Muito comum é a
reduplicação de uma ideia, quer em palavras repetidas com ligeira modificação,
quer por meio de sinônimos. Já vimos que essa técnica provém, muitas vezes, de
um tratamento lúdico da linguagem, pelo ritmo que dessa maneira se obtém. Mas é
inegável que se trata também de artifício expressivo, principalmente quando a
segunda palavra não tem parentesco morfológico com a primeira. Vejamos os
exemplos:
“A
consciência do meu povo (...) / A alma da minha gente (...) / O
calor e o saber profundo / De todas as coisas. / (...) Do povo (...)
/ Do barro que se pisa” etc.
Além desses recursos
rítmicos, conta também o poeta com a disposição das palavras em movimentos
ordenados, às vezes até regulares demais. Note-se os versos:
“Dói
o poema
Feito
de calmaria e lucidez profunda...
A
capacidade de tocar alguém
Não
está só em quem toca
Mas
ainda no poder daquele que é tocado.”
(grifos nossos).
Aqui merece uma
reflexão: a quem “dói o poema”?
1) A quem toca? Ao poeta?
2) A quem é tocado? Ao leitor?
1) Ao poeta que engendrou o poema, com sua linguagem criativa, dinâmica; que informou o poema com palavras e expressões inusitadas; com seu conhecimento linguístico, filosófico, teológico, histórico, político, psicológico e/ou
2) Ao leitor que, na maioria das vezes, tem que se embrenhar mato a dentro para decifrar o enigma de sua poesia, o mistério que envolve suas imagens e metáforas. Que também precisa de um conhecimento para conseguir fazer sua leitura.
Que mistério!... Que poesia!...
Nossa linguagem
(falada, escrita, compreendida, lida) repousa sobre uma sintaxe cronológica,
uma crono-sintaxe (Edeline, 1972), em que o tempo é o eixo onde as
instruções se inscrevem – Retórica da Poesia – Grupo U: Jacques Dubois e
outros – p.120.
Num processo
retroativo, vejamos:
A fala do poeta que faz
questão de ignorar as limitações impostas pelas regras é de uma riqueza
extraordinária. Sua imaginação é uma máquina incessante, que dá a todas as coisas
uma representação plástica.
Para apreciarmos a
plasticidade do pensamento do poeta Fabiano, consideremos estas passagens:
“A
cada passo / Nasce a esplêndida / Flor / (não veem?) / Que está na água / Branca
e solitária: / A vitória-régia / A iaupê-jaçanã / A que no rio / Soberana reina
/ (Ó verde imenso!) / E de tão bela / De tão bela / Faz meu coração tremer.”
Impressionante é a
descrição d’ “A vitória-régia / A iaupê-jaçanã”. O autor economiza ao máximo as
palavras, construindo períodos em que as expressões nominais são uma sucessão
de quadros:
A vitória-régia (Ó,
verde imenso!)
A iaupê-jaçanã E de
tão bela
A que no rio De
tão bela
Soberana reina Faz
meu coração tremer
(1º quadro) (2º quadro)
Essa plasticidade do
pensamento é que confere ao poema uma feição cinematográfica, em que os cortes
superpõem violentamente cenas diversas umas das outras.
[Fenomenologia da
Obra Literária – p. 228.]
Ao analisarmos um conto
a nossa primeira preocupação é encontrar a ordem das ações (unidade de
sentido).
Na poesia lírica,
porém, ao invés de ações, encontramos palavras. Palavras que se juntam, que se
opõem, que se identificam.
Para se ler um poema é
preciso levar em consideração que as interpretações são muitas e diferentes,
mas o importante é sabermos justificá-las de uma maneira coerente a partir do
discurso da obra. Como a poesia está caracterizada, entre outras coisas, por
uma certa ordenação léxica, é primordial que jamais partamos para a
interpretação sem estarmos atentos ao que o texto diz e ao seu modo de dizer.
A partir disso,
resta-nos compreender como o texto se organiza, se estrutura numa maneira, numa
forma específica, pois a obra é um signo ou sinal que tem uma face aparente e
outra oculta. Não é olhando para o signo, mas para onde ele aponta, que
encontraremos a sua significação. Precisamos ver a obra como um signo,
onde a sua forma vai levar a sua significação.
CONTINUA...
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