisou Jesus!
E depois... Quando a luz te consumir,
Cairão minhas folhas ressequidas.
Outros círios e rosas hão de vir
Redizer nossas queixas doloridas.”
Assim falou a rosa e, desfolhada,
Tombou, chorando, sobre a pedra fria.
Da pobre vela reduzida ao nada
O pranto apenas sobre o altar se via.
.........................................................
Eu acordei... Uma tristeza infinda
Lembrou do sonho a imaginária dor,
E, de meu leito, eu escutava ainda
Gemer o círio e soluçar a flor.
Jardim – 1895
(SOUZA, Auta de. Horto, 4.ª ed., Natal: Fundação José Augusto, 1970.)
CAMINHO DO SERTÃO – poema de Auta de Souza
A meu irmão João Câncio
Tão longe a casa! Nem sequer alcanço
Vê-la através da mata. Nos caminhos
A sombra desce; e, sem achar descanso,
Vamos nós dois, meu pobre irmão, sozinhos!
É noite já. Como em feliz remanso,
Dormem as aves nos pequenos ninhos...
Vamos mais devagar... de manso e manso,
Para não assustar os passarinhos.
Brilham estrelas. Todo o céu parece
Rezar de joelhos a chorosa prece
Que a noite ensina ao desespero e à dor...
Ao longe, a Lua vem dourando a treva...
Turíbulo imenso para Deus eleva
O incenso agreste da jurema em flor.
(SOUZA, Auta de. Horto, 4.ª ed., Natal: Fundação José Augusto, 1970.)
Tão longe a casa! Nem sequer alcanço
Vê-la através da mata. Nos caminhos
A sombra desce; e, sem achar descanso,
Vamos nós dois, meu pobre irmão, sozinhos!
É noite já. Como em feliz remanso,
Dormem as aves nos pequenos ninhos...
Vamos mais devagar... de manso e manso,
Para não assustar os passarinhos.
Brilham estrelas. Todo o céu parece
Rezar de joelhos a chorosa prece
Que a noite ensina ao desespero e à dor...
Ao longe, a Lua vem dourando a treva...
Turíbulo imenso para Deus eleva
O incenso agreste da jurema em flor.
(SOUZA, Auta de. Horto, 4.ª ed., Natal: Fundação José Augusto, 1970.)
DOENTE – poema de Auta de Souza
A lua veio... foi-se... e em breve ainda,
Há de voltar, a doce lua amada,
Sem que eu a veja, a minha fada linda,
Sem que eu a veja a minha boa fada.
Ela há de vir. Ofélia desmaiada,
Sob as nuvens do céu na alvura infinda
Do seu branco roupão, noiva gelada,
Boiando à flor de um rio que não finda.
Ela há de vir, sem que eu a veja... Enquanto,
Com que tristezas e saudoso encanto
Choro estas noites que passando vão...
Ó lua! mostra-me o teu rosto ameno:
Olha que murcha à falta de sereno
O lírio roxo do meu coração!
(SOUZA, Auta de. Horto, 4.ª ed., Natal: Fundação José Augusto, 1970.)
Há de voltar, a doce lua amada,
Sem que eu a veja, a minha fada linda,
Sem que eu a veja a minha boa fada.
Ela há de vir. Ofélia desmaiada,
Sob as nuvens do céu na alvura infinda
Do seu branco roupão, noiva gelada,
Boiando à flor de um rio que não finda.
Ela há de vir, sem que eu a veja... Enquanto,
Com que tristezas e saudoso encanto
Choro estas noites que passando vão...
Ó lua! mostra-me o teu rosto ameno:
Olha que murcha à falta de sereno
O lírio roxo do meu coração!
(SOUZA, Auta de. Horto, 4.ª ed., Natal: Fundação José Augusto, 1970.)
AUTA DE SOUZA (1876-1901)
“Auta de Souza nasceu em Macaíba, pequena cidade do Rio Grande do Norte, em 12 de setembro de 1876; educou-se no Colégio S. Vicente de Paula, em Pernambuco, sob a direção de religiosas francesas; e faleceu em 7 de fevereiro de 1901, na cidade de Natal. Uma biografia simples como os seus versos e o seu coração...
