A dinâmica
interior/exterior e toda a área do poema se organizam, também, sintaticamente.
A pontuação exerce função fundamental na marcação do ritmo. As reticências não
indicam a interrupção abrupta e conclusiva da sequência frasal como ocorre com
o sinal de ponto. São pausas cheias de sugestões que não indicam o fim, mas o
prolongamento do sentido ou dos sentidos do verso.
O discurso lírico resulta,
muitas vezes, de uma livre expressão de estados emotivos justamente por
imagens, e o poema não se deixa espartilhar por uma organização sintática muito
complexa, optando pela parataxe cuja formulação se ajusta a esse fluir.
“O
poema ficou calado.
O
poema parou.
(...)
Ou...
deverá o poeta
(...) ”
De agora em diante, o movimento, neste momento, se instaura, com os versos: ... “Sem pressa / Como e quando bem quiser... / Implorar / Com humildade e paciência / Que a poesia venha / Torrencial / (Como chuva milagrosa / Em terra árida
Fazendo
explodir do nada cinzento
O
verde fênix da caatinga)
Sobre
o poema...”
Estes versos possuem
uma cadência de ir e de voltar que as reticências complementam. Estas, enquanto
estabelecem uma pausa entre as estrofes dos versos acima mencionados, nada
concluem, antes dão continuidade ao movimento, mantendo o tempo do verso. A
pausa das reticências não é propriamente uma parada, mas um alongamento, uma
duração. No verso “O verde fênix da
caatinga”... não só o fonema /e/
de verde e /ê/ de fênix se perpetua
fônica e semanticamente, o segmento posterior também é aguardado, “Sobre o
poema...”, criando assim uma expectativa em torno de um depois, de uma sequência:
“Que haja a torrente de Carit”...
Estas últimas reticências
indicam a repetição do processo que não se conclui nunca. As reticências fazem
o ritmo e o sentido ultrapassarem a linha do verso. Enquanto o primeiro
segmento do verso anterior é prolongado, o segundo é já sugerido, formando-se
assim uma cadeia, tendo as reticências como ligação. Estas, ao mesmo tempo em
que interrompem a frase ou sintagma, também o projetam.
Em destaque, nesta
estrofe o verso
“O verde fênix da caatinga”.
Por analogia, considerar-se-ia
uma metáfora.
A metáfora consiste no
transportar para uma coisa o nome de outra, ou do gênero para a espécie, ou da
espécie de uma para a espécie de outra, ou por analogia. – p.197 de A
Criação Literária de Massaud Moisés.
A metáfora constrói-se
da junção de duas ideias:
“ideia original” e “ideia tomada de
empréstimo”, “aquilo que está sendo dito ou pensado” e “aquilo com que está
sendo comparado”, “ideia subjacente” e “qualidade imaginada”, “significado e
metáfora”, “ideia e sua imagem”. A intercessão do designatum (ideia original)
Charles Morris – p.198 A Criação Literária de Massaud Moisés. A
interação do designatum e do veículo geraria um novo sentido, diverso daquele
que cada qual apresenta isoladamente; e a unidade de sentido se imporia como
resultante de características comuns a ambos, do contrário, a metáfora não se
constrói (172). De onde o conceito de metáfora: dois pensamentos de diferentes
coisas que atuam juntos e escorados por uma única palavra ou frase, cujo
sentido é consequência de sua interação (173) – Idem, ibidem.
Hedwig Konrad considera
a metáfora “uma transposição fundada na abstração e na semelhança” (177).
Hedwig Konrad, op. cit. p.38.
Além da interação
sugerida por I. A. Richards, temos ainda: confrontação, analogia, justa posição,
parataxe, tensão, bipolaridade, unificação de heterogêneos.
No geral, como se vê,
simbolizam uma única operação da mente, ou a redução à unidade dos vários
processos subtendidos na composição da metáfora.
Como se vê: a caatinga
é cinza, a fênix é uma ave que ressurgiu das cinzas. Porém, aqui, ela (a
caatinga) ressurgiu verde. Houve o confronto de duas ideias: a original e a
ideia subjacente: ‘caatinga cinza’ versus ‘caatinga verde’, gerando um novo
sentido: a metáfora: “O verde fênix da
caatinga”. Não é fantástica, original e bela (a metáfora)?!
