sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

PAZ E ALEGRIA! FELIZ 2011!...

BOAS-ENTRADAS!...
FELIZ ANO-NOVO!...
MUITA PAZ E ALEGRIA!...

MEMÓRIA - Carlos Drummond de Andrade

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.

Carlos Drummond de Andrade

PROCURO UMA ALEGRIA - Carlos Drummond de Andrade

Procuro uma alegria
na mala vazia
do fim do ano
e eis que tenho na mão
– flor do cotidiano –
o voo do pássaro
e de uma canção

Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

POEMA NUVEM (infantil)

Para Ana Alice

Veio um dia aquela nuvem
e nela vimos girando
pião cavalo pardais

Carneirinhos... ão...
ão... ão...

A mão tocava o céu
com os dedos do pensamento

Um gatinho fez miau...
miau... miau...

Au... au... au...

Mil borboletas passeiam
nas ruas do roseiral.

Antonio Fabiano
Direitos reservados

Krzysztof Kieślowski e o bom do Cinema Polonês


(Kieslowski - Cinema - Fotos de Divulgação)

KRZYSZTOF KIESLOWSKI (1941-1996), expressão mais apurada do cinema polonês. Começou fazendo documentários, onde trabalhadores e soldados da Polônia eram o foco principal. Em seguida vieram os filmes de ficção, ainda influenciados por aquele estilo documental. Sua arte segue aprimorando-se: “passa a usar uma quantidade mínima de diálogos, concentrando-se no poder da imagem e das cores. As palavras são substituídas por uma poesia imagética”. O seu Decálogo fora realizado em primeira instância para a Televisão Polonesa. De Krzysztof Kieslowski pode-se falar de uma fase polonesa e outra, a última, francesa. A chamada “trilogia das cores”, produção francesa (são filmes baseados nas cores da bandeira da França e no slogan da revolução do país), de grande sucesso comercial, em português intitulou-se:

A Liberdade é Azul (1993, com Juliette Binoche);


A Igualdade é Branca (1994, com Julie Delpy e Zbigniew Zamachowski);


A Fraternidade é Vermelha (1994, com Irène Jacob e Jean-Louis Trintignant).



Para quem tem mais paciência e fôlego, a obra-prima desse diretor é mesmo o DECÁLOGO (1988). Projeto mais que ousado! Como dá a entender o nome, são dez filmes, dez histórias ambientadas na Varsóvia e vazadas de conflitos morais.


(Imagem de DECÁLOGO - “Não Matarás”)

A meu ver Kieslowski blefa quando diz que não morre de amores pela sétima arte e que o que faz é apenas “trabalho”. Impossível crer que tamanha genialidade seja só profissionalismo sem paixão!

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

UMA CANÇÃO PARA O RETORNO DE GUERRA E PAZ. Nesta bonita letra de Fernando Brant foi posta a música de Milton Nascimento...


(Fotografia da Web)

“A GUERRA E A PAZ DE PORTINARI” – Letra de Fernando Brant musicada por Milton Nascimento.

A guerra é uma cavalgada
cruzando o azul da paisagem
cortejo de fome e de morte
ferindo o coração dos homens

A mulher velando o filho morto
a mulher e a criança chorando
a mãe e a filha em desespero
de cabeças rolando na grama

A guerra são os quatro cavalos
regendo a sinfonia de dores
são os braços erguidos em prece
pedindo o final dos horrores



A paz é um coro de meninos
é a voz eterna da infância
as mulheres dançando na roça
os meninos pulando carniça

É a noiva de branco sorrindo
na garupa de um cavalo branco
a mulher carrega um carneiro
crianças no espaço balançam

A paz está nos meninos
que brincam nos campos da infância
nos homens, nas mulheres cantando
a harmonia, a esperança.


FERNANDO BRANT (Direitos Reservados)


Com muita festa foi recebida a obra magna de Cândido Portinari, os esplêndidos painéis de Guerra e Paz. No Theatro Municipal do Rio, no dia 21 deste mês, deu-se a abertura da exposição de regresso. Juntamente com outros artistas, Milton Nascimento passou por lá. E cantou uma canção que fez exclusivamente para esse dia... “A guerra e a paz de Portinari”, letra de FERNANDO BRANT, grande compositor brasileiro, velho parceiro de Milton. Segundo Fernando, ainda não temos gravação disponível da música. Mas quem não teve o privilégio de estar lá, para ouvi-la cantada por Milton na estreia, tem o privilégio de ver aqui a bonita letra de Brant... Com licença do compositor para este blog.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

AUTORETRATO DE PORTINARI E "A MÃO" DE DRUMMOND


(Portinari - Autoretrato)

"E voa para nunca-mais
a mão infinita
a mão-de-olhos-azuis de Cândido Portinari"...

Drummond

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

XEQUE DO BISPO


D. Manuel Edmilson da Cruz, bispo emérito de Limoeiro do Norte, Ceará (Fotografia disponível na Web)

Se você acessou esta página por acaso, pela primeira vez, e não sabe quem eu sou... Especialmente se você é em potência um dos meus leitores estrangeiros... Apresento-me: sou brasileiro, moro num dos países mais lindos e mais corruptos do mundo!
Nada mais evidente que a beleza e a corrupção do meu país!
Escrevo isso, dentre outras coisas, motivado por algo que vimos acontecer pacificamente neste final de ano: logo após a Câmara ter aprovado o reajuste dos seus salários, o Senado também aprovou – com igual exorbitância – o aumento dos salários dos parlamentares, do presidente, do vice-presidente e dos ministros de Estado. Tal proposta nem precisa passar pela Presidência da República, visto tratar-se de um decreto legislativo. E nunca se viu tanta agilidade, a matéria foi aprovada em menos de 10 minutos de discussão!
Nada contra as pessoas terem salários altos e até altíssimos, como é o caso. Porém, alguém pode me dizer se aumentaram o vergonhoso mínimo salário minimíssimo dos cidadãos de bem deste mesmo país? Astronômicos são os salários dos nossos governantes, se comparados ao mínimo de quem trabalha no Brasil. Em nenhum lugar do mundo a distância é tão grande entre o deste e os daqueles.
Mas eu não sou tão pessimista. Ainda há lugar para a esperança! Ao menos o gesto profético de um homem me faz acreditar nisso. Eu me refiro a Dom Manuel Edmilson da Cruz, de quase noventa anos, bispo emérito de Limoeiro do Norte, Ceará. Ele inesperadamente recusou a Comenda de Direitos Humanos Dom Hélder Câmara, entregue no dia 21/12, no Senado Federal, a pessoas que se destacaram na defesa dos Direitos Humanos. Compareceu à cerimônia, mas devolveu a comenda depois de admirável protesto que envergonharia qualquer parlamentar, se vergonha fosse algo possível a determinadas castas. Procurem ler seu pacífico, mas fulminante discurso que está multiplicado aos milhares em sítios de notícias e outras páginas da Internet. Esta matéria foi das mais acessadas nesse período de Natal. Nada mudou, depois disso. E, provavelmente, nada mudará. Mas nos faz pensar que talvez...

Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 27 de dezembro de 2010.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com

domingo, 26 de dezembro de 2010

MEL

Minha boca cheira a mel
Por isso as abelhas vêm
E me beijam.

Mas como direi
Às senhoras pudicas da igreja
Que este não é um poema erótico?

Antonio Fabiano
Direitos reservados

sábado, 25 de dezembro de 2010

NASCE O MENINO - artigo de Frei Betto

25 de dezembro de 1. Jacó acordou tarde. Chegara cansado, na véspera, da viagem que o trouxera de Cafarnaum a Belém. Viera convocado pelo recenseamento decretado pelo imperador Tibério. Cada cidadão deveria retornar a seu lugar de origem.

Para Jacó, tratava-se também de uma oportunidade de deitar uma vista d’olhos na pequena propriedade rural que mantinha nas cercanias da cidade de Davi. Ali nascera, ali nutria o sonho de terminar seus dias, longe da azáfama comercial que o prendia à Galileia.

Zacarias, o capataz, correu esbaforido em direção ao patrão, tão logo o viu espreguiçar à beira do poço em busca de água. Aguardara ansioso que Jacó despertasse. Queria, o quanto antes, colocá-lo a par do que ocorrera na propriedade ao longo da madrugada.

― Tens cara de não haver cerrado os olhos esta noite, Zacarias! – observou Jacó.

― É verdade, patrão. Tive uma noite muito atribulada.

― O que sucedeu, homem? As ovelhas romperam a cerca?

― Que nada! Já a noite ia adiantada, quando empunhei o candeeiro para verificar se tudo andava em ordem na propriedade. Eis que avistei dois vultos próximos ao curral.

― E quem eram os intrusos? Ladrões de animais? Tratou de expulsá-los?

― Era o que pretendia fazer, patrão. Mas ao me acercar do curral, vi que a mulher estava grávida e já se dobrava às dores do parto.

― O que fizeste, homem?

― Acomodei-a com o marido junto ao cocho das ovelhas. Corri à casa em busca de bacia, água quente e panos limpos. Logo ela deu à luz um lindo bebê.

― Macho ou fêmea?

― Macho, patrão.

― E passaram a noite aqui?

― Sim, e tão logo o menino nasceu surgiu no céu uma estrela tão brilhante que meu candeeiro já nem tinha precisão. E chegaram três cameleiros.

― Cameleiros! Que diabos vieram parar aqui?

― Disseram ter vindo do Oriente conduzidos pela estrela brilhante. Queriam adorar o salvador.

― Que salvador, Zacarias? Tua cabeça não te confunde por falta de sono?

― Acho que se referiam ao Messias esperado por Israel.

― Ora, então achas que o Messias viria a nós como um intruso invasor de terra alheia? Um deus sem eira nem beira?