Ela não conheceu os obstáculos que encheram de tormento a existência de Marcelline Desborde-Valmore. Desde muito cedo, porém, sentiu o horror da morte. Aos quatorze anos, quando lhe apareceram os primeiros sintomas do mal que a vitimou, não havia senão sombras em seu espírito; era já órfã de pai e mãe, tendo assistido ao espetáculo inesquecível do aniquilamento de um irmão devorado pelas chamas, numa noite de assombro.
Assim, desde a infância, o destino lhe apareceu como um enigma sem a possibilidade de outra decifração que o luto.
(...)
A primeira edição do ‘Horto’, publicada em 1900, esgotou-se em dois meses. O livro foi recebido com elogios pela melhor crítica do País; leram-no os intelectuais com avidez; mas a verdadeira consagração veio do povo, que se apoderou dele com o devoto carinho, passando a repetir muitos de seus versos ao pé dos berços, nos lares pobres e, até, nas igrejas, sob a forma de ‘benditos’ anônimos.
(...)”.
Paris, 4 de agosto de 1910
H. CASTRICIANO
“Auta de Souza não pertence nem a uma escola nem a um momento literário. Filiada, por natureza, à corrente das letras femininas em nosso país, nela se destaca, no dizer de Jackson de Figueiredo – ‘como a mais alta expressão do nosso misticismo, pelo menos, do sentimento cristão, puramente cristão, na poesia brasileira’.”
ALCEU AMOROSO LIMA
(Tristão de Athayde)
“Mas a nota mais encantadora do livro [de Auta de Souza, ‘Horto’] é a do misticismo, que dá a algumas das suas poesias o amplo e solene recolhimento de uma nave de templo ressoante da grave harmonia dos órgãos, com balbucios de preces entre suaves espirais de incenso.
(...)
... não convém privar o leitor das surpresas que encontrará, de página em página, neste formoso volume, que vem revelar uma poetisa de raro merecimento. ‘Horto’ será, para os que amam a linguagem divina do verso, um desses raros livros que se leem e releem com um encanto crescente.”
OLAVO BILAC
Ela não conheceu os obstáculos que encheram de tormento a existência de Marcelline Desborde-Valmore. Desde muito cedo, porém, sentiu o horror da morte. Aos quatorze anos, quando lhe apareceram os primeiros sintomas do mal que a vitimou, não havia senão sombras em seu espírito; era já órfã de pai e mãe, tendo assistido ao espetáculo inesquecível do aniquilamento de um irmão devorado pelas chamas, numa noite de assombro.
Assim, desde a infância, o destino lhe apareceu como um enigma sem a possibilidade de outra decifração que o luto.
(...)
A primeira edição do ‘Horto’, publicada em 1900, esgotou-se em dois meses. O livro foi recebido com elogios pela melhor crítica do País; leram-no os intelectuais com avidez; mas a verdadeira consagração veio do povo, que se apoderou dele com o devoto carinho, passando a repetir muitos de seus versos ao pé dos berços, nos lares pobres e, até, nas igrejas, sob a forma de ‘benditos’ anônimos.
(...)”.
Paris, 4 de agosto de 1910
H. CASTRICIANO
“Auta de Souza não pertence nem a uma escola nem a um momento literário. Filiada, por natureza, à corrente das letras femininas em nosso país, nela se destaca, no dizer de Jackson de Figueiredo – ‘como a mais alta expressão do nosso misticismo, pelo menos, do sentimento cristão, puramente cristão, na poesia brasileira’.”
ALCEU AMOROSO LIMA
(Tristão de Athayde)
“Mas a nota mais encantadora do livro [de Auta de Souza, ‘Horto’] é a do misticismo, que dá a algumas das suas poesias o amplo e solene recolhimento de uma nave de templo ressoante da grave harmonia dos órgãos, com balbucios de preces entre suaves espirais de incenso.
(...)
... não convém privar o leitor das surpresas que encontrará, de página em página, neste formoso volume, que vem revelar uma poetisa de raro merecimento. ‘Horto’ será, para os que amam a linguagem divina do verso, um desses raros livros que se leem e releem com um encanto crescente.”
