Ele tinha o costume de caminhar dando muitas voltas ao
redor do campo de futebol. Naquela tarde, o sol se afundava no horizonte mal
traçado da cidade, como água que escorre pelo ralo. Era um pôr de sol mole,
mole: nem quente, nem frio. Se uma mulher desmaiasse em seus braços, nos
braços dele, do homem da primeira linha do conto, seria a
representação perfeita desse pôr do sol. Havia ali uma agonia inconsciente de si, avermelhada, sem nenhum pudor ou segunda intenção. Agonia, sim, porque em tela tão sanguínea até gozar é agônico! Enrubescido
estava o mundo, como uma donzela velha que acaba de receber
um (como se dizia antigamente?) galanteio.
Caminhava em sentido anti-horário, o homem. Uma volta,
duas voltas, três voltas... até perder a conta. Fazia isso todos os dias. Nada
teria acontecido de extraordinário, se nada tivesse acontecido, como aconteceu.
De repente uma moça apareceu, como as coisas bonitas que aparecem do nada,
e em sentido horário caminhava...
Ao que tudo indica, ele deu conta disso bem depois do
que normalmente exigiria uma beleza extrema, dessas que têm sempre o poder de
atrair os olhos para si, fazendo-se notar quase indiscretamente, dando a
entender quão inútil é disfarçar que não se quer ver o que se quer ver.
Os ponteiros do relógio estavam em direção e tempo
opostos. Como explicar isso? Ele estava em boa forma, mas tinha sessenta e tantos anos de idade. Era casado, tinha filhos, amava sua mulher.
Ela tinha 19 ou pouco mais. Era de fato linda como uma
manhã de Natal, em que as crianças ganham presentes e ficam felizes, sem qualquer outra preocupação. (Já pensaste, que lindo seria não ter outra preocupação senão estar feliz?) Abria-se a boca da noite.
Estavam em lados opostos do campo, entre
concluir ou dar mais uma volta... nunca se sabe. Mais à frente estava o portão de
saída. E se ela resolver ir embora? E se for sua última volta?
Ele apressou o passo. Queria vê-la de perto, ao menos
uma vez. Mas foi como se o campo se alargasse e se tornasse eterno. Infinito. Coisas
assim acontecem quando temos pressa ou sonhamos. Em alguns sonhos
a gente nunca acaba de chegar... Ou quer acordar e não consegue... Ou não quer
acordar e acorda.
Pois o campo não acabava nunca. A fantasia se avultou e quase lhe cegou os olhos. O coração pulsava adolescente! Por um instante tudo
se tornara relativo. Era uma corda esticada.
Ela passou por ele, como um cometa ou meteoro. Ele terminou a
última volta, com um sorriso maduro no canto da boca.
Voltou para casa e amou sua mulher.
Antonio
Fabiano