― Não acho nada, patrão. Sei apenas que vi um dos cameleiros oferecer ao menino um punhado de ouro; outro, um pouco de incenso; e o terceiro, mirra.

― E sabes quem são os pais do menino?

― Logo que os cameleiros partiram, fui à cidade em busca de pão. Na fila do forno de Tobias, comentei sobre o casal e o parto. Neemias, a quem nada passa despercebido, me contou que o pai, um tal de Zé, é natural de Belém. Há tempos deixou a região e se empregou como carpinteiro lá pras bandas de Nazaré, na Galileia. Andava de namoro com Maria, a mãe do bebê. O casamento nem sequer tinha sido anunciado, quando ela apareceu grávida. Neemias desconfia de que o filho talvez nem seja do próprio Zé. O fato é que este apareceu aqui atraído pelo censo e buscou abrigo em casa de seus familiares. Ao verem a barriga avantajada de Maria, seus parentes consideraram uma pouca vergonha Zé ter vindo com a moça, pois nem casamento houve. Bateram-lhes a porta na cara.

― Deve ser por isso – ponderou Jacó – que vieram parar aqui no meu terreno.

― Com certeza, patrão. A moça já chegou que não se aguentava.

― E ainda estão por aí?

― Dei feno ao burrico que montavam e, hoje cedo, partiram no rumo do Egito.

― Melhor assim, Zacarias. Receio essa gente sem terra que entra sem licença na propriedade alheia. Se a moda pega... Também vou partir, Zacarias. Sele meu cavalo. Tenho audiência com Herodes em Jerusalém. Direi a ele que o Messias nasceu em minhas terras. Garanto que se divertirá com a notícia...

Copyright 2010 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Assine todos os artigos do escritor e os receberá diretamente em seu e-mail. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)

PUBLICA-SE AQUI ESTE ARTIGO COM AS DEVIDAS LICENÇAS DE FREI BETTO.
UM FELIZ NATAL PARA TODOS!...

FELIZ NATAL!

Aos que visitam este blog e demais amigos, um Feliz Natal! Meus melhores votos e infinito abraço!
Com carinho,
Fr. Fabiano

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

QUIXOTE - Livraria e Café



A melhor leitura com requinte. Ótimo atendimento! QUIXOTE Livraria e Café. Fica aqui pertinho da praça da PUC do Coração Eucarístico em BH. Eu gosto! Por isso sugiro aos amigos do blog.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

HOMENAGEM A FERREIRA GULLAR NO CANAL BRASIL


Ferreira Gullar (Divulgação)

Em homenagem ao poeta maranhense, o Canal Brasil preparou uma programação especial para hoje, a partir das 18h. Exibição dos curtas “A necessidade da arte” e “Por acaso Gullar”, além do documentário em média-metragem “O canto e a fúria”.
Há pouco foi lançado o DVD Poema Sujo, dentre as muitas homenagens ao poeta em seus 80 anos. Mais de 30 anos depois, Poema Sujo foi regravado por seu autor, e é lançado pelo Instituto Moreira Salles e VideoFilmes.

A FLOR-CADÁVER DE INHOTIM...


Foto: Cíntia Paes G1 MG

Já se intui que esta não é flor que se cheira! Dizem que é a maior e a mais mal cheirosa do mundo, daí o nome nada romântico. Seu odor putrefato tem uma função especial, claro, atrai insetos polinizadores. Perfeita é a natureza!
Esta flor-cadáver (foto) desabrochou no último domingo, no Jardim Botânico de Inhotim, aqui pertinho de Belo Horizonte - MG.
O desabrochar dessa espécie acontece depois de 10 ou 12 anos e dura no máximo 03 dias.
Foi a primeira vez que uma Amorphophallus titanum desabrochou na América Latina. Em julho deste ano multidões foram ver um exemplar da mesma espécie num jardim botânico de Tóquio, Japão.
Originárias da ilha de Sumatra, na Indonésia, elas são raras e esquisitas, possuem caule gigante, subterrâneo, como uma batata, e produzem somente uma folha a cada dois anos. Quando vai florescer, sua coluna afilada cresce até 16,6 centímetros por dia. Podem viver 40 anos, mas florescem apenas duas ou três vezes.
Embora seja conhecida como a maior flor do mundo, o que a espécie produz é na verdade uma inflorescência, ou seja, um conjunto de flores em estrutura compacta. Estrutura notável, não obstante, pois pode chegar a mais de três metros de altura.
Está aí a exótica flor-cadáver! Depois de tanto, exigir que cheirasse bem é demais!...

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

ESTELA MATUTINA

Vênus é a própria arrogância
Dos céus

Em sua obstinada soberba
Ofusca lua e girassóis

Brilha lucipotente
Brilha

Vênus é a madrugada
Que mal se avizinha

Como se avezinha fosse
E voasse

Como se avezinha fosse
E cantasse

Vênus vem
E conspira

O dia perolado

Antonio Fabiano
Direitos reservados

GUERRA E PAZ de CÂNDIDO PORTINARI: a mensagem poderosa de um artista brasileiro conhecido e aplaudido em todo o mundo...


Guerra e Paz de Cândido Portinari (Divulgação)

Depois de mais de meio século nos EUA, instalados na sede da ONU em Nova York, os painéis Guerra e Paz – das mais importantes obras de Cândido Portinari (1903-1962) – voltam ao Brasil. Música, dança e poesia marcaram a abertura da exposição, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, em 21 de dezembro de 2010. No mesmo Theatro, os painéis foram apresentados pela primeira vez aos brasileiros em 1956. Entre 1952 e 1956, Portinari realizou os dois últimos e monumentais trabalhos, que foram oferecidos à Organização das Nações Unidas pelo governo brasileiro. Quando os painéis ficaram prontos, o pintor não conseguiu visto para ir aos EUA, porque fora considerado comunista. Era Juscelino Kubitschek o presidente da República, que determinou então que fossem montados e expostos primeiramente aqui. Portinari já estava proibido pelos médicos de pintar, quando empreendeu essa tarefa, mas abraçou tal risco em prol da sua arte. Em consequência do envenenamento progressivo pela tinta a óleo com derivados de chumbo usada ao longo da carreira, agravado nesta última grande missão, veio de fato a falecer em 1962.
Por iniciativa de João Cândido Portinari, filho do artista, os painéis Guerra e Paz voltam ao Brasil, onde permanecerão por um tempo, antes do regresso definitivo à sede da ONU. Aqui serão restaurados e expostos para que mais brasileiros os apreciem. Estima-se ainda que, além do Brasil, outras partes do mundo vão receber a exposição itinerante, nesse mesmo período.


Um dos painéis de Guerra e Paz, na sua inauguração em 1956.
Sede da ONU

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

FILINTO ELÍSIO, NOSSO QUERIDO IRMÃO...

Filinto Elísio, poeta cabo-verdiano (Foto disponível na Web)

Com ares de alvíssaras reverenciamos hoje este nome das letras cabo-verdianas, Filinto Elísio. Cada vez mais conhecido e amado pelos brasileiros, o poeta da República de Cabo Verde, arquipélago atlântico do Noroeste da África, tem sido um dos grandes agentes incentivadores do crescente interesse do Brasil em relação às chamadas literaturas africanas de língua portuguesa. Com certo atraso o Brasil se volta agora para a escrita do grande continente, sempre tão rico, belo e fascinante, mas ainda muito desconhecido entre nós. Se é verdade que nós brasileiros somos, como o disse Eça de Queirós, portugueses desabrochados ao calor dos trópicos, com mais razão pode-se dizer que nos configuramos todos de algum modo também africanos. Isto é o que somos, orgulhosamente!

VEJA ENTREVISTA E POEMA INÉDITO DE FILINTO ELÍSIO NESTE BLOG.

FILINTO ELÍSIO - ELE E OBRAS


FILINTO ELÍSIO CORREIA E SILVA nasceu na Cidade da Praia, no Arquipélago de Cabo Verde, em 1961. Poeta e autor de crônicas, revelou-se há pouco também romancista. É bibliotecário e administrador de empresas. Lecionou em Boston e em Somerville, nos Estados Unidos da América. Consultor Internacional para políticas públicas em Cabo Verde e Administrador do Seminário “A Nação”, foi ainda assessor do Ministro da Cultura de Cabo Verde.

OBRAS:

“Do Lado de Cá da Rosa” (Poesia)
“Prato do Dia” (Crônica)
“O Inferno do Riso” (Poesia)
“Cabo Verde: 30 Anos de Cultura” (Antologia)
“Das Hespérides” (Poesia, Prosa e Fotografia)
“Das Frutas Serenadas” (Poesia)
“Li Cores & Ad Vinhos” (Poesia)
“Outros Sais na Beira Mar” (Romance)

ENTREVISTA DE FILINTO ELÍSIO – ESCRITOR CABO-VERDIANO – A ANTÓNIO FABIANO


Filinto Elísio - Foto Divulgação


ANTÓNIO FABIANO: Poderia nos contar um pouco da sua história, até chegar ao seu envolvimento com o Brasil?

**FILINTO ELÍSIO** Bem, a minha história, como a de todos os cabo-verdianos, está intimamente ligada à África, Europa e Brasil. Antológica e ontologicamente cruzada com o Brasil. Há, em certa medida, um processo antropológico e histórico comum, determinando não só os nossos pathos e ethos diferenciados, mas também aqueles comuns e até convergentes. Nesse sentido, as histórias individuais e existenciais, como a minha, cumprem, em recorte particular, o rio maior que nos impõem as grandes viagens. Sempre encontrei a presença do Brasil em casa, seja pela música, seja pela poesia, e cresci numa família que, em pleno tempo colonial, via no Brasil uma espécie de «terceira dimensão/solução» para a condição de Cabo Verde, independente de Portugal só depois de 1975. Por sorte e honra, estudei Biblioteconomia em Minas Gerais e acompanhei, desde essa altura, o Brasil como uma pertença também minha.

