segunda-feira, 8 de novembro de 2010
CNE VERSUS MONTEIRO LOBATO? ERA SÓ O QUE FALTAVA!
Dona Benta e Tia Nastácia: personagens vividas pelas inesquecíveis atrizes Zilka Salaberry e Jacira Sampaio. Imagem disponível na Web.
A estupidez humana me entedia! Noticiou-se, em larga escala na semana passada, que o Conselho Nacional de Educação (CNE) viu marcas de racismo em um dos clássicos da nossa literatura. Com tal inferência, o mesmo Conselho emitiu parecer de veto à obra que é distribuída à rede pública através do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE). Trata-se do livro “Caçadas de Pedrinho”, publicado em 1933, cujo autor dispensa até menção de nome, tão conhecido que é da nossa gente, tanto quanto a sua obra. Todos sabem – até as minhas sobrinhas gêmeas de um ano – que a criação de Monteiro Lobato (1882-1948), em sua integralidade, é uma das melhores e mais bem sucedidas coisas que já aconteceu em nossa literatura. Aliás, para nosso orgulho, sua obra é porção mesma do patrimônio cultural brasileiro. Então, porque ainda há vida inteligente no planeta, a descabida recomendação de veto não foi aceita. O ministro da Educação, Fernando Haddad, rejeitou essa estapafúrdia. E também a Academia Brasileira de Letras (ABL) manifestou, oficialmente, o seu repúdio ao que foi considerado uma tentativa de censura ao livro. A ABL não concorda com a proibição do acesso ao livro, por parte das crianças: “cabe aos professores orientar os alunos no desenvolvimento de uma leitura crítica”.
Até minhas sobrinhas gêmeas de um ano sabem, com naturalidade, que tia Nastácia é negra, sim, e isso nunca foi problema para nenhuma criança ou jovem (de todas as cores e classes sociais) que leu e amou os livros de Monteiro Lobato. Tia Nastácia é uma das personagens mais queridas do Sítio do Picapau Amarelo, a própria bondade, mantenedora da subsistência humana do grupo e também uma das personagens mais puras e importantes da série. Ela encarna, como disseram os acadêmicos, a divindade criadora, dentro da obra. A ABL pensa: “Se há quem se refira a ela como ex-escrava e negra, é porque essa era a cor dela e essa era a realidade dos afrodescendentes no Brasil dessa época. Não é um insulto, é a triste constatação de uma vergonhosa realidade histórica”.
Não tivesse a ABL se manifestado, com outros tantos seres pensantes, que simultaneamente reagiram ao parecer dessa esdrúxula ideia do Conselho Nacional de Educação, poderíamos recorrer – pirlimpimpim! – ao sábio Burro Falante do Sítio do Picapau Amarelo! Quem sabe ele não poderia nos ajudar?
Depois de ver esse caso na imprensa, fiquei pensando: se estes que chegaram à incrível inferência de um racismo na obra infantojuvenil de Monteiro Lobato pudessem, com inteligência, usar essa extraordinária imaginação criativa para o bem, que magníficas obras não teríamos, dentro de pouco tempo, a enriquecer o patrimônio cultural brasileiro? Monteiro Lobato dizia que um país se faz com homens e livros. Nunca censurando livros...
Quando eu era criança li todos os livros de Monteiro Lobato. Não satisfeito, relia e resumia tudo num caderninho. Os livros eram da biblioteca pública, eu não podia tê-los porque eram raros e caros. Então, copiava-os a meu modo. É incrível, mas também possível que muitos brasileiros não tenham lido Lobato na infância. Caso isso tenha acontecido a você, não se aflija: leia para seus filhos e netos, leia até para crianças carentes e de rua. Eu já fiz isso. Mas, se você ocupar um alto posto na Educação, não tem jeito: leia antes de tudo para si mesmo. Pense! E, meio Ofélia, não abra a boca enquanto não tiver certeza do que vai dizer do alto de sua cátedra. É tão bom ler!... E pensar... Ainda é tempo, não tem idade para coisas boas como essas!...
Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 08 de novembro de 2010.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com
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