Enquanto a pessoa humana for como a presumimos no melhor e mais nobre de si, o pensamento de Immanuel Kant terá sua importância firmada nas páginas da história de nossa mesma autocompreensão. Esta perenidade de sua doutrina filosófica assegura-a a precisão com que ele atingiu, de modo perspicaz e até contundente, o cerne da própria racionalidade. Sua filosofia é bastante original, suficientemente vigorosa e profícua para sobrepujar as vicissitudes do tempo. Isto lhe dá o status de poder, justa e continuamente, compor a lista daqueles maiores nomes de todas as eras que influenciaram e ainda influenciam o mundo, particularmente o ocidental.
Eis porque, cônscio disto, escolhi analisar a Fundamentação da Metafísica dos Costumes e inferir daí alguma possível resposta aos desafios da atualidade. Estamos certos de que em muitos pontos mostrou-se bem sucedida a filosofia kantiana. A ética de nosso tempo vista às luzes deste pensador tem mais a ganhar que perder e, se for este o caso, perder para ganhar. Ainda que não consideremos encerrada a questão, nem a tenhamos por única ou mais excelente via de interpretação da moralidade, é justo dizer que poucas coisas foram escritas com tão elevada pureza racional e honestidade intelectual.
Assim, neste trabalho buscou-se ressaltar a primazia da razão, como ela se manifestou no pensamento de Kant em sua Fundamentação. Esta razão, já bastante explorada pelo filósofo em demais obras, também aqui pensa-se a si mesma e não obstante os seus limites assume aquele importante posto de regulação de todo o mais que se manifesta no homem. O principal intento da referida razão é, arraigada nas vantagens e garantias desta sua suprema universalidade, salvaguardar a autonomia e a inalienável dignidade de cada pessoa. É em virtude de sua abrangência universal que a mesma razão pode e deve ser considerada como máxima soberana no rastro do pensamento de Immanuel Kant. Pois é ela, tão somente, que fundamenta a lei que impõe-se ao ser racional de modo absoluto naquele afã de agir por dever.
Singularíssima mostra-se, então, a importância dada ao homem neste escrito. Uma pessoa para Kant não tem preço, coisa alguma pode ser posta em seu lugar ou lhe é equivalente. Pessoas têm dignidade. E disto o filósofo de Koenigsberg tem muito a ensinar aos homens de nosso tempo, pois na doutrina moral kantiana jamais se confundem pessoa e coisas. Qualquer que seja aquela, imporá grande respeito e um valor acima de contestação. Se por um lado Kant quer nos libertar do que para além do puramente humano ditaria regras ao humano – algo estranho ao homem –, faz-nos entender que tão alta é a nobreza de uma só pessoa a ponto de obrigar-se a obedecer somente àquilo que ela mesma dita a si.
Desta forma, ao se considerar a esfera dos atos do ser racional, um e todos se obrigam, enquanto subordinados à regência da mesma razão universal, a proceder como se suas máximas devessem passar obrigatoriamente e sem embargos pelo exercício de serem sempre tomadas por leis universais da natureza. Este é o critério legitimador das boas ou más ações, a via régia de discernimento dos atos de um homem que se queira moralmente reto.
Já entrevemos, portanto, que a liberdade é fundamental para todo o sistema kantiano. Logo, o ser humano é autônomo em sua vontade, soberanamente. Esta assombrosa autonomia com que ele se depara, ao olhar para dentro de si com mais vagar e acuidade, é o que eleva a sua pessoa a um grau de absoluta dignidade. E, na esteira desta grandiosa visão do homem como um fim em si mesmo, temos a ideia de um reino dos fins. Nada poderia ser mais adequado do que esta alegoria, para completar o esboço de uma fundamentação da metafísica dos costumes segundo o pensamento de Immanuel Kant. Este reino desponta na obra como se emergisse miraculosamente do fundo das águas de nossas melhores potencialidades. É o ideal, para não dizer sonho ou utopia, da perfeita união sistemática dos entes racionais por meio de leis comuns: a comunidade verdadeiramente humana, que deve ser buscada sem tréguas e que, não obstante, pode se realizar em e a partir de cada pessoa.
Neste reino, possível pela liberdade da vontade de cada um, todos – enquanto membros ou chefes – são simultaneamente legisladores. O homem obedece à lei que de si mesmo emana. A moralidade brota da relação de seus atos com a própria legislação. E, assim, será legitimamente praticável apenas uma ação que possa transformar-se em lei universal, isto é, tornar-se imediatamente válida para todos os demais seres racionais.
Por tudo o que vimos e pelo que daí sabemos poder haurir, incentivamos o estudo mais aprofundado desta ou de uma nova ética sem perder de vista o que há de mais essencial no pensamento filosófico moral de Immanuel Kant. Estamos bastante convencidos da importância da compreensão de sua filosofia, particularmente no que pode auxiliar os homens deste e de todos os tempos na difícil lida de ser-se humano, dignamente humano.
Fim das CONCLUSÕES de “A Razão, o homem e um Reino dos fins na Fundamentação da metafísica dos costumes de Immanuel Kant” – Antonio Fabiano (2008)
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