ANTÓNIO FABIANO: Como aconteceu a literatura em sua vida?

**FILINTO ELÍSIO** Igualmente, a literatura foi para mim «arte de berço». Soube que a minha mãe me ninava com declamação de poemas de António Gedeão, de Ribeiro Couto e Jorge Barbosa. Por isso, sou visceralmente poeta. Durante a minha infância e a minha adolescência o ambiente era de literatura e de cinema, pois o meu pai também era gramático, leitor interessado e cinéfilo. Permitiu-me conhecer alguns intelectuais brasileiros, como Glauber Rocha e Jorge Amado. E introduziu-me cedo o gosto pela Bossa Nova e a Tropicália. Ouvíamos Gil, Caetano, Chico, Jobim, Bethania e Gal, de manhã à noite. E declamávamos Vinicius, Drummond e João Cabral de Melo Neto nas nossas noites de festa familiar. Mas escrever mesmo só aos 14 anos, depois de ler o «Diário de Anne Frank e o «Processo de Kafka». Só depois do «choque» de ter lido «O Estrangeiro», de Albert Camus. Definitivamente, depois de mergulhar nas faces múltiplas de Fernando Pessoa. Escrever mesmo só depois de ter lido «O Velho e o Mar», de Ernest Hemingway e de imaginar o velho Santiago, na sua luta para pescar o merlin e voltar para o porto apenas com a carcaça comida por tubarões. Mas também muito me despertou «O Amante», de Marguerite Duras, e a consciência crítica, mas angustiosa, da solidão existencial. Terá sido impossível apreciar esse manancial de apelos estéticos e não querer puxar para mim tamanho élan.

ANTÓNIO FABIANO: De todas, quais as principais influências literárias, culturais, que recebeu ao longo desse itinerário intelectual?

**FILINTO ELÍSIO** Provavelmente dos poetas todos que li. Não tive aquilo que Maquiavel, num rasgo de subtileza, chamou de «pensamento da praça pública». Fui muito pelas margens e devorei poetas consagrados e marginais.

ANTÓNIO FABIANO: Como tem sido a receptividade de sua obra entre os brasileiros?

**FILINTO ELÍSIO** Boa em termos de crítica, mas muito reduzida em termos de público. Não posso assumir que seja conhecido no mercado brasileiro, infelizmente. Para qualquer escritor desta nossa língua portuguesa não ser conhecido do leitor brasileiro se configura como um grande handicap. Tirando o Ceará, onde já lancei dois livros, e São Paulo, onde em meios académicos alguém sabe da minha escrita, bem como Imperatriz, no Maranhão, em que sou membro da sua Academia de Letras, o Brasil é um fabuloso espaço a «conquistar». Não falaria do mercado em si, mérito e vantagem dos meus editores, mas do conhecimento e da interacção com os leitores brasileiros que me encantam. O meu romance «Outros Sais da Beira Mar» e o de poemas «Li Cores & Ad Vinhos», este com a participação plástica de Fernando (Mito) Elias, já fizerem um percurso tímido pelo Brasil.

ANTÓNIO FABIANO: Actualmente você percebe um crescimento na relação entre nossos países irmanados pela língua? Como?

**FILINTO ELÍSIO** O incremento é real e a ampliação é um ditame destes novos tempos. Entretanto, todos poderíamos fazer mais. Precisamos de mais intercâmbios, de mais leituras e de mais revisitações uns dos outros ou uns aos outros. Quem sabe, o Instituto Internacional da Língua Portuguesa, da CPLP, com sede em Cabo Verde, não possa fazer mais e ser o pivot deste novo desafio? O Brasil tem um papel dorsal. Portugal idem. Sem os africanos a lusofonia estaria mais empobrecida. O elemento fundante da lusofonia não é só a língua portuguesa, mas a história, a cultura e o destino comum. Há uma ancestralidade borbulhante que nos une e nos mantém coesos na diversidade.

ANTÓNIO FABIANO: O que foi o Movimento Claridoso? Pode nos falar um pouco disso e de como brasileiros tiveram parte nele?

**FILINTO ELÍSIO** Claridade foi sem dúvida um grande marco estético, sociológico e linguístico. Mais uma vez, o Brasil teve o seu espaço na literatura cabo-verdiana, neste caso por via do Realismo Nordestino. O Movimento, iniciado em 1936, abriu espaço para um fazer literário mais realista e moderno, rompendo a geração anterior. É a modernidade em termos formais e de conteúdo. Entretanto, a literatura cabo-verdiana não começou com a Claridade, nem ficou por ela. A própria Pós-Claridade já não se coloca. Estamos num novo momento, nem saberei dizer se movimento, da literatura cabo-verdiana. Arménio Vieira, o prémio Camões 2009, nada tem a ver com a Claridade. Actualmente, temos escritores de linhas bem mais abstractas e de outras alquimias das formas.

ANTÓNIO FABIANO: Quais autores cabo-verdianos você gostaria de ver publicados no Brasil?

**FILINTO ELÍSIO** Falei há bocado de Arménio Vieira. Mas também gostaria de ver nas estantes e escaparates brasileiras os escritores Corsino Fortes, Osvaldo Osório, Mário Lúcio Sousa, José Luís Hopffer Almada, José Luís Tavares, Fátima Bettencourt, Dina Salústio, Valentinous Velhinho e Dani Spinola, entre outros. Falei há dias com a Professora Simone Caputo Gomes, da USP, uma das autoridades em estudo da literatura cabo-verdiana, sobre a História da Literatura Cabo-verdiana. É uma plêiade de nomes, tantos que estamos a pensar já na criação da Academia Cabo-verdiana de Letras, a primeira da África de expressão oficial lusófona. Entretanto, não anuncio a academia com glória alguma, diga-se, já que o labor literário não está sob a toada da «imortalidade» dos académicos que tal como os prémios e as condecorações não servem para nada. O poeta, digno de tal nome, não se torna imortal pelas honrarias enganosas. Chinua Achebe dizia que «o poeta que não tem problemas com o rei, tem problemas com a sua própria poesia. Qual a glória de criarmos a Academia? Nenhuma. Entrementes, gostaria de ver todos os nossos escritores nas livrarias e nas bibliotecas brasileiras.

ANTÓNIO FABIANO: O que aproxima e diferencia nossas literaturas?

**FILINTO ELÍSIO** Provavelmente a língua e outros activos e passivos histórico-culturais correlatos. Mas em verdade não há uma resposta cabal sobre isso. Em tese, uma literatura, a par de ser de um lugar e de um tempo, é de um indivíduo. Não a vejo com a lógica marxista, de processo histórico. Vejo-a como uma complexidade que não se explica. Não se sabe. É um mistério. As literaturas têm um substrato comum que se lhes pressente. Nada muito nítido, claro e cartesiano como pretendem as academias e os estudiosos. Em «O Arco e o Lira», Octávio Paz problematiza tal tormentosa questão (o que é a poesia?), e múltiplas respostas, longe de nos saciarem, trazem outros labirintos.

ANTÓNIO FABIANO: Você tem projetos para 2011 no Brasil?

**FILINTO ELÍSIO** «Me_xendo no Baú» é um livro de reverberações filosóficas e crioulas, no espaço e em seu limite no qual dialogo com as necessidades do humano em mim. Será publicado em Lisboa, no mês de Abril. Creio que consigo transpor neste livro a perspectiva do conflito social, contingencial e emocional. Sou mais cerebral, no víeis cabralino do termo. Persigo nele a pura filosofia da composição como justificação e referência da escrita. Poema enquanto objecto lapidado. A edição vai ser inovadora e fora do formato, já que divido o livro com o pintor cabo-verdiano Tchalé Figueira e será um livro de mesa, com um dvd com declamações do dramaturgo João Branco e peças para uma opereta com dançarinos a coreografarem a palavra e não a música. A música ulterior, se quisermos. Outro projecto será «Conchas de Noé & Arcas Ostras (Cantos, contos e causos)». É edição brasileira e aponta-se para Maio.

ANTÓNIO FABIANO: Poderia nos dar o prazer de um dos seus poemas?

**FILINTO ELÍSIO**

f_ado

negro corpo
e o des_tino

chora-se fado
e o s_ado corre

tudo é rio
U de tudo

um dia
por me_lodia

vasculha-se-lhe
exis_tindo

ouro preto
re_nasce em nie_mayer…


Filinto Elísio
in: Me_xendo no Baú
(inédito)

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FILINTO ELÍSIO a ANTÓNIO FABIANO
Dezembro de 2010
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com

(Por deferência manteve-se aqui a ortografia do português de Cabo Verde).

DEZEMBRO TEM OLHOS PUXADOS E UM AMOR DE GUEIXA

Dezembro avança sobre nós e é já quase findo. É o nome que damos a uma pequena porção de tempo. Tempo é o que nos consome e nos encerra em casulos ou cláusulas, muito sutilmente. A isso chamamos de minutos, horas, dias, meses, anos e até dezembros. Era é substantivo. Verbo só quando queremos. Dezembro é um modo de dizer o que às vezes tememos. Ou apenas um modo de dizer e ponto.
Final ou começo? Eu nunca sei. Sei que é dezembro. E quando vem, prometendo a cristãos o Salvador do mundo e para o comércio grandes lucros, traz consigo bolinhas coloridas e luzes de piscar, música, sinos e alguma nostalgia. Dezembro então é ocidental, mas tem olhos puxados e um amor de gueixa. Ou será assim só o meu dezembro?
Dezembro passa e mal o vemos passar de tão rápido. Arrasta montanhas de agitação. Pessoas compram, andam, falam sem parar... Um turbilhão de vozes em seu bojo! Algum medo também. E silêncio. De passagem pela Praça Sete emudeci quando ouvi uma mendiga gritar em pranto: “Você acha que eu sou feliz? Você acha que eu ainda vivo? Que isso é vida? Eu já estou morta!”. Gelei como um dezembro de neve.
Dezembro e aquele ar de calor, abraço e perdão. Votos de felicidade. O enigma envolto em papel amarelo e fita azul. Presentes. Estar presente. Verbo quando podemos. Ouro é o nome que damos à felicidade em pepitas. Mas o que vale é mais e nem sempre reluz. Brilhar é coisa de estrela e até elas têm lá suas horas!
Dezembro é um querer tímido e um estar sensível, a não saber o porquê disso que tampouco importa.
É dezembro e eu vejo todo o Decálogo de Krzysztof Kieslowski e basta.

Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 20 de dezembro de 2010.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

San Juan de la Cruz (1542-1591)

CANTICO ESPIRITUAL
(fragmento)

Esposa:

¿Adónde te escondiste,
Amado, y me dejaste con gemido?
Como el ciervo huiste,
habiéndome herido;
salí tras ti clamando, y eras ido.

Pastores, los que fuerdes
allá por las majadas al otero,
si por ventura vierdes
aquel que yo más quiero,
decidle que adolezco, peno y muero.

Buscando mis amores,
iré por esos montes y riberas;
ni cogeré las flores,
ni temeré las fieras,
y pasaré los fuertes y fronteras.

(Pregunta a las Criaturas)

¡Oh bosques y espesuras,
plantadas por la mano del Amado!
¡Oh prado de verduras,
de flores esmaltado!
Decid si por vosotros ha pasado.

(Respuesta de las Criaturas)

Mil gracias derramando
pasó por estos sotos con presura,
e, yéndolos mirando,
con sola su figura
vestidos los dejó de hermosura.

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São João da Cruz, o primeiro Carmelita Descalço, místico e poeta espanhol reverenciado em todo o mundo, tanto nos círculos intelectuais seculares, como na fé das religiões.

Ao querido irmão Luciano Henrique Veras Tito

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

MINAS NÃO TEM MAR, NEM PRECISA!

Uma distinta senhora mineira escreve versos, não quaisquer versos... Sua pena é de ouro! O Espírito até pode ser de Deus, mas há direitos humanos, a letra é dela. E o que ela diz toca os corações das gentes. Por quê?
Toda poesia nasce em condições pra lá de especiais. Quem a recebe deve saber-se humilde e simplesmente poeta, nada mais. A poesia, a verdadeira poesia, ultrapassa o seu arauto, vai muito além do emissário, não sendo ele mais que essa tocha em cujo corpo arde o fogo sagrado que depois se espalha. Não fosse assim, o poema duraria somente o tempo do poeta, não atravessaria séculos, milênios...
Doma-se às vezes a técnica, nunca o dom. Este é como o vento que ninguém – nem mesmo os agraciados – sabe de onde vem, nem para onde vai. Ninguém detém seu poder impulsivo, que para alguns só pode vir de Deus ou ser Deus mesmo.
Os bons poetas são pessoas que recebem a poesia exatamente como ela se dá. Isto é, no dizer de alguns: não lhe forçar a barra, não lhe pôr enfeites. Tal abertura de espírito, tal simplicidade, explica porque essas pessoas fascinam... E é bem verdade: na sua incrível leveza, a poesia não se deixa aprisionar, ou, como ave rara, uma vez presa, não canta, deixa de ser, ou não vem a ser o que deveria. A poesia quando se torna presa (refém de qualquer coisa ou ideologia), não encanta mais.
Quando na vida da gente ela acontece (e não importa se sua ou feita por outrem), quando somos tocados pelo tilintar de seus sininhos, e de tanto entendermos já não entendemos nada, aí, finalmente, experimentamos que toda a vida é arte, qual seja o vice-versa da questão (quem imita quem), somos artistas neste grande espetáculo, a interpretar bem ou mal nossos papéis (donas doidas, riobaldos...). Diante de algo assim sente-se imensa gratidão! Porque a poesia nos redime e nos salva, ela nos tira dos abismos mais fundos; vem nos dizer que esta vida é possível e vale; e nela só não basta o que não for tocado pelo seu condão. Não importa o que aconteça, poesia há, para tudo e para todos. E se um poeta cala, em seu lugar as pedras gritarão.
Mas isto não quer dizer que alguém assim, tornado tão especial pela graça que lhe advém, em dado momento da vida não tenha de lidar com o que em termos mais simples podemos chamar de falta de inspiração... Só os muito elevados padecem disso, como só os muito subidos na vida espiritual conhecem a noite escura do espírito de que falou o grande poeta espanhol, meu pai São João da Cruz. Grandes poetas e os mais avançados espiritualmente (de qualquer credo, filosofia ou religião), estes e aqueles, não tenho dúvida, são místicos, tocam a alma da vida.
Toda vez que nos deparamos neste mundo com alguém que soube ser dócil a essa delicadeza e a ela se entregou sem falsidade ou interesse avulso, podemos celebrar tal acontecimento como à chegada de um filho primogênito, espantosa novidade, ou o retorno desse filho a casa, indizível alegria!...
A distinta senhora mineira de quem falei devotou sua vida à beleza da poesia. Mas tão naturalmente, que olhar pra ela é ver em claro espelho a arte mesma que anuncia! Sem pressa nem dilação, anda em passo certo esta minha senhora! A alguns Deus os quer poetas desse naipe!... Graças, graças à sua lira!...
E poesia assim tão experimentada, tão clara e viva, só aos puros de coração Deus concede. Eu creio nisso. Aqui aconteceu. Aqui, eu digo, em Minas Gerais. Terra que não tem mar, nem precisa! É verdade, Minas não tem mar, mas Minas tem Adélia. Terra que tem Adélia não precisa de mar.

À distinta senhora mineira, no dia de seus anos...

Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 13 de dezembro de 2010.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com

BALIDO - Adélia Prado

Setenta anos redondos,
assim não se quebra o verso.
Na verdade tenho mais.
E então?
Respeito me insulta,
repele fantasias de rapto,
namoros no jardim cheirando a malva.
Quero um paranormal a me ensinar piano,
Consuelo dá aulas, mas seu toque é um martelo
e eu venero pianos.
Mãe não rima com nada,
nem velha,
só aparece telha, ovelha, orelha,
nada que preste. Cansei.
Tem um senhor distinto
querendo arrasar meu ego.
Com certeza minto.
Volta e meia estou perplexa
e toda rima que achei é circunflexa.

Adélia Prado
A duração do dia (2010)
Poema publicado neste blog com licença da Autora

CONSTELAÇÃO - Adélia Prado

Olhava da vidraça
derramar-se a Via Láctea
sobre a massa das árvores.
Por causa do vidro, da transparência do ar,
ou porque me nasciam lágrimas,
tinha a impressão de que algumas estrelas
mergulhavam no rio,
outras paravam nos ramos.
Passageiros dormiam,
eu clamava por Deus
como o cachorro que sem ameaça aparente
latia desesperado na noite maravilhosa:
Ó Cordeiro de Deus, ó Cruzeiro do Sul,
ó Cordeiro, ó Cruzeiro!
Como o cão, minha língua ladrava
à aterradora beleza.

Adélia Prado
A duração do dia (2010)

Poema publicado neste blog com licença da Autora

ESPLENDORES - Adélia Prado

Toda compreensão é poesia,
clarão inaugural que névoa densa
faz parecer velados diamantes.
Em pequenos bocados,
como quem dá comida a criancinhas,
a beleza retém seu vórtice.
São águas de compaixão
e eu sobrevivo.

Adélia Prado
A duração do dia (2010)
Poema publicado neste blog com licença da Autora

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

POR QUE PODE TANTO UM VIOLINO?

O Maestro João Bosco, meu professor de violino há quatro anos, diz que quando largamos o cordófono por um tempo, ele nos abandona pelo dobro de tempo. É bem verdade. Revisitei meu violino esta semana e ele não quis se dar a mim. Violinos são exigentes, vingativos. O músico precisa estar impecavelmente afinado para eles, tal como uma alma em estado de graça para Deus. Mas Deus perdoa, violinos não!
Se é verdade que este ou qualquer outro instrumento nos “maltrata”, na exigente disciplina de estudá-los horas a fio, às vezes sem aparente resultado; onde encontrar palavras que exprimam o prazer da música que nos vem por meio dessas criaturas? Violinos às vezes causam dores no corpo do músico. Ou marcas, como as deixadas no lado esquerdo do rosto, visto não ser as mãos que seguram o instrumento durante a execução, mas ombro e queixo. Tocá-los dói, mas eles também imprimem clarões na alma e, para o músico, não tocá-los é não viver.
Violinos são divinos e dão muito prazer!
Em se tratando disso ou qualquer outra coisa da vida, só os muito teimosos vencem. Por isso eu não desisto. Empunho o arco e toco. De repente ele se dá a mim, meu violino outra vez meu! Toco alto e é alta noite... Já não somos dois, mas um. Das janelas dos prédios da frente ninguém ousa gritar “silêncio”, ninguém apaga a luz... Estão todos assombrados pelo inexplicável que os invade e ilumina. Estão todos paralisados, como se fica em face de uma divindade. Por que pode tanto um violino?
Ninguém ousou dormir antes que se findasse este meu afinado desconcerto.

Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 06 de dezembro de 2010.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com

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Ao dileto Major João Bosco, homem de grande paciência.

