segunda-feira, 23 de maio de 2011

POR UMA VIDA MELHOR?

Vivemos num tempo de oximoros aberrantes. O certo é também errado, ou o errado é certo e tanto faz. Cada dia eu me sinto mais imbecil e ignorante. Agora, também, analfabeto. Ou não, já que tanto faz. O MEC acaba de lançar um livro em que diz que não precisamos necessariamente seguir as regras da gramática para falar de forma correta. Uma das autoras explica que a intenção é substituir o conceito de correto e incorreto (certo e errado) pela ideia de uso adequado ou inadequado. Não digo que quem procede assim está agindo de má fé. Até creio que há boa intenção nisso tudo, mas parte-se de um princípio equivocado – insustentável se posto à prova lógica, de um raciocínio mais acurado – que em longo prazo nos fará pagar um preço altíssimo.
Em nosso tempo nada pode ser “errado”, pautamo-nos pelas ideologias vigentes ou da moda dos últimos decênios, optamos por seguir a lei do menor esforço ou a não-lei. Não podemos dizer não, é proibido proibir (sentença esta que traz em si mesma a própria negação), cada um é sua lei, seu deus e juiz absoluto. O relativismo que já foi entronizado na moral, na ética de nossa sociedade, na filosofia, na política, em quase todas as ciências, bem como na estética, nas artes – confira os impasses artísticos e a crítica contemporânea, e note que a quase toda “coisa” produzida nos últimos tempos é não poucas vezes conferido o status de arte com louvor – não poderia deixar de entrar também na língua. Na língua dos brasileiros, obviamente. Assim, algo horrível como a gramática normativa (a que estabelece normas, o padrão linguístico, a sua sistematização), não haveria de passar impunemente por toda essa borrasca, sendo antes tida como caso intolerável ao nosso gosto subjetivista e à nossa preguiça de aprender ou ensinar, isto é, de dar educação de qualidade, um direito de todos. A transgressão presente em diversos níveis da sociedade e até encorajada por instituições outrora norteadoras (neste mesmo mundo onde a futilidade é ovacionada e valores são copernicanamente invertidos), levada às últimas consequências, acabaria por também legitimar coisas execráveis para nós como a impunidade e a violência. Mas não se percebe isso com facilidade, nem é o que queremos ver, ainda quando adotamos atos incongruentes, cujas consequências até somos incapazes de mensurar. Não está na moda pensar, mas de quem fala por e sobre muitos, exigimos o dever da responsabilidade.
O livro referido pertence à coleção Viver, Aprender... e intitula-se “Por uma vida melhor”. Assim seja. Mas, curiosamente, isso se difundiu e se difundirá em escolas da rede pública. E não creio que em algum concurso ou vestibular tal falácia vá ser levada a sério.
Sabemos que em qualquer língua ou cultura do mundo há discrepâncias entre a oralidade e sua escrita, isso é comum e até viável. Mas reconhecer que há diferentes formas de falar, e ter em relação a tal fato a devida flexibilidade, inclusive abolindo todo preconceito e buscando compreender os mais variados fenômenos linguísticos, não nos dá o direito de endossar a institucionalização do que é visível deficiência educacional – esta, sim, injusta – tão patente em nosso país, onde governos se vangloriam do crescimento estatístico da escolarização e progressiva erradicação do analfabetismo, e nos deparamos mesmo no ensino superior com pessoas que sequer sabem conjugar os verbos mais elementares ou escrever um texto legível em sua própria língua.
É sofístico acreditar que está certo falar uma língua de qualquer jeito, desde que a comunicação se torne possível, e que proceder dessa forma é promover a inclusão social etc. Esse critério absurdo, além de ameaçar a unidade linguística de um povo de dimensão continental que miraculosamente fala o mesmo idioma (com sotaques e expressões próprias, o que é enriquecedor, natural e bonito), promove o que já chamaram de “apartheid” no campo semântico. Diminuir as diferenças sociais, abolir preconceitos, não se faz pelo caminho da irresponsabilidade de quem tem o dever de dar escola e educação de qualidade a todos. Não sei de nenhum lugar do mundo onde tenha ocorrido algo semelhante a essa procedência tristemente abonada pelo MEC.
A veiculação deste livrinho poderia parecer irrelevante, e a fúria de alguns intelectuais desproporcional. Não. Seu conteúdo demagógico – também denunciado pela Academia Brasileira de Letras – quer de fato validar o erro, como se dissesse que para ricos e bem formados três vezes três é nove, mas para pobres tanto faz. O desdobramento de tal relativização nos afronta e fere a própria razão de ser do idioma. Mas é um bom álibi para justificar nossa incompetência educacional, o fracasso da Educação em diversas instâncias, sobretudo no ensino da língua pátria onde, atualmente, se aprende mais a odiar clássicos da literatura, através de mutilados textos, que propriamente gramática.

Antonio Fabiano
Belo Horizonte, 23 de maio de 2011.
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com

7 comentários:

  1. Jaécia Bezerra de Brito24 de maio de 2011 às 19:31

    A indignação até parece se esconder, pois nossos meios de comunicação não destacam a barbárie, porém a net nos salva; vou fazer o texto circular muito mais. beijinhos

    ResponderExcluir
  2. Jaécia, querida, a mídia deu, sim, importância ao caso. Até com certo sensacionalismo! Continua a sair em revistas e jornais alguma coisa a respeito deste assunto. Tal ideologia não é novidade, como você sabe, há uma corrente no país que há anos a defende, demagogicamente, inclusive em algumas das mais importantes universidades. O escândalo é que, talvez por descuido, isso tenha sido aprovado pelo MEC.
    Quero aproveitar para agradecer o outro e-mail que me foi enviado por você, com o desabafo da corajosa professorinha potiguar, sobre a situação dos educadores daí do RN e de todo o país. Ponho aqui o link para quem mais quiser ler a reportagem e ver o vídeo que está logo abaixo.
    http://tribunadonorte.com.br/noticia/eu-nao-entendo-essa-repercussao/181782

    ResponderExcluir
  3. Parabéns pelo texto. Espero que todos nós que temos acesso há uma boa educação não se cale diante de tamanho absurdo.
    Fellipe Toledo.

    ResponderExcluir
  4. Fabiano, boa noite.
    obrigado por tuas palavras de incontida revolta.
    Responda-me uma curiosidade: com esta nova norma do MEC,
    a também Nova Ortografia da Língua Portuguesa serve pra quê?
    Obrigado,
    Alonso

    ResponderExcluir
  5. Fabiano, boa noite.
    O teu pensamento acima me faz pensar...
    Vem cá! Responda-me, por favor: Com esta nova norma proposta pelo MEC de que tanto faz como tanto fez, para que serve a também Nova Ortografia da Língua Portuguesa?????????
    Hum... deve ser pra... realmente não sei.
    Poderias me ajudar? Grato, Alonso

    ResponderExcluir
  6. Fabiano, agora que entendi como funciona a coisa.
    Eu postei primeiro um que não vi postado e tentei outro que também não saiu. Claro! primeiro vc vai verificar a qualidade e, se quiser, epifania nele.
    Acho que o último ficou melhor.

    ResponderExcluir
  7. Realmente é motivo de muita indignação o conteúdo do texto, não dá nem pra calcular o tamanho deste absurdo e o quanto é relevante o acesso, principalmente para nós alunos de colégio público, já que diz respeito justamente a nossa educação, Jaécia que me avisou porque eu não sabia, e pode ter certeza, pelo menos a maioria não imagina esta realidade, fico infeliz com esta situação. É um absurdo

    ResponderExcluir