OLAVO BILAC
segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
TERRA POTIGUAR
Este chão agreste – terra potiguar – é testemunha de mil gerações de encontristas no tempo. Em cada esquina, o eco de uma voz. Em cada voz, a exclamação pendente de um nato: sou filho deste lar!...
Passaram índios pelos prados verdes deste chão. Passaram brancos. Negros. Ficou só potiguar, homem da terra, de raiz incerta, tão certa e precisa que dói e faz cantar...
Vezes sem conta o sol nasceu sob o céu da terra potiguar... Todos dançaram, tribo antiga e nova, como ainda dançam, assemelhados a esse mesmo sol que bailarino impera sobre o chão da esfera.
Um pajé faz nuvem no meu Rio Grande...
“É nostalgia telúrica”, alguém dirá. “Será?”, respondo eu perguntando o que sem réplica ficará. E, enquanto eu disse, este bailar de luz foi como um risco abrupto na retina.
Há sempre nova geração de encontristas no tempo. Terra potiguar fica, que é boa demais para passar e nunca passa. Fica.
Brilham mais suas estrelas, duplas, quando é noite e há espelhos na água do meu rio, grande, este que não passa porque nasce em minha aldeia...
Gritam seus heróis anônimos, os perdidos e achados do tempo...
Chãos benditos, os desta plaga! Terra de ventura, de novos tupis!
Urra a tigresa ensolarada! Ouço. Ouçam-na... Quem a dirá? Quem a dirá, se pouco se pode dizer do muito que não finda...
Infinda, digam-na os ventos, estes que tudo sabem... Ou a brisa peregrina, o sol a pino do sertão, as águas da praia do mar daqui, já o litoral e suas majestosas dunas, donas de Natal.
Estes todos, sim, sabem dizer o que eu não digo... Mais que cada onda do mar de cada poeta!
Antonio Fabiano
Cerro Corá - RN, 10 de janeiro de 2011.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com
--------------------------------------------------
Esta crônica foi originalmente escrita em 1999 e publicada sob pseudônimo numa das edições do jornal NAVEGOS daquele mesmo ano. Reescrevo-a hoje, totalmente diversa da original. Pra ser sincero, quase nada a ver...
Para Jaécia, Rúbia Kátia e Wilson Azevêdo.
Passaram índios pelos prados verdes deste chão. Passaram brancos. Negros. Ficou só potiguar, homem da terra, de raiz incerta, tão certa e precisa que dói e faz cantar...
Vezes sem conta o sol nasceu sob o céu da terra potiguar... Todos dançaram, tribo antiga e nova, como ainda dançam, assemelhados a esse mesmo sol que bailarino impera sobre o chão da esfera.
Um pajé faz nuvem no meu Rio Grande...
“É nostalgia telúrica”, alguém dirá. “Será?”, respondo eu perguntando o que sem réplica ficará. E, enquanto eu disse, este bailar de luz foi como um risco abrupto na retina.
Há sempre nova geração de encontristas no tempo. Terra potiguar fica, que é boa demais para passar e nunca passa. Fica.
Brilham mais suas estrelas, duplas, quando é noite e há espelhos na água do meu rio, grande, este que não passa porque nasce em minha aldeia...
Gritam seus heróis anônimos, os perdidos e achados do tempo...
Chãos benditos, os desta plaga! Terra de ventura, de novos tupis!
Urra a tigresa ensolarada! Ouço. Ouçam-na... Quem a dirá? Quem a dirá, se pouco se pode dizer do muito que não finda...
Infinda, digam-na os ventos, estes que tudo sabem... Ou a brisa peregrina, o sol a pino do sertão, as águas da praia do mar daqui, já o litoral e suas majestosas dunas, donas de Natal.
Estes todos, sim, sabem dizer o que eu não digo... Mais que cada onda do mar de cada poeta!
Antonio Fabiano
Cerro Corá - RN, 10 de janeiro de 2011.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com
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Esta crônica foi originalmente escrita em 1999 e publicada sob pseudônimo numa das edições do jornal NAVEGOS daquele mesmo ano. Reescrevo-a hoje, totalmente diversa da original. Pra ser sincero, quase nada a ver...
Para Jaécia, Rúbia Kátia e Wilson Azevêdo.
ALMA POTI
Em chãos da Paraíba eu nasci,
Mas cedo vim morar no Rio Grande.