Alguns dos seus vídeos. Regendo o ACCORDES Grupo Musical:
Bolero de Ravel
http://www.youtube.com/watch?v=ZDZZQFgwAG4&feature=related
Agnus Dei
http://www.youtube.com/watch?v=dPZmMRXVhqQ&feature=related
Pomp and Circunstance
http://www.youtube.com/watch?v=3hiqq5HfRrI&feature=related
Oh Happy Day
http://www.youtube.com/watch?v=cNWgs_5m5_s&feature=related

domingo, 5 de dezembro de 2010

MANOBRAS DOLENTES

O vento lá fora
Me diz num gemido
Que passa...

Em meu canto
Silencio para ouvi-lo
Passar...

Ouço as manobras dolentes
Desse flautista que
Passa
Na madrugada que
Brada
Dizendo-se só
Passar...

Antonio Fabiano
Direitos reservados

sábado, 4 de dezembro de 2010

EM ALGUMA PARTE ALGUMA (2010) - Livro de Ferreira Gullar sob Apreciação de Antonio Fabiano



EM ALGUMA PARTE ALGUMA (2010), a mais recente poesia de Ferreira Gullar, não é um livro qualquer e não pode ser lido de qualquer jeito, displicentemente. A boa crítica – e não me incluo aqui, sequer no que tange a crítica sem mais atributos – tem o dever moral de notá-lo como um dos grandes acontecimentos literários do ano de 2010, e anotá-lo, sem qualquer favor ao poeta, no cânon da nossa bem sucedida poesia deste início de século. Anais.
Valeu a espera de onze anos, sob o dito silêncio poético de Gullar desde a poesia de “Muitas Vozes”, para que recebêssemos, oportunamente, este “Em alguma parte alguma”, que mais parece a poesia de um poeta que de repente acontece, numa imprevista explo(implo)são. Gullar nos toma de assalto.
É comprovada por demais a competência do poeta, ele já não precisa explicar-se ou impor-se de algum modo. Sua obra caminha de mãos dadas com duas forças poderosas: 1) a consagração por parte de uma “elite intelectual” e da crítica mais autorizada – onde incluímos tudo o que se disse de sua obra, por especialistas e demais competências, em mais de meio século de produção literária e vida artística, além do reconhecimento que lhe é outorgado pelos muitos prêmios recebidos ao longo de sua ventura histórica no cenário cultural brasileiro; 2) e, o mais importante, a consagração junto ao povo, o qual incorpora sua poesia e adere de tal modo à arte do poeta e seu sentimento/razão do mundo, que finda por impregnar-se disso todo o imaginário comum (popular), erigindo a partir deste Gullar, que sem dúvida é mais modesto, uma espécie de ícone da poesia brasileira, fazendo-se a partir daí um “outro” que é mais Gullar do que ele mesmo.
A junção dessas duas partes, o resultado de uma fórmula tal que une o reconhecimento dos doutos e o amor dos mais simples que se enxergam em seu poeta maior e tomam para si o que ele diz em sua/nossa poesia (porque se veem retratados nela e ao povo o poeta empresta sua possante voz), resulta na melhor de todas as coisas que pode suceder a um artista: ele “flutua”, reveste-se daquela imortalidade que nem mesmo a Academia pode dar.
Gullar chegou aí, aonde só poucos chegam. Consegue fazer uma feliz passagem no tempo das gerações, com as quais dialoga, ultrapassando-as. Querendo ou não, seu nome é inscrito no cânon dos nossos vultos sagrados.
O livro “Em alguma parte alguma” vem nos dizer, sem arrogância ou mínima pretensão, que a escrita de Ferreira Gullar é o que há e é mais viva do que nunca. Sinaliza algo mais: diz-nos que literatura de verdade é possível no Brasil de agora, como antes, para além dos nossos poetas bons cujas Obras já se encerraram em Completas. Equivocam-se os que acreditam que poeta bom é só poeta morto. Como também erram os pessimistas que propagam não haver grande poesia nas novas gerações, além Gullar e outros poucos já consolidados desde o século XX e que ainda vivem. Decerto são diferentes os tempos e modos de ser poeta e se pensar a poesia. Complexo é o momento histórico cultural que atravessamos. Mas negar toda poesia, em meio à celeuma de vozes desentoadas ou coros de sapos que banalizam a sagrada arte, isso não nos convém. Poesia há. Como sempre houve. E o prova Gullar, que atravessa impávido esse mar revolto, nos ensinando a não desesperar.
“Em alguma parte alguma” parece já bem resolvido, maduro sem pudores. Extraordinária é a força de seus versos e a beleza nem um pouco ingênua com que se vê, ali, a vida desdobrada em surpresas. Um espanto! Mas não nos traz apenas a sucessão de alumbramentos que dá vazão à criação do poeta, criação esta realizada em cônscio gozo “extático”, o mesmo da poesia que dura o eterno tempo de um poema. Traz-nos ainda o sair-se de aflitivos silêncios (a mesma luta corporal com a palavra), por meio dos imperativos que nem mesmo o poeta sabe explicar, mas aos quais nunca diz não, sendo só sim e sim. E assim torna-se possível o impossível, que é alguma vez deixar dito – plenamente – o não dito. Ora, estamos diante de um silêncio gritado, próprio dos que se assombram, absurdamente elucidados, com a vida, ou com a morte, que também é coisa da vida, em qualquer parte qualquer. A morte neste livro espreita o poeta. Ou talvez seja só ele mesmo a espreitar a morte. Esquecendo-se, depois, um do outro. Ela não será mais que “a paz”, ainda que “a paz do nada”.
O poeta não erra em parte alguma de “Em alguma parte alguma”. Os mais severos hão de lê-lo buscando sempre na página seguinte um defeitinho para não lhe conferir o mérito patente dessa perfeição cabível só a raros e ninguéns. Constatarão, ao final, que o poeta logrou tocar nos pés de Deus, esse Deus do qual Gullar nunca se ocupa, em agnóstica posição. Paradoxo? Não. O maior elogio que se possa fazer ao artista!
O livro vai além do que poderíamos esperar. E nos toma de assalto, no melhor dos sentidos. Nele Gullar escreve-se renovado, sem, contudo, abandonar velhos temas sempre novos. Ousa. Manda para os escarcéus toda estreita medida que queira ditar seu livro e unidade rígida. Reinventa-se. Há de fato um novo tom, matizes. Dá-nos um verdadeiro panorama do seu estado de espírito e da liberdade que goza aos 80 anos, bem redondos, bem vividos. Mescla, sem peias, bananas podres e a mais alta luz dos espaços siderais, de estrelas vivas ou mortas; uma nostalgia às vezes irônica, a ponto de trazer à baila fêmures seus e alheios, na serenada constatação da senhora dona morte, esta que está aí, de mãos dadas com a vida, e não assusta mais que a própria vida; traços de pintura, alheia e sua, tudo retocado ou só tocado por sua mão de artista; as curvas de outra arte e toda arte, seja qual for, desde que verdadeira e fiel aos seus princípios; a linguagem levada ao seu limite, em extremos; o cheiro do jasmim, mais que tudo a flor do jasmineiro, sim, o jasmim e seu olor, este outro raio que fulmina...
O livro comove pelo que tem de transparente e lírico, originalmente lírico. Faz pensar, filosofal. Pedra no centro de um caminho, existencialmente aturdido, gozosamente abraçado. A vida como ela é, em seus paradoxos, a vida insuficiente, por isso mesmo a reclamar poesia, na beleza possível e impossível, em alguma parte alguma, em qualquer lugar qualquer, desta infinita graça que se dá aos que a querem receber.

Antonio Fabiano (2010)
Belo Horizonte-MG
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com





EM ALGUMA PARTE ALGUMA (2010)
EDITORA JOSÉ OLYMPIO LTDA.
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Tel.: (21) 2585-2060

Atendimento e venda direta ao leitor:
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Capa: VICTOR BURTON
Reprodução neste blog com licença de Ferreira Gullar

UMA COROLA (manuscrito)



Ferreira Gullar
EM ALGUMA PARTE ALGUMA (2010)
Reprodução com licença do Autor

FERREIRA GULLAR - numa entrevista a ANTONIO FABIANO


O poeta Ferreira Gullar - Fotografias de Antonio Fabiano

ANTONIO FABIANO: Meu caro Gullar, sua atuação no panorama intelectual deste país foi, em muitos aspectos, preponderante para os novos rumos da nossa literatura e arte em geral. As letras do século XX lhe são infinitamente gratas, todos sabemos disso. Mas em pleno albor deste novo século torna-se ainda mais iniludível a assombrosa força de sua escrita... Poderia nos contar um pouco do seu itinerário poético? Como se fez o Gullar que hoje é das gentes e “flutua” pelo país e pelo mundo?

***FERREIRA GULLAR*** Você é muito generoso ao apreciar o que escrevo. Minha poesia tem percorrido muitos caminhos, aparentemente contraditórios mas, no fundo, coerentes, pois atendem a necessidade minha de expressar-me. Comecei escrevendo como um parnasiano, depois descobri a poesia moderna e passei a fazer versos livres, e logo entendi que deveria ir além. Disso resultou A Luta Corporal, que considero meu livro de estreia, porque é com ele que começo a compreender mais fundamente o que deve ser a poesia. Depois veio a poesia concreta, depois os poemas espaciais neoconcretos e finalmente o Poema Enterrado com que encerrei essa fase. Entro em crise, engajo-me politicamente e passo a fazer poesia política. São muitos anos nesse caminho mas durante esse tempo minha poesia mudou, busquei criar poemas mais ricos, mais sofisticados do que os primeiros poemas dessa fase. Nesse rumo, que envolve os anos de exílio, minha experiência pessoal e poética se amplia, se aprofunda, torna-se mais dramática e mais sofrida. Escrevo o Poema Sujo, que é de certo modo a síntese dessa etapa. De lá para cá, houve também mudanças, mas já não tão drásticas como no passado. O certo é que nenhum livro meu é igual ao outro, ou mero prosseguimento do outro.

