Capa: João Antônio de Medeiros Neto
Quem resistirá à sedução, ao
canto e encanto desta poesia de Iara Maria Carvalho? A mão que a escreve é
resoluta. Ou, talvez, devamos dizer: a voz que aí canta sabe o que canta e como
cantar. Iara, esta pessoa linda, encanta pela afinação de sua lírica; seduz,
porque toda poesia verdadeira traz em seu bojo uma irresistível sedução. Que
voem os mundos, a beleza triunfa nesta obra, ainda quando o poema é dor e dói até
transfigurar! Eis uma mulher desfeita em versos, a brindar-nos com seu timbre
afiado, a fazer vibrar as cordas de seu poderoso instrumento com o que há de
melhor. Afinadíssima está Iara. Erótica, selvática, santa... Não é apenas a “ursa
bipolar” que aí urra, é uma mulher infinita, ou todas as mulheres que cabem
dentro de uma só e revela-se mistério, para nosso enlevo e perplexidade. É a
graça de Maria, a cultuada milenar teimosia do carvalho, o que espoca nestes
versos. Ninguém mais que Iara merece o nome que tem, do começo ao fim. Parece-me
ser este o seu mais belo livro, de todas as coisas inéditas e publicadas que dela
eu li, em quase duas décadas de amizade e interlocução literária.
Antonio Fabiano
[texto publicado no livro]
URSA BIPOLAR
já fui mais intensa
mais humana
nem saudade tenho de ser aquela outra
que pulula nas lembranças.
– hiberno porque ouso –
nem todos entendem a beleza de ocultar-se
e saber-se desaparecida
entre os moídos do dia
e as coisas miúdas das gentes.
um dia,
tive um sonho de escrever,
mas os oceanos me roubaram o ócio e o desejo
e, mesmo que meus ainda fossem,
eu só estaria viva pra contar
que está vazia metade do meu coração
e, a metade cheia que dizem me caber,
desconheço:
embora, mesmo sem querer,
procure.
Iara Maria Carvalho
Saraivada, Sarau das Letras, 2015.
Nenhum comentário:
Postar um comentário