Minh’ alma fez-se então monja poti,
Aberta a toda sina que Deus mande.
Lancei raízes nesta terra Norte...
Daqui sou filho – alma e coração!
Laços tão fortes que nem mesmo a morte
Pode quebrá-los... Quão benditos são!...
E desde então eu canto um canto novo!
Trago nas mãos as linhas do meu povo!...
Na bênção de ser filho desta terra
Transborda a minha taça! O sangue brada!...
A minha sorte ufana, burilada,
Exulta mais e toda graça esmera!...
Antonio Fabiano
Direitos reservados
-------------------------
Poeminha antigo, de quando eu escrevia sonetos e outras formas fixas. Abria o “Cancioneiro da Terra”, um livro meu que morreu no prelo. Estes versos foram publicados em muitos lugares. Vem a calhar, neste janeiro de reminiscências...
Mas cedo vim morar no Rio Grande.
Minh’ alma fez-se então monja poti,
Aberta a toda sina que Deus mande.
Lancei raízes nesta terra Norte...
Daqui sou filho – alma e coração!
Laços tão fortes que nem mesmo a morte
Pode quebrá-los... Quão benditos são!...
E desde então eu canto um canto novo!
Trago nas mãos as linhas do meu povo!...
Na bênção de ser filho desta terra
Transborda a minha taça! O sangue brada!...
A minha sorte ufana, burilada,
Exulta mais e toda graça esmera!...
Antonio Fabiano
Direitos reservados
-------------------------
Poeminha antigo, de quando eu escrevia sonetos e outras formas fixas. Abria o “Cancioneiro da Terra”, um livro meu que morreu no prelo. Estes versos foram publicados em muitos lugares. Vem a calhar, neste janeiro de reminiscências...
domingo, 9 de janeiro de 2011
segunda-feira, 3 de janeiro de 2011
MANOEL, O DE BARROS...
“Sou um sujeito magro
Nasci magro.”
Até pensei que eram meus esses versos do grande Manoel de Barros!... Mas antes que me crucifiquem, por me “comparar” ao gênio maioral contemporâneo, eu me adianto dizendo que não me comparei e só pensei que os versos fossem meus pela descrição física. Sim, eu poderia dizer isto, disfarçadamente, no meio de qualquer conversa, com absoluta naturalidade: sou um sujeito magro, nasci magro... E não é que é verdade! É quase um autorretrato! Porém, Manoel disse primeiro e disse dizendo como ele só; disse quando eu ainda nem tinha nascido. Dizê-lo como eu disse que diria – se eu dissesse o que ele disse – seria paupérrimo, soaria banal, não virava poesia em minha boca de conversa fiada. No poeta do mato, esse menino selvagem que eu tanto amo, a sentença elucubra os dois primeiros versos de “A voz de meu pai”, esplêndido momento de Poesias (1947).
Manoel de Barros é um caso à parte na literatura de língua portuguesa. Sui generis. Dos poetas mais lidos no Brasil. Originalíssimo! Paradoxalmente não tem, como ele mesmo lamenta, notável fortuna crítica. Inexplicável fenômeno, esse, a quem escreveu mais de vinte bons livros e é apreciado por artistas e intelectuais de todos os cantos. Por que Manoel de Barros não conquistou a atenção da academia? É o que me perguntei ano passado, quando tomei nas mãos o primoroso volume de sua Poesia Completa (publicou-se no início de 2010, por uma editora do grupo Leya). Recentemente o poeta virou filme: “Só dez por cento é mentira”. Sua desbiografia oficial é um longa-metragem/documentário de Pedro Cezar. E o título vem de uma das frases lapidares do próprio Manoel: “Noventa por cento do que escrevo é invenção. Só dez por cento é mentira”.
Lendo Manoel de Barros nós descobrimos cada coisa... Exemplos: “Sapo de noite arregala o olho pra desmedir a saudade”. Ou, “Formiga de bunda principal em pé de fedegoso anda entortada.” Mais sublimes: “Coisa de Deus! a breve espera do rio para a passagem dos patos.” E, ainda: “Um girassol se apropriou de Deus: foi em Van Gogh”.