ANTONIO FABIANO: Como se dá o exercício de sua escrita? Disciplina? Inspiração? Como acontece a criação poética de Ferreira Gullar?

***FERREIRA GULLAR*** Minha poesia nasce do espanto, de algo que me surpreende e me mostra que o mundo nunca está explicado. São surpresas que me põem diante da beleza ou do drama, da felicidade ou da perda. Sem isso não consigo escrever mas, ao mesmo tempo, há que ter o domínio do instrumento de expressão. A técnica não é suficiente mas é imprescindível, pois, sem ela, não se consegue realizar o poema.

ANTONIO FABIANO: Que vínculos tem Gullar, hoje, com a terra natal? Que laços o prendem àquele menino de São Luís do Maranhão, tantas vezes redivivo na obra do poeta maduro?

***FERREIRA GULLAR*** Costumo dizer que, se não tivesse nascido em São Luís, seria um outro poeta. Em tudo o que escrevo, São Luís de algum modo está presente.

ANTONIO FABIANO: Sempre que lhe pareceu certo, ao longo de sua carreira intelectual, você não hesitou em mudar de posição e até opor-se ao que não vai bem. É o caso do concretismo, a poesia “concreta”, para citar um exemplo só. O que fica daquela fase?

***FERREIRA GULLAR*** Se é certo que a poesia concreta é decorrência de A Luta Corporal, quando implodo o discurso, não fui o inventor dela. Os poemas concretos que fiz são diferentes dos poemas do grupo paulista. Por isso mesmo, caminhei noutra direção e cheguei ao livro-poema e aos poemas espaciais. A poesia concreta foi um fenômeno inevitável naquele momento da poesia brasileira, mas não poderia manter-se como um caminho permanente. Foi uma experiência original e audaciosa que se esgotou.

ANTONIO FABIANO: Poderia sintetizar, especialmente para as novas gerações cada vez mais distantes desta realidade, o que para você significou o exílio?

***FERREIRA GULLAR*** O exílio foi um momento difícil de minha vida mas ao mesmo tempo enriquecedor. Conheci outros povos, outras culturas e vivi momentos-limite, como o fim do governo Allende e o começo da ditadura argentina. Um período difícil da história latino-americana.

ANTONIO FABIANO: O que diria o pai do imortal “Poema sujo”, a respeito desse filho hoje considerado uma das maiores obras em língua portuguesa da segunda metade do século XX?


***FERREIRA GULLAR*** Já falei bastante sobre esse poema, em que circunstâncias o escrevi, em 1975, em Buenos Aires. De fato, aquelas circunstâncias – quando não sabia o que poderia acontecer comigo, já que um golpe militar ameaçava pôr abaixo o governo argentino e repetir o golpe que derrubou Allende – devem ter contribuído para o caráter do poema. Trata-se de uma tentativa de resgatar o vivido e refletir sobre a vida, tanto em termos existenciais como sociais.

ANTONIO FABIANO: Tenho acompanhado seu parecer a respeito da atual situação das artes plásticas etc. Sem dúvida não agrada a todos, mas seu pensamento impõe respeito porque é coerente, indiscutivelmente lúcido e regulado pela experiência de toda uma vida envolta no conhecimento aprofundado de tais questões. Você acredita que atravessamos um momento de relativismo ou crise nessa esfera? É possível uma “arte sem arte”?

***FERREIRA GULLAR*** O abandono das normas tradicionais que regiam as artes plásticas, deu nascimento às experiências de vanguarda que enriqueceram a expressão estética mas, ao mesmo tempo, abriram caminho a uma espécie de valetudo. Esse valetudo parece ser o rumo propício aos chamados artistas contemporâneos que já não se preocupam em fazer arte. Acreditam que tudo é arte: seja pôr merda numa lata, seja mostrar larvas de moscas num microscópio. Confundem as coisas, acreditando que toda expressão é arte, ou seja, que basta ser expressão. Como tudo é expressão resulta, para eles, que tudo é arte. A meu ver, uma baita confusão.

ANTONIO FABIANO: Atualmente proliferam-se escritores, sobretudo poetas, espécime não tão raro. E livros, muitos livros. Nunca se escreveu tanto e se publicou, como agora. Se isso é bom, por um lado, e sem dúvida o é, não significa qualquer garantia de uma boa ou duradoura literatura. Outras forças perpassam esse meio cultural, como a academia e o comércio, e seus respectivos ditames. Perguntamos ao leitor experiente que é: há algum critério para separarmos o joio do trigo, e não cairmos nas armadilhas das quais nem mesmo o mundo das letras está isento?

***FERREIRA GULLAR*** É verdade, hoje se publica muito, há livros em quantidade, de todo tipo e sobre qualquer assuntos ou tema. Não sei dizer ao certo o que se deve fazer em face disso. Acredito que nem tudo que se escreve presta. Poesia é coisa rara, pelo menos no meu caso que escrevo pouco e raramente.

ANTONIO FABIANO: Você percebe novas tendências, novos rumos, um futuro ainda mais promissor, para a literatura que se faz em nosso país? Acredita, tem esperança nas novas gerações?

***FERREIRA GULLAR*** Do futuro não sei nada. Há bons poetas nas novas gerações. Mas a verdade é que a pessoa nasce poeta, como nasce jogador de futebol ou cozinheiro. Sem vocação, ninguém vira poeta.

ANTONIO FABIANO: Apesar dos diversos prêmios recebidos ao longo da sua carreira, que repercussão teve em sua vida o Prêmio Camões, esta expressão mais alta de reconhecimento dado em língua portuguesa a um escritor?

***FERREIRA GULLAR*** Fiquei muito feliz ao receber o Prêmio Camões porque isso significa um reconhecimento do valor do que escrevo. A gente escreve para o outro, para ser lido pelo outro e, quando pessoas de alto merecimento intelectual reconhecem o valor do que escrevemos, isso nos gratifica.

ANTONIO FABIANO: Gullar se percebe ainda passível de influências?

***FERREIRA GULLAR*** Nenhum poeta inventa a poesia. Pelo contrário, todos os poetas são herdeiros dos poetas que os antecederam. Aliás, no meu modo de ver, é essa herança que dá maior amplitude à obra deste ou daquele poeta. Naturalmente, cada um elabora essa herança a seu modo e dá “um sentido novo às palavras da tribo”, como disse Mallarmé.

ANTONIO FABIANO: Ferreira Gullar é ainda um homem comprometido com a política de seu país, ou reserva-se ao direito de agora se ocupar de outras coisas?

***FERREIRA GULLAR*** Fiz poesia engajada durante certo período, especialmente em função da situação política e social do Brasil e da necessidade de lutar contra a ditadura. Hoje minha poesia explora outros campos, voltada mais para a reflexão sobre a existência e os espantos a que a vida nos submete.

ANTONIO FABIANO: Depois de onze anos de silêncio poético, surge o livro “Em alguma parte alguma”. Por que tanto tempo, Gullar?

***FERREIRA GULLAR*** Demoro a publicar livros de poesia porque escrevo pouco. Não posso decidir que vou escrever um poema hoje porque faz tempo que não escrevo. Isso não depende de mim mas dos espantos e das descobertas inesperadas que me põem em estado de poesia. Se não for assim, nada acontece. E como esses espantos são raros, escrevo poucos poemas ao longo do ano. Minha felicidade seria escrever todos os dias belos poemas...

ANTONIO FABIANO: Que novidade esse livro traz, em relação aos outros de sua obra?

***FERREIRA GULLAR*** Acredito que cada poema meu traz algo de novo, se não fosse assim não o teria escrito. Se escrevo é porque descobri alguma coisa que ainda não expressara. Não precisa ser uma novidade gritante, arrasadora. Basta uma pequena descoberta. Neste último livro há a retomada de alguns temas de livros anteriores mas noutro tom. E há uma tentativa de escrever no limite da linguagem, no limite da ordem e da desordem.

ANTONIO FABIANO: “Em alguma parte alguma” causou espanto, pelo vigor de sua poesia inédita. E, em tempo recorde, deram-se sucessivas reedições, outro espanto, tratando-se de poesia. O poeta que celebrou neste ano seu octogésimo aniversário tem a lira cada vez mais afinada, e não dá o mínimo sinal de cansaço. De onde vem esta força, Gullar?

***FERREIRA GULLAR*** Não sei. Tudo o que posso dizer é que estou sempre indagando, questionando e aberto às perplexidades a que a vida me expõe. Talvez esse inconformismo – que é ao mesmo tempo uma afirmação de vida – seja a minha força.

ANTONIO FABIANO: Para quem chegou a este patamar de consagração, escrever e publicar se torna um risco, uma responsabilidade cada vez maior, ou dá-se o contrário, cada vez mais se pode dizer o que pensa e quer?

***FERREIRA GULLAR*** Talvez porque não acredite em verdades eternas e intocadas, estou sempre indagando, questionando e dizendo o que penso. Não me julgo dono da verdade mas tenho necessidade de questionar e revelar o que descobri.

ANTONIO FABIANO: Há alguma coisa que tenha sonhado e ainda não realizou?

***FERREIRA GULLAR*** Não sei, não me preocupo com isso. Na verdade, essa é uma questão estranha a mim, já que não planejo nada. Invento a vida a cada dia.

ANTONIO FABIANO: Como concilia estes dois amores, família e trabalho?

***FERREIRA GULLAR*** Hoje vivo só, não tenho mais o encargo de criar os filhos, que estão adultos e cuidando de si e dos seus. Participo como avô, ajudando no que posso e dando palpites quando sou consultado. Tenho uma companheira – a poetisa Cláudia Ahimsa – que mora com a mãe. Mantemos a condição de namorados. É legal namorar uma poetisa tão talentosa quanto ela!

