quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
UMA CRÔNICA PARA AFFONSO
Antonio Fabiano e o poeta Affonso Romano de Sant'Anna
Ocupei toda a parte da manhã de ontem – depois e antes das orações que um carmelita faz ao longo do dia, além de estudos – no meio do claustro do nosso convento. Estive entretido no ofício de arrancar matinhos, estas ervas daninhas que nunca desistem de crescer e rivalizam com a grama verde. Mas por que digo “grama verde”, se toda grama que eu conheço é verde? Há grama azul? No meio do claustro temos uma fonte. E peixes coloridos. Nossa casa é bonita, dela admiram-se muitos. Temos voto de pobreza, beleza não é pecado! Sim, eu falava de arrancar matos, no ordinário do meu dia. Os outros frades, espalhados pelo quintal, também trabalham. A vida de um carmelita é feita de silêncio e pequenas coisas como essas. É feita de muitas outras coisas também, claro. Ontem eu arrancava ervas daninhas na primeira parte do dia, ficando com as mãos bem encardidas, estas mesmas que escrevem poemas e a crônica que se lê. Hoje eu farei a mesma coisa... O que pode ser mais ordinário do que isso? No entanto eu preferi viver assim, não troco esta felicidade, ordinária, por nenhuma outra das muitas que tive, pude e posso escolher.
Todo esse rodeio é para falar da parte não ordinária do meu dia de ontem, que de repente se engrandeceu! A vida também é feita de excepcionalidades... Veio a Belo Horizonte o meu querido amigo e irmão Affonso Romano de Sant’Anna. Talvez devesse dizer “mestre”. Com ele aprendemos muito e sempre. Não é apenas o grande poeta nacional, homem de belas palavras. Affonso é um articulador do bem, da cultura do seu país. Alguém que – para além dos belos versos que escreve – tem ação. Digo ação em prol das nossas gentes e em todos os demais sentidos. Nunca para. Recentemente esteve na Colômbia, dizendo seus poemas, conversando com o povo, encantando aquela gente em grandes eventos. Quando menos se espera, já está em outra parte do mundo, fazendo outra coisa relacionada à literatura. E vai... E vem... E faz o bem. E faz bem tudo o que faz. Não é, como eu já disse, só um escritor nato, nem tampouco daqueles autores que se enclausuram em castelos de marfim e vivem abismados em sua glória às vezes ilusória... Ele é um homem de grande erudição, olhos voltados para o futuro e mente aberta, um homem de inteligência cuja vastidão pode ser comparada às areias da praia do mar. E quando inteligência e bondade se aliam, pode-se até tocar os pés do infinito, de tão alto e longe que se vai!
Affonso já fez muito, ao longo desses anos, como quando esteve à frente da Biblioteca Nacional, que é uma das maiores do mundo, e desenvolveu projetos importantes de expansão da leitura. Desta vez veio a Belo Horizonte e vai passar por outras cidades mineiras ainda esta semana, na esteira de um projeto que visa levar a leitura para todos, especialmente àqueles menos favorecidos culturalmente. É uma causa que ele abraçou há tempos. Falo do programa Grandes Escritores, que há quase dez anos foi idealizado por Marcelo Andrade e agora associa-se a um outro projeto, Livro para Voar, o qual propõe que as pessoas deixem seus livros em lugares públicos para que outros leitores – especialmente quem não pode comprar livros – tenham acesso às obras. No evento de ontem foram doados livros para mais de dez cidades de Minas. O programa já contemplou outros Estados do Brasil. Iniciativas como esta merecem nossa atenção e aplausos. Falar do bem faz bem! Fazer o bem, melhor ainda!...
Mas com pressa, visto que um carmelita tem horas, a vida volta ao seu ordinário. Ordinários deveriam ser os livros, porque todos têm direito à leitura. As políticas educacionais e de incentivo à cultura em nosso país geralmente recebem pouco encorajamento, baixas verbas, quase nenhum apoio. Talvez precisassem entender o que alguém já disse e Affonso nos repete à exaustão: se acham que é cara a Educação, então experimentem a ignorância e vejam quão mais cara ela é além de estúpida! Acreditamos que uma boa leitura tem o poder de transformar o mundo. Isso não é utopia, é fato comprovado tantas vezes ao longo da história. Enquanto não acontece plenamente o dia dessa ventura, fazemos o que podemos, arrancamos ervas daninhas...
Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 1º de dezembro de 2010.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com
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Leia de Affonso Romano de Sant’Anna:
“A Sedução da Palavra”, pela editora Letraviva.
“Que País é Este?”, reeditado pela Rocco.
Para ver mais sobre Affonso Romano de Sant’Anna neste blog: clique no marcador com o nome do poeta, abaixo da postagem.
Saiba mais a respeito do projeto Livro para Voar: www.livroparavoar.com.br
Olançar livros ao povo se assemelha também à meditação nada ordinária de extirpar ervas daninhas do solo, pois se não cuidamos de ambos a destruição do edificante se proliferará. Que bom que nosso carmelita cultiva esses dois bons hábitos. Viva e vivam todos que tomam essas iniciativas.
ResponderExcluirParabéns! Que alegria tirar foto com essa grande escritor e, ainda mais dedicar uma cronica a ele.
ResponderExcluirFellipe da Silva Toledo.
O Affonso é mesmo um gigante...
ResponderExcluirTão bonita a crônica! Tão bem emoldurada!... Luiz
ResponderExcluirParabéns, comecei a lê-lo e divulgá-lo depois de conhecer o poeta no seu blog. Crônica legal, bem surpreendente. Um abraço.
ResponderExcluirNossa!! a felicidade desse encontro está escrito no seu olhar. Que o nosso bom Deus te promova muito mais encontros desse, fico feliz, por ver-te feliz!! abraço.
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