Há tanta beleza na escrita deste poeta, que nem sabemos bem por onde começar. Quanto aos versos da epígrafe não serem meus, já me conformo. Sou magro do meu jeito, nasci magro... Mas Manoel é Manoel!
Termino com umas palavras dele, do meio do poema que já citei aos começos:
“À noite, porém (ó cidade tentacular!),
Me rendo.
Resfolegante como um boi, paro.
Vasta campina azul de água me olha, me contempla, me aglutina
E suja-me de iodo a roupa...
– É o mar!
Meu rosto recebe a brisa do mar.
Fecho os olhos.
Descanso.
Os ventos levam-me longe...
Longe...”
Com essas ideias eu voo para ver o mar da minha querida Natal! É mar que cabe dentro de um rio, o Rio Grande do Norte!...
Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 03 de janeiro de 2011.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com
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Para meu amigo Theo G. Alves
Nasci magro.”
Até pensei que eram meus esses versos do grande Manoel de Barros!... Mas antes que me crucifiquem, por me “comparar” ao gênio maioral contemporâneo, eu me adianto dizendo que não me comparei e só pensei que os versos fossem meus pela descrição física. Sim, eu poderia dizer isto, disfarçadamente, no meio de qualquer conversa, com absoluta naturalidade: sou um sujeito magro, nasci magro... E não é que é verdade! É quase um autorretrato! Porém, Manoel disse primeiro e disse dizendo como ele só; disse quando eu ainda nem tinha nascido. Dizê-lo como eu disse que diria – se eu dissesse o que ele disse – seria paupérrimo, soaria banal, não virava poesia em minha boca de conversa fiada. No poeta do mato, esse menino selvagem que eu tanto amo, a sentença elucubra os dois primeiros versos de “A voz de meu pai”, esplêndido momento de Poesias (1947).
Manoel de Barros é um caso à parte na literatura de língua portuguesa. Sui generis. Dos poetas mais lidos no Brasil. Originalíssimo! Paradoxalmente não tem, como ele mesmo lamenta, notável fortuna crítica. Inexplicável fenômeno, esse, a quem escreveu mais de vinte bons livros e é apreciado por artistas e intelectuais de todos os cantos. Por que Manoel de Barros não conquistou a atenção da academia? É o que me perguntei ano passado, quando tomei nas mãos o primoroso volume de sua Poesia Completa (publicou-se no início de 2010, por uma editora do grupo Leya). Recentemente o poeta virou filme: “Só dez por cento é mentira”. Sua desbiografia oficial é um longa-metragem/documentário de Pedro Cezar. E o título vem de uma das frases lapidares do próprio Manoel: “Noventa por cento do que escrevo é invenção. Só dez por cento é mentira”.
Lendo Manoel de Barros nós descobrimos cada coisa... Exemplos: “Sapo de noite arregala o olho pra desmedir a saudade”. Ou, “Formiga de bunda principal em pé de fedegoso anda entortada.” Mais sublimes: “Coisa de Deus! a breve espera do rio para a passagem dos patos.” E, ainda: “Um girassol se apropriou de Deus: foi em Van Gogh”.
Há tanta beleza na escrita deste poeta, que nem sabemos bem por onde começar. Quanto aos versos da epígrafe não serem meus, já me conformo. Sou magro do meu jeito, nasci magro... Mas Manoel é Manoel!
Termino com umas palavras dele, do meio do poema que já citei aos começos:
“À noite, porém (ó cidade tentacular!),
Me rendo.
Resfolegante como um boi, paro.
Vasta campina azul de água me olha, me contempla, me aglutina
E suja-me de iodo a roupa...
– É o mar!
Meu rosto recebe a brisa do mar.
Fecho os olhos.
Descanso.
Os ventos levam-me longe...
Longe...”
Com essas ideias eu voo para ver o mar da minha querida Natal! É mar que cabe dentro de um rio, o Rio Grande do Norte!...
Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 03 de janeiro de 2011.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com
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Para meu amigo Theo G. Alves
domingo, 2 de janeiro de 2011
sábado, 1 de janeiro de 2011
PERSONALIDADE...
"Em toda a vida, nunca me esforcei por ganhar nem me espantei por perder. A noção ou o sentimento da transitoriedade de tudo é o fundamento mesmo da minha personalidade."
Cecília Meireles
Cecília Meireles