ANTONIO FABIANO: Ainda no coração do poeta... De quem Gullar tem saudades?

***FERREIRA GULLAR*** Das pessoas que amei e perdi.

ANTONIO FABIANO: O que diria agora aos leitores que o amam, seu público cativo?

***FERREIRA GULLAR*** Que se entreguem à leitura de meus poemas como me entreguei ao prazer de escrevê-los, porque a função da poesia é ajudar a viver, deslumbrar, ampliar o território do possível.

ANTONIO FABIANO: E aos que querem ser poetas?

***FERREIRA GULLAR*** Não desistam da poesia porque ela tem uma função essencial em nossa vida. A poesia existe porque a vida não basta.

ANTONIO FABIANO: Qual de seus versos nos daria ao final desta entrevista?

***FERREIRA GULLAR***
“que eu possa
cada vez mais desaprender
de pensar o pensado
e assim poder
reinventar o certo pelo errado”




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FERREIRA GULLAR & ANTONIO FABIANO
Dezembro de 2010
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com

O DUPLO - Ferreira Gullar



Ferreira Gullar
EM ALGUMA PARTE ALGUMA (2010)
Reprodução com licença do Autor

OFF PRICE - Ferreira Gullar



Ferreira Gullar
EM ALGUMA PARTE ALGUMA (2010)
Reprodução com licença do Autor

FALAR - Ferreira Gullar

A poesia é, de fato, o fruto
de um silêncio que sou eu, sois vós,
por isso tenho que baixar a voz
porque, se falo alto, não me escuto.

A poesia é, na verdade, uma
fala ao revés da fala,
como um silêncio que o poeta exuma
do pó, a voz que jaz embaixo
do falar e no falar se cala.
Por isso o poeta tem que falar baixo
baixo quase sem fala em suma
mesmo que não se ouça coisa alguma.

Ferreira Gullar
Poema de “Em alguma parte alguma” (2010)
Publicado com licença do Autor

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

JE VOUS SALUE, GODARD


Jean-Luc Godard (Foto Divulgação)

Atenção, cinéfilos! A Folha de S. Paulo hoje traz opiniões sobre a filmografia de Jean-Luc Godard. Neste dia Godard celebra 80 anos, e estreia no Brasil seu mais recente longa, Film Socialisme. Um crítico, irado, sugere que Godard em Film Socialisme aliena o público, passa de cúmplice deste a adversário. Godard é mesmo implicante, mas genial. Vamos ver...
FILM SOCIALISME
Diração: Jean-Luc Godard
Produção: França/Suíça, 2010
Com: Catherine Tanvier, Jean Marc Stehlé e Patti Smith
Classificação: 14 anos
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Outros filmes de Godard, considerados muito bons:
Acossado (1959)
Uma Mulher é Uma Mulher (1961)
O Desprezo (1963)
O Demônio das Onze Horas (1965)
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Curiosidade: Em 1985 seu filme “Je vous Salue, Marie” foi considerado herético pela Igreja e teve sua exibição censurada no Brasil.
Eu não tenho culpa!

SUTIL DIVERGÊNCIA ENTRE FILÓSOFOS

Le silence éternel de ces espaces infinis m’effraie...
Blaise Pascal

(1623-1662)

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"Duas coisas enchem o ânimo de crescente admiração e respeito, veneração sempre renovada quanto com mais frequência e aplicação delas se ocupa a reflexão: por sobre mim o céu estrelado; em mim a lei moral. Ambas essas coisas não tenho necessidade de buscá-las e simplesmente supô-las como se fossem envoltas de obscuridade ou se encontrassem no domínio do transcendente, fora do meu horizonte; vejo-as diante de mim, coadunando-as de imediato com a consciência de minha existência. A primeira começa no lugar que eu ocupo no mundo exterior sensível e congloba a conexão em que me encontro com incalculável magnificência de mundos sobre mundos e de sistemas, nos tempos ilimitados do seu movimento periódico, do seu começo e da sua duração. A segunda começa em meu invisível eu, na minha personalidade, expondo-me em um mundo que tem verdadeira infinidade, porém que só resulta penetrável pelo entendimento e com o qual eu me reconheço (e, portanto, também com todos aqueles mundos visíveis) em uma conexão universal e necessária, não apenas contingente, como em relação àquele outro. O primeiro espetáculo de uma inumerável multidão de mundos aniquila, por assim dizer, a minha importância como criatura animal que tem que devolver ao planeta (um mero ponto no universo) a matéria de que foi feito depois de ter sido dotado (não se sabe como) por um curto tempo, de força vital. O segundo, por outro lado, realça infinitamente o meu valor como inteligência por meio de minha personalidade, na qual a lei moral me revela uma vida independente da animalidade e também de todo o mundo sensível, pelo menos enquanto se possa inferir da determinação consoante a um fim que recebe a minha existência por meio dessa lei que não está limitada a condições e limites desta vida, mas, pelo contrário, vai ao infinito."

Immanuel Kant (1724-1804)
Crítica da Razão Prática

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

AO LEITOR DE MACAU

Eu quero um leitor em Macau
Antes que adormeça a língua
E o que redime a história
Sem desvios
Aconteça.

Tenho pressa!

Um leitor em Macau
É o que eu quero
E muitas sílabas soídas
Com
Nossa língua na língua
Estranho elo
Casada
No
Prazer sem culpa
Sem desculpas
Ela
Inculta e bela
Ela
Como ela só.

Um leitor em Macau
Eu quero
E isso é mais importante
Que a estrela
Fria
Longínqua
Muda
Sem brilho
No céu de um dia
Qualquer
De sol.

Ele
O meu leitor de Macau
Há de dar sentido à lida
Lido eu
O meu poema
Em macauês português.

Num leitor assim respira
Fundo
Fundo
Em seu pulmão
O meu sonho de Macau
A minha dor de Macau
O meu amor por Macau.

É noite
E impera
Longe de fanar-se
Ela
Linda
(Lírica)
Esbelta e bela
Ela
A adjetivável
Flor do Lácio
Caçula
Já sem nome ou pátria
Ela
E o meu leitor de Macau.

Antonio Fabiano
Direitos reservados

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

UMA CRÔNICA PARA AFFONSO


Antonio Fabiano e o poeta Affonso Romano de Sant'Anna

Ocupei toda a parte da manhã de ontem – depois e antes das orações que um carmelita faz ao longo do dia, além de estudos – no meio do claustro do nosso convento. Estive entretido no ofício de arrancar matinhos, estas ervas daninhas que nunca desistem de crescer e rivalizam com a grama verde. Mas por que digo “grama verde”, se toda grama que eu conheço é verde? Há grama azul? No meio do claustro temos uma fonte. E peixes coloridos. Nossa casa é bonita, dela admiram-se muitos. Temos voto de pobreza, beleza não é pecado! Sim, eu falava de arrancar matos, no ordinário do meu dia. Os outros frades, espalhados pelo quintal, também trabalham. A vida de um carmelita é feita de silêncio e pequenas coisas como essas. É feita de muitas outras coisas também, claro. Ontem eu arrancava ervas daninhas na primeira parte do dia, ficando com as mãos bem encardidas, estas mesmas que escrevem poemas e a crônica que se lê. Hoje eu farei a mesma coisa... O que pode ser mais ordinário do que isso? No entanto eu preferi viver assim, não troco esta felicidade, ordinária, por nenhuma outra das muitas que tive, pude e posso escolher.
Todo esse rodeio é para falar da parte não ordinária do meu dia de ontem, que de repente se engrandeceu! A vida também é feita de excepcionalidades... Veio a Belo Horizonte o meu querido amigo e irmão Affonso Romano de Sant’Anna. Talvez devesse dizer “mestre”. Com ele aprendemos muito e sempre. Não é apenas o grande poeta nacional, homem de belas palavras. Affonso é um articulador do bem, da cultura do seu país. Alguém que – para além dos belos versos que escreve – tem ação. Digo ação em prol das nossas gentes e em todos os demais sentidos. Nunca para. Recentemente esteve na Colômbia, dizendo seus poemas, conversando com o povo, encantando aquela gente em grandes eventos. Quando menos se espera, já está em outra parte do mundo, fazendo outra coisa relacionada à literatura. E vai... E vem... E faz o bem. E faz bem tudo o que faz. Não é, como eu já disse, só um escritor nato, nem tampouco daqueles autores que se enclausuram em castelos de marfim e vivem abismados em sua glória às vezes ilusória... Ele é um homem de grande erudição, olhos voltados para o futuro e mente aberta, um homem de inteligência cuja vastidão pode ser comparada às areias da praia do mar. E quando inteligência e bondade se aliam, pode-se até tocar os pés do infinito, de tão alto e longe que se vai!
Affonso já fez muito, ao longo desses anos, como quando esteve à frente da Biblioteca Nacional, que é uma das maiores do mundo, e desenvolveu projetos importantes de expansão da leitura. Desta vez veio a Belo Horizonte e vai passar por outras cidades mineiras ainda esta semana, na esteira de um projeto que visa levar a leitura para todos, especialmente àqueles menos favorecidos culturalmente. É uma causa que ele abraçou há tempos. Falo do programa Grandes Escritores, que há quase dez anos foi idealizado por Marcelo Andrade e agora associa-se a um outro projeto, Livro para Voar, o qual propõe que as pessoas deixem seus livros em lugares públicos para que outros leitores – especialmente quem não pode comprar livros – tenham acesso às obras. No evento de ontem foram doados livros para mais de dez cidades de Minas. O programa já contemplou outros Estados do Brasil. Iniciativas como esta merecem nossa atenção e aplausos. Falar do bem faz bem! Fazer o bem, melhor ainda!...
Mas com pressa, visto que um carmelita tem horas, a vida volta ao seu ordinário. Ordinários deveriam ser os livros, porque todos têm direito à leitura. As políticas educacionais e de incentivo à cultura em nosso país geralmente recebem pouco encorajamento, baixas verbas, quase nenhum apoio. Talvez precisassem entender o que alguém já disse e Affonso nos repete à exaustão: se acham que é cara a Educação, então experimentem a ignorância e vejam quão mais cara ela é além de estúpida! Acreditamos que uma boa leitura tem o poder de transformar o mundo. Isso não é utopia, é fato comprovado tantas vezes ao longo da história. Enquanto não acontece plenamente o dia dessa ventura, fazemos o que podemos, arrancamos ervas daninhas...

Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 1º de dezembro de 2010.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com
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Leia de Affonso Romano de Sant’Anna:
“A Sedução da Palavra”, pela editora Letraviva.
“Que País é Este?”, reeditado pela Rocco.

Para ver mais sobre Affonso Romano de Sant’Anna neste blog: clique no marcador com o nome do poeta, abaixo da postagem.

Saiba mais a respeito do projeto Livro para Voar: www.livroparavoar.com.br

terça-feira, 30 de novembro de 2010

LÊDO IVO - numa formidável entrevista...


O escritor Lêdo Ivo em descontraída fotografia disponível na Web

Em entrevista a Geneton Moraes Neto, o acadêmico Lêdo Ivo, poeta e ensaísta, diz o que pensa sobre poesia, literatura, educação etc. Revela até qual o pior verso da língua portuguesa, e qual sumidade – das nossas letras – ele considera um “b*****”. Boa entrevista, vocês rirão bastante, mas ouvirão também coisas muito sérias.

Veja o vídeo por este link:
http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM1219770-7823-ESCRITOR+LEDO+IVO+DIZ+O+QUE+PENSA+SOBRE+O+BRASIL,00.html

Fonte: globo.com

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

PERDA EM TRÂNSITO

Esta semana fui surpreendido por uma daquelas notícias que, simultaneamente, nos entristecem e revoltam. Da minha longínqua cidade de origem, a preciosa Cerro Corá, informaram-me de um acidente automobilístico sofrido por um casal amigo nosso e vizinho. A mulher feriu-se gravemente, sob duras penas recupera-se. O marido perdeu a vida. Isso entristece. A causa do acidente? No outro lado da história um inqualificável, alcoolizado, no volante. Essa é a parte que revolta.
Acidentes acontecem todos os dias, em todo o mundo. Alguns são mesmo inevitáveis, e qualquer um de nós está exposto a perigos – seja eu ou você, o papa que é pop ou a linda princesa da Grã-Bretanha. Mas quando se trata de algo assim, que poderia muito facilmente ter sido evitado e só aconteceu por causa da irresponsabilidade de alguém que não respeitou as leis do seu país, os bons costumes da civilidade e aquilo que chamamos de bem do próximo... O que dizer?
Aqui em Minas nos deparamos frequentemente com esse problema. Vocês estão cansados de ver nos noticiários os recordes de acidentes em nossas rodovias. As estatísticas são alarmantes, sobretudo nos feriados e nas grandes festas do ano. O pior é a constatação de que muitos desses males poderiam ter sido evitados e têm quase sempre a mesma causa: imprudência na direção e álcool (não nos motores, mas nos motoristas). Aliada a isso, não bastasse o muito já dito, vê-se com frequência a impunidade dos que matam no trânsito e por sorte não morrem.
Somos obrigados a ouvir muitas vezes a assertiva “se beber não dirija” ou “aprecie com moderação”... E, no entanto, muitos dos que bebem – com ou sem moderação – se julgam aptos para o volante, aptos para a vida em veloz velocidade. Para esses, acidente é coisa que só acontece aos outros, no máximo a meu vizinho, nunca comigo nem com os meus. Quem pensa e procede assim, não apenas corre o risco de perder a vida, mas ainda pode arrastar consigo outras, inocentes, de gente de bem, pais de família, pessoas notadamente sérias na vida e no trânsito.
São muitas as famílias que se desfazem, em situações análogas. Amores que se partem. Filhos que ficam órfãos, como os do meu vizinho. Pais que se desalentam, pela inversão da ordem natural que é perder um filho. Amigos que nem sequer tiveram tempo de dizer “adeus”. E no meio disso tudo a violência (como a de ousar dirigir em estado alterado pelo álcool), o desrespeito ao humano, a impressão de que morrer é banal, porque alguns vivem de modo banal e matam dolosamente, banalmente...
Mas eu e muitos ainda cremos que viver não é banal.

Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 29 de novembro de 2010.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

MÁRIO DE ANDRADE E O CINEMA

A Folha de S. Paulo de hoje, em seu caderno de cultura – E12 ilustrada – traz uma notícia deveras interessante para os que amam pari passu o cinema e a literatura. Trata-se de uma obra intitulada “No Cinema”, a qual chegará às livrarias no mês de dezembro próximo, com 19 críticas escritas por Mário de Andrade (1893-1945), todas publicadas esparsamente, referentes a cinematografia. Só agora foram reunidas, a facilitar uma leitura organizada, por iniciativa do pesquisador Paulo José da Silva Cunha e da editora Nova Fronteira. Dessas críticas, apenas um texto de 1934 é inédito. Como lembra Alcino Leite Neto, editor da Publifolha, tais textos integram em seu conjunto uma das reflexões mais importantes da primeira metade do século XX no Brasil, a respeito da arte cinematográfica. Cabe lembrar que aquele era um tempo em que ainda se discutia a validade artística da nova linguagem, a que se chamaria definitivamente “sétima arte”. Para Mário de Andrade o cinema já era, indiscutivelmente, Arte.

– NO CINEMA –
AUTOR: Mário de Andrade
EDITORA: Nova Fronteira
PREÇO: não definido
AVALIAÇÃO (Folha de S. Paulo): ótimo

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

EM TEMPO: UMA PRECIOSIDADE...



Olá, pessoal! Já falei desta preciosidade aqui em nosso blog (revejam as publicações de setembro). A DURAÇÃO DO DIA é o mais recente livro de Adélia Prado e saiu este ano mesmo pela EDITORA RECORD. Resolvi hoje postar a capa (divulgação), para encorajá-los a adquirirem a obra. A concepção da capa é da própria Adélia Prado. Em dezembro o blog trará mais novidades sobre a autora...

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

A VELHINHA E O TEMPORAL


Imagem capturada de “Rapsódia em Agosto”, um filme de Akira Kurosawa.

Estimados leitores, gastei muitos dias da semana passada tentando descrever a sequência final de “Rapsódia em Agosto” (1991), um dos últimos filmes de Akira Kurosawa (1910-1998). Este grande diretor japonês é um dos meus favoritos no singularíssimo mundo do cinema oriental. E a descrição da sequência final de seu filme, a meu ver, daria uma bela crônica. Porém...
O filme a que me refiro, eu o vi algumas vezes. Mas o final... (peço desculpas pelo mau exemplo!), precisamente o seu final... eu vi cerca de trezentas a quatrocentas vezes. Não exagero!
Estive pensando muito nisso, porque aquela cena é uma das mais admiráveis que a sétima arte já concebeu, ao menos segundo o meu parecer. Sim, eu tenho uma coleção de “melhores cenas” na cabeça, às vezes repasso tudo, e esta é uma delas...
“Rapsódia em Agosto” não é, em minha opinião, o melhor filme de Kurosawa; mas foi, sem dúvida, o mais comercial (isto nem sempre é bom para a reputação de um diretor de filmes de arte), tendo inclusive em seu elenco o ator Richard Gere; e foi também uma das obras mais comoventes de toda a sua filmografia.
O filme rememora o trauma do ataque nuclear norte-americano às cidades de Nagasaki e Hiroshima, em agosto de 1945, mais de quarenta anos depois do acontecido. Aborda, além do trauma (revivido sobremaneira por uma idosa chamada Kane), a indiferença, a ignorância e as ambições mesquinhas da primeira e da segunda geração do Japão do pós-guerra. Em relação ao país outrora adversário (representado especialmente pelo parente nipo-americano), abre-se um caminho para o diálogo, a reconciliação, o perdão...
Mas nada disso importa em minha crônica! O que realmente importava era a porção que eu não soube descrever, porque não cabe em palavras: a tal sequência final. E, sendo assim, tudo não passa de pura indiscrição da minha parte, uma ousadia sem cabimento! Mas por que insisto em escrever? Escrevo porque não escrevo, ora! Escrever sobre não ser capaz de descrever algo, é mais nobre que acovardar-se e não tentar...
Na sequência a que me referi, em tons psicodramáticos, as personagens (re)vivem, simbolicamente, em meio a um majestático temporal, os acontecimentos do final da guerra. A senhora Kane, talvez a personagem mais lúcida da trama, que perdera o marido na explosão nuclear de 45, resolve ir buscá-lo na cidade, quase meio século depois (algo impossivelmente absurdo!), atravessando a tempestade e arrastando consigo as outras personagens que, inutilmente, tentam detê-la. Ninguém, nem os mais novos alcançam o passo da decidida “velhinha”. O que ali acontece – e eu não pude descrever – é coisa de cinema, não cabe em escrita alguma. Uma mulher octogenária e um guarda-chuva, o temporal imenso, o quase impossível “silêncio” introduzido pelo mestre Kurosawa na culminância do drama, mais aquela súbita música, meu Deus!, a (in)esperada música...
Queira, meu aplicado leitor, cinéfilo de carteirinha ou não, ver ou rever o filme – do começo ao fim, nunca seguindo meus maus exemplos de explorar uma única cena trezentas ou quatrocentas vezes! E rendamos graças a quem nos deu essa maravilha, a que podemos chamar de verdadeira obra de arte.
(Crônica ao amigo Guilherme Henrique Nakamoto)

Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 22 de novembro de 2010.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com