DOLORES
Já
vão caminho do cemitério
Meus
louros sonhos em visões negras,
E
vão-se todos no Azul sidéreo
Como
uma nuvem de toutinegras.
A
noite de ontem levei chorando
Todo
o passado de meus amores;
E
o dia ainda me achou rezando
No
imenso terço de minhas dores.
Vejo
na vida longo deserto
Sem
doce oásis de salvação.
Dentro
em minh’alma, douda, chorosa,
De
pobre moça tuberculosa,
Cheio
de medo, trêmulo, incerto,
Bate
com força meu coração.
E
assim morrendo, coitada, aos poucos,
Convulsa
e fria, louca de espanto,
Solto
suspiros, soluços roucos,
Olhando
as cruzes do Campo Santo;
Porque
me lembro que muito breve
Leva-me
a ele tanta dor física.
E
dentro em pouco, branco de neve,
Verão o esquife da pobre tísica.
(pág.
114)
DOENTE
A
lua veio... foi-se... e em breve ainda,
Há
de voltar, a doce lua amada,
Sem
que eu a veja, a minha fada linda,
Sem
que eu a veja a minha boa fada.
Ela
há de vir. Ofélia desmaiada,
Sob
as nuvens do céu na alvura infinda
Do
seu branco roupão, noiva gelada,
Boiando
à flor de um rio que não finda.
Ela
há de vir, sem que eu a veja... Entanto,
Com
que tristezas e saudoso encanto
Choro
estas noites que passando vão...
Ó
lua! mostra-me o teu rosto ameno:
Olha
que murcha à falta de sereno
O lírio roxo do meu coração!
(pág.
243)
FIO
PARTIDO
Fugir
à mágoa terrena
E
ao sonho, que faz sofrer,
Deixar
o mundo sem pena
Será morrer?
Fugir
neste anseio infindo
À
treva do anoitecer,
Buscar
a aurora sorrindo
Será
morrer?
E
ao grito que a dor arranca
E
o coração faz tremer,
Voar
uma pomba branca
Será
morrer?
II
Lá
vai a pomba voando
Livre,
através dos espaços...
Sacode
as asas cantando:
“Quebrei
meus laços!”
Aqui
na amplidão liberta,
Quem
pode deter-me os passos?
Deixei
a prisão deserta,
Quebrei
meus laços!
Jesus,
este voo infindo
Há
de amparar-me nos braços
Enquanto
eu direi sorrindo:
Quebrei
meus laços!
Janeiro, 1901
(págs.
247-248)
Cf. também: https://antoniofabiano.blogspot.com/2011/01/um-sonho-poema-de-auta-de-souza_13.html?m=0
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