A metáfora não é,
propriamente falando, uma substituição de sentido, mas uma modificação de
conteúdo semântico de um termo – o que não é um conceito, mas descrição de um
fato. – I. A. Richards, op. cit., p.127. In: A Criação Literária –
Poesia – Massaud Moisés – p.200.
De inspiração
igualmente histórica e profética são estas outras estrofes:
“Que
haja a torrente de Carit
E
corvos venham e tragam
Pão
e carne...
Que
haja outras viúvas em Sarepta
E
mais milagres de farinha e azeite
Inextinguíveis...”
Faz-se mediata pela palavra
eclesial e teológica a belíssima relação com o sagrado:
“Elias prediz contra
Acabe e é sustentado pelos corvos... Depois, veio a ele a palavra do Senhor,
dizendo: Vai-te daqui, e vira-te para o Oriente, e esconde-te junto ao ribeiro
de Querite, que está diante do Jordão.”
No poema “Serpente
Emplumada” tem-se “Querite” palavra em hebraico que originou em português “Carit”.
É só uma questão de “transliteração”, mudança de fonemas, como acontece em
nossas Bíblias, a exemplo de Jefté e Jeftá ou Jeová, Javé e Yavé, com um único
significado. Explicação dada pelo pastor, teólogo Klauber Maia.
“E há de ser que
beberás do ribeiro; e eu tenho ordenado aos corvos que ali te sustentem. E os
corvos lhe traziam pão e carne pela manhã, como também pão e carne à noite; e
bebia do ribeiro.
“E sucedeu que,
passados dias, o ribeiro se secou, porque não tinha havido chuva na terra.
“Mais uma vez o Senhor
lhe falou (a Elias):
“Levanta-te e vai a
Sarepta, que é de Sidom, e estava uma viúva apanhando lenha. Elias a chamou,
pedindo-lhe um pouco de água para beber e ele pediu-lhe também um bocado de
pão. E a viúva, prontamente lhe disse: Vive o Senhor, teu Deus, que nem um bolo
tenho, senão somente um punhado de farinha numa panela e um pouco de azeite
numa botija.
“Elias lhe disse: Não
temas, vai e faze conforme a tua palavra; porém faze disso primeiro para mim um
bolo pequeno, depois, farás para ti e para teu filho.
“Porque assim diz o
Senhor, Deus de Israel: A farinha da panela não se acabará, e o azeite da
botija não faltará até ao dia em que o Senhor dê chuva sobre a terra.
“Da panela a farinha se
não acabou, e da botija o azeite não faltou, conforme a palavra do Senhor, que
falara pelo ministério de Elias.”
(Trechos citados do
Primeiro Livros dos Reis, Bíblia Sagrada)
Seja como for, aí
reside um dos principais núcleos de resistência do poema, por si só capaz de
torná-lo atraente no mais refinado leitor moderno de poesia.
De agora em diante, o
milagre continuou, basta para que isto aconteça que “Se escute a voz que diz: / ‘Levanta-te! Come!’...” e não faltará
mais... “pão cozido / E cantil d’água / E
combustível para mais quarenta dias / E quarenta noites / De jornada...”
Mas é no contexto de “Tremor de terra” que o poema adquire
plenitude de significação.
Por fim, cumpre sublinhar
a presença de “Chamas” ... “o sacrifício de Elias / Um fogo do céu”, quando o
poeta confessa a inquietação que o agita, centrado no sentido amoroso: “E pela vida do Senhor / Por quem
me consumo de zelo / Sejam outra vez degolados / Os quatrocentos e
cinquenta / Profetas de Baal!”, no desenlace do poema, quando se dá a
intervenção providencial do anjo:
“O
poeta foi ao cume da montanha. / Pôs a cabeça entre os joelhos / E orou.”
“Tudo
estava consumado”. (grifos
nossos)
CONTINUA...
Nenhum comentário:
Postar um comentário