“A lei moral é santa (inviolável). O homem, conquanto bastante profano, deve conceituar a humanidade em sua pessoa como santa. Tudo o que existe na criação e sobre a parte que se tenha suficiente poder, poderemos empregar como simples meio; unicamente o homem, e com ele toda a criatura racional, é fim em si mesmo. É ele, efetivamente, o sujeito da lei moral, que resulta santa graças à autonomia da sua liberdade.”
Immanuel Kant (Crítica da Razão Prática)
INTRODUÇÃO
A obra que receberá nossa especial atenção, no presente artigo, intitula-se Fundamentação da metafísica dos costumes. Dela extrairemos os principais pontos de reflexão, no estudo da moralidade kantiana, segundo o tema previamente delimitado. Esta obra, sobre a qual nos debruçaremos, foi publicada em 1785, por Immanuel Kant (1724 – 1804), um dos maiores gênios da história da filosofia. Na referida obra já estão encerrados os principais elementos da moral kantiana que, não obstante, encontrará seu corolário na Crítica da razão prática (1788), da qual aquela é modestamente um estudo prévio desta.
A Fundamentação da metafísica dos costumes é, com inegável prestígio, um escrito “pequeno” de gigantescas proporções. Ela faz jus ao nome, e de fato se impõe como alicerce impreterível para a que se queira conceber autêntica Metafísica dos Costumes segundo Kant. Dividi-se em três secções, onde são respectivamente abordados: o percurso do conhecimento moral da razão vulgar para o conhecimento filosófico; a transição da filosofia moral popular para a metafísica dos costumes; e, finalmente, a passagem da metafísica dos costumes para a crítica da razão prática pura.
Procurei seguir o raciocínio do filósofo pari passu em cada secção, sem a ingênua pretensão de abarcar todo o conteúdo da Fundamentação. Na medida do possível limitei-me ao referido escrito, sem avançar para as conclusões obtidas nas suas obras posteriores afins, dando voz ao próprio filósofo no meu texto, através de abundantes citações, sobretudo no último capítulo.
Este estudo divide-se em três capítulos, onde tratarei respectivamente: 1º) do problema da felicidade, da boa vontade e do Dever; 2º) da não solução do primeiro problema (da felicidade), da possibilidade de existência de um imperativo categórico, e da Autonomia da vontade; 3º) consequentemente de um Reino dos fins, do tema da liberdade, e de como é possível um imperativo categórico. As tríades de cada título se coadunam às secções da Fundamentação, exceto o tema do Reino dos fins, que já aparece no final da segunda secção e que propositalmente desloco para o terceiro capítulo. No mais, dado o fato de que se imbricam os assuntos, não raras vezes eles reincidem e interpenetram-se no decorrer do estudo.
Dei particular relevo ao problema da felicidade, cujo conceito é basicamente antagônico a uma fundamentação da moralidade pelo viés kantiano. Nas entrelinhas do que se diz na Fundamentação, e da pouca simpatia que Kant nutriu pelo referido tema enquanto fim legítimo de todas as ações humanas, esconde-se uma consagrada tradição defendida por gigantes e que irá ruir na nova concepção moral deste filósofo alemão.
Merecerá maior destaque a ideia de um Reino dos fins, bem como a consideração do homem como fim em si mesmo. A realizar o amplexo destas duas coisas e todo o mais, enfatizei esparsamente o papel fundamental da Razão kantiana. Por isso, o título deste estudo é A Razão, o homem e um Reino dos fins na Fundamentação da metafísica dos costumes de Immanuel Kant.
Ver-se-á ainda que neste entremeio a liberdade tem sua importância assegurada e determinante para todo o sistema moral que se esboça.
Quem de fato reina neste Reino dos fins? Que novidade Kant nos traz do bojo de suas singularíssimas universalidades? Quais as implicações desta moral do dever? Quais viabilidades e aplicações dela nos são de fato possíveis? Que visão de ser humano aqui se apresenta? E qual a relevância disto para a ética do nosso tempo?
É importante o estudo desta Fundamentação da metafísica dos costumes porque, feitas as devidas restrições e necessárias atualizações, nela se explicitam elementos essenciais para a compreensão e o exercício da moralidade no universo humano de todos os tempos. Este trabalho visa responder apenas algumas daquelas indagações, e suscitar outras que quiçá se respondam somente no estudo mais aprofundado de toda a moral kantiana, o que nem de longe se vislumbra aqui. É de capital importância conhecer melhor este pensador, que é sem dúvida um divisor de águas na história da filosofia de um modo geral. Seu contributo no campo ético é inestimável, e não por acaso é com frequência alvo da crítica de outros gênios de comparável grandeza. Parece-me que para a filosofia de uns e outros, Kant está fadado a ser pedra de tropeço ou edificação. Difícil é ignorá-lo e, em matéria de moral, discutir ética em nossos dias sem de algum modo considerá-lo.
Fim da INTRODUÇÃO de
“A Razão, o homem e um Reino dos fins na Fundamentação da metafísica dos costumes de Immanuel Kant” – Antonio Fabiano
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* Próximo artigo: O PROBLEMA DA FELICIDADE, A BOA VONTADE E O DEVER.
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